Crônica: Não dê comida aos animais
Giselda Laporta Nicolelis
Adílson chegou ao zoológico, feliz da
vida. Era uma linda tarde de sol e ele economizara a semana toda para ver os
animais. Deixara até de andar de ônibus e fora a pé para a escola! Agora, com
certeza, ia se divertir pra valer.
O zoo estava cheio de gente. Famílias
inteiras sentadas nos bancos ou passeando pelas alamedas, num clima de muita
festa.
Animado, jogou o resto das pipocas
dentro da jaula do leão, que olhou com indiferença para as pipocas e com
arrogância para o menino.
Foi então que viu, lá embaixo, no fundo de
um fosso, uns animais engraçados que pareciam lontras, com caudas grandes e
achatadas. Eram seis, semienrolados uns nos outros, no seu habitat predileto:
água!
Curioso, leu a tabuleta:
ARIRANHAS:
carnívoros da família dos mustelídeos (Pterunura brasiliensis). Habitam os
grandes rios do Brasil.
NOME
VULGAR: “onça-d’água”.
Na sua frente, uma grade alta separava
os visitantes dos animais. Por que seria? Uns bichinhos tão inofensivos tomando
sol... Por certo só comiam peixes.
Será que também gostavam de pipoca?
Pena que tivesse gasto todo o saquinho com o leão lá da jaula. Dariam uns belos
animais de estimação!
E uma ideia se formava na sua cabeça...
Por que não pular a grade (nem era tão alta assim pra um garoto como ele,
acostumado a ser goleiro nas peladas do campinho) e ir lá embaixo, ver se elas
eram mesmo tão pacatas quanto pareciam aqui de longe? Deviam ter umas pernas
tão curtas e ser tão molengas que jamais alcançariam um moleque na corrida, mas
nunca!...
Olhou à sua volta: ninguém por perto. É
a tua chance, Adílson! Sem pensar duas vezes, saltou rapidamente a grade e
começou a descer o paredão que dava para o fosso. As ariranhas nem se mexeram,
continuavam dormindo tranquilas.
Ralou os joelhos na descida, nem ligou.
Estava emocionante demais. Quando contasse pros colegas, eles nem iam
acreditar! Um bando de frouxos... nunca que iam ter a coragem dele!
Quando estava quase lá embaixo, uma das
ariranhas o farejou e ergueu a cabeça. Mas logo mais dormia, aparentemente
indiferente.
Foi andando em direção aos bichos...
bem de fininho. Eles continuavam dormindo... ou pareciam... Entrou pela água do
fosso e foi chegando perto, determinado a encostar a mão naqueles dorsos
peludos que brilhavam ao sol...
A ariranha maior tornou a farejá-lo,
erguendo novamente a cabeça. Só que dessa vez não voltou a dormir. Encarou-o. E
ele sentiu a fúria no olhar do animal, mistura de medo e raiva ao mesmo tempo.
Como num passe de mágica, a ariranha firmou o longo pescoço de lontra e emitiu
um rugido que soou como alerta para as demais, que se desenrolaram uma das
outras e puseram-se, num átimo, em posição de sentido! Ele agora tinha pela
frente as ariranhas prontas para o ataque. Por trás, o paredão do fosso que o
levaria à segurança e à liberdade...
Um grito soou lá de cima, uma voz de
mulher, apavorada:
-- Deus, tem um menino no fosso, façam
alguma coisa!
Recobrando o próprio domínio sobre o
espanto e o medo, o garoto tentou correr. Virou-se e preparou os músculos para
escalar de uma só vez o paredão salvador. Mas as ariranhas foram mais rápidas.
Certeiras, atiraram-se contra o menino, que tentava escapar. Adílson ainda
gritou, transido de pavor:
-- Socorro!
João, que passeava com a família no
zoo, abriu caminho:
-- Sou policial, deixem-me passar!
-- O menino caiu no fosso! – gritou a
mulher, desesperada. – Ariranhas estão comendo ele vivo!
João debruçou-se sobre a grade, um arrepio
pelo corpo. O menino tinha o rosto virado para cima, pedindo socorro, enquanto
tentava se livrar dos bichos... Era um garoto moreno, de olhos angustiados, que
se debatia entre a vida e a morte... E alguma coisa precisava ser feita,
urgentemente... Olhou ao seu redor.
Os outros não faziam nada, impotentes.
Chamar a segurança do zoo, quanto tempo
levaria?... Minutos preciosos que poderiam significar a vida para o garoto lá
embaixo... Poderia ser seu filho numa situação dessas... Todos olhando e
ninguém fazendo nada!...
Ainda ouviu o grito de sua mulher
quando pulou a grade e começou a descer o paredão:
-- Não, não vá!...
Ele já descia, agarrando-se às pedras e
a uma pequena árvore fincada ali quase por acaso. O garoto gritava,
desesperado, ambos os braços nas bocas das ariranhas. João gritou:
-- Aguente firme, estou indo! Vou te
salvar, aguente firme!
A
mulher e os filhos, estáticos de pavor, olhavam tudo lá de cima do paredão.
Os demais o animavam.
-- Depressa, moço! Mais depressa, o
garoto não aguenta mais!
Num último arranco deu conta do
paredão. Atirou-se na água. As ariranhas viraram-se para encarar o novo
inimigo, largando o menino por instantes.
Foi sua chance. Agarrou o garoto e
correu com ele para o paredão, gritando:
-- Suba rápido, o mais rápido que você
puder!
O garoto tentou escalar o paredão,
escorado em João. Caiu, rolou por terra.
João ergueu-o, sacudiu-o:
-- É nossa única chance! Vamos, temos
de subir!
Um homem pulou a grade do fosso,
amparou-se na pequena árvore e gritou para João, lá embaixo:
-- Dá aqui o garoto que eu puxo ele!
João ergueu o garoto e, num supremo
esforço, colocou-o sobre os ombros, enquanto o outro se esforçava para agarrar
as mãos de Adílson.
Começou a puxá-lo para cima e, quando o
garoto finalmente firmou as pernas no paredão, João, com um suspiro de alívio,
preparou-se para subir. Foi então que sentiu os focinhos molhados e as patas
pegajosas nas suas costas, e uma força brutal arrastando-o pelas pedras,
enquanto a mulher gritava desesperada:
-- Façam alguma coisa, elas pegaram meu
marido!...
-- Vou chamar ajuda – disse alguém e
saiu correndo da multidão.
A mulher continuo gritando:
Façam alguma coisa, alguém atire nelas,
peço amor de Deus! Elas estão matando o meu marido!
Lá embaixo, João ainda resistia...
Desarmado, seu corpo sob as ariranhas que, enfim, davam vazão a toda sua fúria.
João lutou, gritou, se debateu e, finalmente, não reagiu mais.
NICOLELIS, Giselda
Laporta. Histórias verdadeiras. São Paulo: Scipione, 1994, p. 27-32.
Fonte: Língua Portuguesa –
Coleção Mais Cores – 5° ano – 1ª ed. Curitiba 2012 – Ed. Positivo p. 117-122.
Entendendo a crônica:
01 – Ao ler o texto, você
percebeu, nas informações apresentadas na tabuleta, que os animais possuem
nomes científicos (que é o seu registro na literatura científica) e vulgares
(modo popular pelo qual são conhecidos).
·
Família a que pertencem: família dos mustelídeos.
·
Nome científico: Pterunura
brasilienses.
·
Nome vulgar: Onça-d’água.
02 – Escolha três animais de
sua preferência e pesquise as informações a seguir.
·
Família a que pertencem: Resposta pessoal do aluno.
·
Nome científico: Resposta
pessoal do aluno.
·
Nome vulgar: Resposta
pessoal do aluno.
03 – Discuta com seus
colegas e professor as questões a seguir.
· O que levou o policial a tentar salvar o menino? Em sua opinião, esse herói agiu de modo correto ao arriscar sua própria vida? Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
· Você conhece alguém que já colocou sua vida em risco para tentar socorrer alguém? Conte como isso aconteceu.
Resposta pessoal do aluno.
04 – Em todos os zoológicos,
existem tabuletas afixadas, solicitando aos visitantes que não deem comida aos
animais. Em sua opinião, por que há pessoas que não respeitam essa solicitação?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Por
falta de instrução ou porque é um pessoa que não gosta de respeitar as regras.
05 – Agora, imagine que o
diretor do zoológico precisa escrever nas tabuletas frases que levem os
visitantes a perceber o perigo que os animais enjaulados apresentam. Ajude-o,
elaborando três frases. Lembre-se de que você deve dar conselhos, como este: “Não dê comida aos animais”.
Resposta
pessoal do aluno. Sugestão: Não suba nas grades é perigoso; Não encoste nas
grades, pode ser arriscado; Não tire fotos com flash, eles podem assustar; etc.
06 – O policial dessa
história arriscou a própria vida para salvar a de um menino. Como ele, muitos
outros profissionais arriscam-se diariamente para manter a segurança e a
tranquilidade das pessoas. Em equipe, indiquem outros profissionais que
arriscam sua vida em benefício das pessoas.
Resposta pessoal
do aluno.