Crônica: Cabeças-de-Vento
Walcyr
Carrasco
UM DOS MAIORES SUSTOS de minha vida aconteceu exclusivamente por culpa minha. Trabalhava em um escritório em uma pequena travessa do bairro dos Jardins. Recebi um amigo, conversamos. Saímos de noitinha. Chuviscava; Corremos até o carro. Tentei abrir, não conseguia. Um carro entrou na rua em disparada. Brecou rangendo os pneus. Quatro rapazes mal-encarados saíram às pressas, deixando as portas abertas. Não tive dúvidas: íamos ser assaltados. O escritório fechado. Rua vazia. Gelei. Um dos sujeitos parou a dois metros. Os outros formaram um arco atrás dele.
— Boa noite — rosnou.
— Boa noite — gemi de volta.
—
Largue o carro — gritou ele.
Tremi. Era mesmo um bando de ladrões. Eu e meu
amigo imóveis de medo.
— Vamos, largue o carro! — insistiu o mal-encarado.
— Mas... é meu -— consegui dizer, quase em
lágrimas, abraçando o capo. — E seu coisa nenhuma. É meu.
Ergueu o punho, ameaçador. Já ia responder
quando olhei para o lado. Lá estava meu carro, estacionado a poucos metros.
Quem estava tentando levar o automóvel alheio era eu! Constrangidíssimo, tentei
explicar:
— Ih! Acho que me enganei. O meu é aquele
lá.
Quem
poderia acreditar? O meu era azul, o dele marrom. Pior: de modelos
completamente diferentes. Meu amigo babava com o vexame. Fugimos às pressas,
antes de levarmos uma surra. Certamente o sujeito e a turma vão contar a vida
toda como certa vez afugentaram dois perigosos ladrões com a boca na botija.
Carros são um prato ótimo para distraídos. Dia
desses um amigo entrou na garagem do prédio, que tem dois pavimentos.
Horrorizado, descobriu que seu carro estava todo enlameado.
— Alguém deve ter usado escondido! Só pode ser
o garagista!
Cheio de raiva, pegou uma mangueira. Lavou.
Arrumou pano velho para enxugar. Quando chegou na frente, notou parte da
pintura descascada.
—
Ainda por cima devem ter raspado na parede. E muita safadeza.
Já estava prestes a chamar o síndico. De
repente descobriu que tinha lavado o carro de outra pessoa. Pior, de um modelo
diferente do seu! Simplesmente errara o pavimento da garagem, caminhara até
onde julgara ser sua vaga e o resto ficou por conta da distração. Tenho uma
amiga experta em distrações culinárias. Convida para um churrasco e esquece de
comprar a carne. Certa vez preparou um jantar para dez pessoas. Só eu fui.
Ficou arrasada. Lá pelas tantas, ligou para um convidado.
— Por que você não veio no meu jantar?
— O quê? Você não avisou!
Tinha esquecido de convidar. Tenho um amigo tão
distraído que, em certo dia de chuva, ficou de dar carona a uma companheira na
saída do trabalho.
Ofereceu.
— Vou até o estacionamento, tiro o carro e pego
você na porta.
A amiga sorriu, agradecida. São raros os
cavalheiros hoje em dia. Pois bem:
o "cavalheiro" chapinhou até o
estacionamento. Pegou o carro e saiu. A moça aguardava na porta. Ele passou por
ela distraidamente, deu tchauzinho e foi embora. A coitada pensou que fosse
brincadeira. Quarenta minutos depois percebeu que havia algo errado. Foi
obrigada a sair na chuva, no escuro, até um ponto de ônibus Só no dia seguinte,
quando estava prestes a levar uns tapas, ele percebeu o engano. — Ih... eu
esqueci que você estava me esperando! Se dirijo, às vezes viro na rua errada,
sem pensar. Principalmente quando estou acostumado com um caminho e esqueço que
vou para outro lugar. Levanto para dar um telefonema urgente, paro para tomar
um café e quando lembro passou o horário comercial. Meu amigo Cláudio, um
distraído contumaz, jura que é genético. Certa vez, nos bons tempos do centro
da cidade, seu avô e sua avó foram assistir a uma ópera no Teatro Municipal.
Ela, com casaco de peles e joias, elegante como era de praxe. O casal saiu
caminhando. A rua Xavier de Toledo estava em obras, cheia de tapumes e buracos
bem fundos. A avó caiu dentro de um deles. O marido nem percebeu. Distraído,
foi para casa, sentou-se para ler o jornal. Horas depois a mulher apareceu.
Suja de barro até os cabelos. O casaco de pele destruído. Ele espantou-se: —
Onde é que você estava?
Hoje em dia daria divórcio. Na época, ela
contentou-se em rugir. De tudo, uma lição se aprende. Quando se fala em
distraídos, sem dúvida a tragédia anda ao lado da comédia.
Entendendo o texto
01. Qual foi o motivo do susto vivenciado pelo
protagonista na crônica?
a) Ele foi
perseguido por ladrões.
b) Ele se
enganou pensando que ia ser assaltado.
c) Ele perdeu seu
carro.
d) Ele viu um
acidente de carro.
02. O que o protagonista abraçou quando os
supostos ladrões ordenaram que largasse?
a) Um poste
b) Seu amigo
c) Uma árvore
d) O capô de um carro
03. Por que o amigo do protagonista ficou
horrorizado ao encontrar seu carro na garagem do prédio?
a) Estava todo enlameado.
b) Estava amassado.
c) Estava com os pneus furados.
d) Estava bloqueando a saída.
04. O que o amigo do protagonista descobriu
quando chegou na frente do carro que estava lavando?
a)
A pintura estava descascada.
b) O pneu estava murcho.
c) O motor estava falhando.
d) O carro não era o seu.
05. Qual foi a distração culinária da amiga
do protagonista mencionada na crônica?
a) Esqueceu de comprar carne para o
churrasco.
b) Preparou um jantar para dez pessoas e
só o protagonista apareceu.
c) Não avisou os convidados sobre o
jantar.
d) Esqueceu de acender o fogão.
06. O que o amigo distraído do protagonista
esqueceu de fazer quando prometeu dar carona para a companheira de trabalho?
a) Tirar o carro do estacionamento.
b) Encontrar a companheira na porta do
trabalho.
c) Voltar para buscá-la após estacionar
o carro.
d) Ligar para avisar que estava a
caminho.
07. Qual é a principal causa das distrações
do protagonista quando dirige?
a) Ele costuma se distrair com o
celular.
b) Ele tem problemas de visão.
c) Ele se perde facilmente.
d) Ele está sempre atrasado.
08. O que aconteceu com a avó do amigo
distraído do protagonista durante uma ida ao Teatro Municipal?
a) Ela perdeu seu casaco de pele.
b) Ela ficou presa em um buraco na rua.
c) Ela foi atropelada.
d) Ela se perdeu no caminho.
09. Qual foi a reação do marido da avó do
amigo distraído quando ela voltou para casa suja de barro?
a) Ele ficou muito preocupado.
b) Ele riu da situação.
c) Ele não percebeu.
d) Ele pediu o divórcio.
10. Qual
é a lição que se aprende com as histórias de distrações na crônica?
a) Distrações podem resultar em
tragédias.
b) Distrações são sempre engraçadas.
c) É importante prestar atenção aos
detalhes.
d) É inevitável cometer erros por
distração.