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sexta-feira, 18 de março de 2022

CONTO: LIVRO: O MEU PÉ DE LARANJA LIMA(FRAGMENTO) - JOSÉ MAURO VASCONCELOS - COM GABARITO

 Conto: O meu pé de Laranja Lima – Fragmento

      José Mauro Vasconcelos

        A gente vinha de mãos dadas, sem pressa de nada pela rua. Totóca vinha me ensinando a vida. E eu estava muito contente porque meu irmão mais velho estava me dando a mão e ensinando as coisas. Mas ensinando as coisas fora de casa. Porque em casa eu aprendia descobrindo sozinho e fazendo sozinho, fazia errado e fazendo errado acabava sempre tomando umas palmadas. Até bem pouco tempo ninguém me batia. Mas depois descobriram as coisas e vivem dizendo que eu era o cão, que eu era capeta, gato ruço de mau pelo. Não queria saber disso.

        [...]

        Joguei uma flecha de piedade nos olhos de Glória. Ela sempre me salvara e eu sempre prometia a ela que não ia fazer nunca mais...

        — Mais tarde. Agora não. Eles estão brincando tão quietinhos...

        Ela já sabia de tudo. Sabia que eu tinha ido pelo valão e entrado nos fundos do quintal de Dona Celina. Fiquei fascinado com a corda de roupa balançando ao vento uma porção de pernas e braços. Aí o diabo me disse que eu podia dar uma queda ao mesmo tempo em todos os braços e pernas. Eu concordei com ele que ia ser muito engraçado. Procurei no valão um caco de vidro bem afiado e subi na laranjeira e cortei a corda com paciência.

        Eu quase que caí ao mesmo tempo que aquilo tudo veio abaixo. Um grito e todo mundo correu.

        — Acode minha gente, que a corda rebentou.

        Mas uma voz, não sei de onde, gritou mais alto.

        — Foi aquela peste do menino de seu Paulo. Eu vi ele trepando na laranjeira com um caco de vidro...

        [...]

        Arrastei-me até a porta da cozinha, estudando um meio de desarmar Glória. Ela estava bordando uns panos. Sentei meio sem jeito e dessa vez Deus me ajudou. Ela me olhou e viu que eu estava de cabeça baixa. Resolveu não dizer nada porque eu estava de castigo. Fiquei com os olhos cheios d'água e funguei. Dei com os olhos de Glória me fitando. Suas mãos tinham parado no bordado.

        — Que é, Zezé?

        — Nada, Godóia... Por que ninguém gosta de mim?

        — Você é muito arteiro.

        — Hoje já levei três surras, Godóia.

        — E não mereceu?

        — Não é isso. É que como ninguém gosta de mim, aproveitam para me bater por qualquer coisa.

        [...]

        No começo o segredo existiu só porque eu tinha vergonha de ser visto no carro do homem que me dera umas palmadas. Depois persistiu porque sempre era bom existir um segredo. E o Português fazia todas as minhas vontades nesse aspecto. Tínhamos jurado, de morte, que ninguém deveria saber da nossa amizade. Primeiro, porque não queria dar carona à garotada. Quando vinha gente conhecida, ou mesmo Totóca, eu me abaixava. Segundo, porque ninguém devia atrapalhar o mundo de conversas que a gente tinha para conversar.

        [...]

        — [...] Eu não gosto muito do seu nome. Não é que não goste, mas entre amigos fica muito...

        — Virgem Santíssima, o que virá agora?

        — Acha que eu posso chamar você de Valadares?

        Ele pensou um pouco e sorriu.

        — De fato, não soa bem.

        — De Manuel, eu também não gosto. Você nem pode saber como eu fico fulo quando Papai conta anedotas de Português e fala: ó Manuele... Se vê logo que o filho da mãe nunca teve um amigo português...

        — Que acabaste de falar?

        — Que meu pai imita português?

        — Não. Antes. Uma coisa feia.

        — Filho da mãe é tão feio como o outro filho?...

        — Quase a mesma coisa.

        — Então vou ver se não falo mais. Então?

        — Eu que te pergunto. Que conclusão tiraste? Não me queres chamar de Valadares e pelo jeito de Manuel, também não.

        — Tem um nome que eu acho lindo.

        — Qual? Aí eu fiz a cara mais sem-vergonha do mundo.

        — Como seu Ladislau e os outros chamam você na Confeitaria...

        Ele fechou a mão fingindo zanga de brincadeira.

        — Sabes que és o maior atrevidaço que eu conheço. Queres me chamar de Portuga, não é assim?

        — Fica mais de amigo.

        — É tudo quanto desejas? Pois bem. Eu to permito. Agora vamos, sim?

        VASCONCELOS, José Mauro de. O meu pé de laranja lima. São Paulo: Melhoramentos, 1975. p. 5, 16, 70, 77, 81.

Fonte: Da escola para o mundo – Projetos Integradores – volume único – Ensino médio – 1ª Edição, São Paulo, 2020, editora Ática. p. 19-21.

Entendendo o conto:

01 – Com base na leitura dos trechos, quem são as personagens que aparecem no cartaz do filme?

      O menino Zezé e seu amigo Portuga.

02 – Que elementos presentes no texto escrito aparecem no trailer do filme?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – Que sentimentos, sensações ou ideias o texto literário e sua versão cinematográfica provocam em você?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Se você tivesse de indicar o romance ou o trailer para um amigo, como faria isso?

      Resposta pessoal do aluno.

05 – Com base nas diferenças entre as linguagens literária e cinematográfica apontadas anteriormente, o que mais lhe chamou a atenção nos trechos do romance “O meu pé de laranja lima” e quais aspectos são, em sua opinião, os mais significativos no trailer a que você assistiu? Justifique suas escolhas formulando argumentos.

      Resposta pessoal do aluno.