CRÔNICA: Sinal Vermelho
Walcyr Carrasco
QUANDO PERGUNTEI SE
TINHA dinheiro trocado, minha amiga abriu a bolsa e tirou a carteira.
Verificou. Insuficiente. Imediatamente, tirou uma segunda carteira do bolso do
casaco, essa repleta de notas. Espantei-me:
— Duas carteiras?
— Uma é para os
assaltantes — explicou.
Farta de ter sido roubada
várias vezes ao parar no semáforo, ela optou pelo estratagema.
Houve época em que
os assaltantes eram rápidos. Aproximavam-se, arrancavam um relógio e uma
corrente de ouro e saíam correndo como ratos assustados. O assaltante do
semáforo, hoje, é um profissional seguro, consciente de ter conquistado um
espaço na sociedade. Em certo sentido, tem muito a ver com um dentista. Ambos
sabem lidar com o nervosismo alheio. A única diferença é que, enquanto o
dentista promete que não vai doer, o ladrão garante o oposto. Está distante de
qualquer proposta feminista, pois prefere as mulheres desacompanhadas.
Aproxima-se, explica que é um assalto e que quer todo o dinheiro da carteira.
Generosamente, dispensa os documentos e as vítimas até agradecem.
— Tive a maior sorte
— comentou uma conhecida.
— Ele deixou tudo, menos
o dinheiro. Foi muito legal.
Como se o ladrão
fosse um amigo compreensivo!
Seu método,
desenvolvido em centenas de semáforos, é o da pressão psicológica pura e
simples. Na maior parte das vezes nem arma mostra. Já vi a atuação de um desses
assaltantes. Eu estava parado num semáforo próximo à praça Roosevelt. Atrás de
mim, em seu Fiat, a sábia amiga das duas carteiras. O profissional, acompanhado
de um ajudante, aproximou-se de seu vidro. Vi, pelo meu retrovisor, que
conversava com ela cortesmente. "Será um assalto?", refleti. Observei
para ver se havia alguma arma. De jeito nenhum. Um bando de rapazes
"mal-ajambrados" acompanhava a cena de longe. Já me vi descendo do
carro e enfrentando todos a golpes de capoeira. O único problema é que não sei
capoeira. Apenas pensei em aprender, duas ou três décadas atrás.
Prudentemente,
decidi-me pela versão menos perigosa. "Deve estar pedindo esmola." Vi
quando minha amiga ofereceu algumas notas. Achei a esmola grande, mas
disfarcei. O sinal abriu, partimos. Mais tarde, no restaurante, onde havíamos
combinado nos encontrar, ela revelou: fora um assalto! Gentilmente (e com
alguma dor de consciência), fiz questão de pagar o jantar. Ou seja, o assaltado
fui eu, porque o menu custou muito mais do que a quantia roubada.
Conheci uma garota
que no último mês foi assaltada cinco vezes, em semáforos diferentes. Acha
normal. Particularmente, acho que o mais grave é quando uma coisa dessas começa
a ser "normal". E inútil revoltar-se. Uma jovem que trabalha na área
de moda estava no semáforo do Trianon, na esquina da avenida Paulista, às 4 da
tarde. O ladrão aproximou-se, pediu o relógio e o dinheiro. Ela rodopiou o pescoço
em busca de ajuda. Foi-se o tempo dos cavaleiros andantes! Parecia ter-se
tornado invisível. Nesse instante, farol verde! Os carros se moveram. Ela
acelerou. O meliante agarrou seu rabo-de-cavalo. Pior que Rapunzel com suas
tranças, ela ficou presa pelos cabelos, com um pé no acelerador, outro no
breque e o pulso entregue ao ladrão. Liberou-se só depois de devidamente
depenada.
Qualquer motorista
sabe quais são os pontos mais perigosos. Então por que ninguém faz nada? Em
regiões como a praça Roosevelt e o Trianon sucedem se os assaltos como se fossem terras de ninguém.
Estou começando a
desenvolver a síndrome do pânico em cada sinal vermelho. Fecho os vidros, mesmo
agora no verão. Fico parado, olhando cautelosamente em todas as direções
enquanto o interior do veículo se transforma numa sauna. Logo eu, um tipo capaz
de fazer piada de quase todas as coisas da vida. Mas a questão é séria. Seria
cômica se não fosse trágica.
Perder peso e entrar
em forma?
Para andar na moda
já não basta usar esta ou aquela roupa. E preciso ter o corpo certo, com as
medidas exatas de um halterofilista para eles, com o padrão de uma ginasta
olímpica para elas. Uma tragédia para os barrigudinhos como eu. Tenho um amigo
que passa três horas por dia na academia. Sai do trabalho e corre para os
abdominais, para os alongamentos, para o levantamento de peso. Está com peito
de pombo. Outro malhou tanto que os bíceps parecem dois pernis. A cabecinha
fica enterrada nos ombros como uma coruja. Ambos sentem-se orgulhosos como
gaviões. Uma conhecida passa os dias malhando. O corpo, enxuto, não combina com
os vincos do rosto e com o nariz em forma de guarda-chuva. Às vezes dá a impressão de que fez um implante de cabeça.
Tenho inveja dos
tempos em que alguém podia envelhecer tranquilamente. Fazer exercícios
não é mau. O duro é que virou obsessão. Há uma amiga que passa as noites
pedalando numa bicicleta ergométrica enquanto vê as novelas. Outra comprou uma
esteira a prazo, que agora enfeita seu dormitório, com uma porção de roupas
dependuradas. Virou cabide. O filho de outro amigo começou a se queixar de
gordura. Entrou em pane, até convencer o pai a adquirir a bicicleta mais cara
do pedaço. Uma maravilha, colocada no terraço do apartamento. Mal chegou,
atirou-se sobre ela e pedalou quinze minutos, feliz. Nunca mais a usou. Está
lá, no terraço, tomando chuva.
O pior é que
qualquer rapaz bombado, qualquer pantera malhada age como se fosse um ser
oriundo das estrelas. Vão às festas de camiseta, com jeans e roupas colantes.
Se eu apareço com um paletó folgado para disfarçar o abdome, observam-me,
fiscalizando. Eu me sinto como se fosse uma bolsa Chanel na vitrine de uma sex
shop. Confesso: resolvi fazer ginástica, recentemente. Tentei o personal
trainer. Ou seja, um professor de ginástica particular, até que eu pegasse o
ritmo. Mal começamos, ele me deitou numa espécie de cadeira de dentista forrada
de preto e me deu uma barra com pesos nas extremidades, a ser erguida vinte
vezes.
Ergui uma, foi
fácil. Duas, mais ou menos. Na terceira, o coração batia no nariz.
— Estou velho, já
não posso mais! — reclamei.
—- Continue
erguendo, ou a barra cai no seu queixo — ele avisou, didaticamente.
Nos abdominais foi
pior. Eu contava, e logo chegava aos trinta. Quase mordi o joelho, de tanto
nervosismo. Depois o instrutor me pendurou num aparelho de alongamento. Fiquei
de pernas abertas, barriga para a frente e mãos agarrando uma barra de madeira,
logo atrás.
— Esse exercício
tira barriga — explicou.
— Você não pode me
algemar aqui, até amanhã? — implorei.
Com um sorriso de
desprezo, o crápula terminou a aula.
— Se amanhã você
conseguir se mexer, faça alguns exercícios —
despediu-se.
Desde a primeira
aula, bastava olhar no espelho para me sentir um atleta. Assim, continuei com o
sofrimento. Aulas depois ele começou a colocar pesos nos pés, que eu deveria
erguer ritmadamente. Dava a impressão de que os dedos iam cair no chão. Meus
amigos, só elogios:
— Agora você vai
sentir mais vitalidade.
Eu sentia sono só de
ouvir a palavra vitalidade. Fui me pesar, esperançoso.
Dois quilos extras.
— E a massa muscular
— disse o crápula.
Tanto esforço para
engordar? Preferia ter devorado quilos de chantili. Mesmo assim, persisti no
sacrifício.
Outro dia peguei uma
revista de moda internacional. Até agora essas revistas eram pródigas em exibir
manequins até quarentões, mas sempre com peitorais e bíceps expressivos.
Surpresa! Em todas, modelos longilíneos, magros, cabelos compridos e ar
romântico.
— O homem musculoso
está saindo de moda! — pontificou uma amiga estilista. — O bonito agora é o
tipo dândi, bem magro.
Pensei nos meus
amigos nadando, jogando tênis, malhando. O que vão fazer agora? Trocar de
corpo? E eu? Corri ao espelho. Examinei: meus braços estavam começando a ficar
com aquele jeitinho de quem faz ginástica! Ih!
É isso aí. Até quando entro em forma
dou com os burros n'água.
Entendendo o texto
01. Por que a
amiga do narrador carrega duas carteiras?
a) Para se proteger
de assaltantes.
b) Porque uma é para
os documentos e outra para o dinheiro. c) Para despistar os ladrões.
d) Todas
as alternativas estão corretas.
02. Como o
assaltante do semáforo é descrito em comparação com os antigos assaltantes?
a) Rápido e impulsivo.
b) Profissional e consciente.
c) Desorganizado e desesperado.
d) Inofensivo e amigável.
03.Qual é o método
mais comum desse tipo de assaltante?
a) Mostrar a arma imediatamente.
b)
Usar a pressão psicológica.
c) Roubar apenas documentos.
d) Agir rapidamente e fugir.
04. O narrador
presenciou um assalto próximo à praça Roosevelt. O que ele observou sobre o
assaltante?
a) Ele estava armado e agiu rapidamente.
b) Ele
pedia esmolas educadamente.
c) Ele estava
acompanhado por um grupo de malfeitores.
d) Ele recusou o dinheiro oferecido
pela amiga do narrador.
05. O que aconteceu
durante o assalto vivido pela amiga do narrador?
a) Ela ofereceu notas como esmola.
b) O assaltante levou tudo, exceto o
dinheiro.
c) Ela conseguiu escapar ilesa.
d) O narrador pagou o jantar depois de
descobrir o assalto.
06. O narrador
relata uma experiência no trânsito que o fez sentir como se estivesse numa
sauna. O que ele faz para se proteger?
a) Fecha os vidros do carro.
b) Liga o ar condicionado.
c) Desce do carro e enfrenta os ladrões.
d) Grita por ajuda.
07. Qual é a
reclamação do narrador em relação à pressão estética na sociedade?
a) A obsessão por perder peso.
b) A exigência de ter o corpo perfeito.
c) A falta de moda para barrigudinhos.
d) Todas as alternativas estão corretas.
08. O narrador tenta
fazer ginástica com a ajuda de um personal trainer. Como ele se sente após a
primeira aula?
a) Energizado e motivado.
b) Como um atleta.
c) Cansado e dolorido.
d) Deprimido e desencorajado.
09. Qual é a
descoberta surpreendente sobre a moda masculina mencionada na crônica?
a) Homens
musculosos estão fora de moda.
b)
Homens magros são os mais desejados.
c) Modelos masculinos agora usam cabelos
compridos.
d) Homens devem trocar de corpo para se
adequar à moda.
10. Como o narrador
se sente em relação aos seus esforços para entrar em forma no final da crônica?
a) Satisfeito e realizado.
b) Frustrado e desanimado.
c) Animado para continuar se exercitando.
d) Surpreso com os resultados positivos.
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