Lenda: Como o sol chegou aos
animais(lenda indígena norte-americana)
William John Bennet
Há muitos e muitos anos, o
mundo era todo escuro. Os animais viviam se esbarrando uns nos outros e nunca
sabiam onde estavam naquela escuridão. Resolveram se reunir em conselho para
decidir como resolver o problema.
— Precisamos de luz — disse a
Coruja. Ela presidia o conselho porque enxergava no escuro melhor que os outros
bichos. — Muito bem! Apoiado!— gritaram todos.
— Mas como vamos arranjar luz?
— Não vai ser fácil — avisou a
Coruja.
— Dizem que existe luz no
outro lado do mundo, mas é muito, muito longe. A viagem é perigosa. Quem for lá
pode nunca mais voltar.
— Então quem deve ir? —
gritaram todos a uma só voz.
— Quem vai se arriscar na
viagem? Houve um longo silêncio. No escuro, todos os bichos encolheram os
ombros. Por fim, ouviu-se uma vozinha.
— Posso tentar — disse a
Toupeira.
— Minha cauda é longa. Se eu
achar a luz, posso pegar, esconder nos pelos da cauda e trazer para cá.
E lá se foi a Toupeira a
caminho do leste. Andou dias e dias pela terra escura, sem saber bem onde
estava, até que viu uma pequena claridade no céu.
Correu em direção à luz, que
se tornava cada vez mais forte. A luz cresceu e ficou tão brilhante que o
bichinho tinha que franzir os olhos para não ficar cego. Até hoje, quando a
gente vê uma toupeira, repara nos olhos fechadinhos e pensa que ela está
dormindo.
Andando até o outro lado do
mundo, a Toupeira finalmente achou o sol. Pegou um pedacinho, rápido como quem
furta, embrulhou na cauda peluda e tomou o caminho de casa.
— Podemos tentar mais uma vez
— disse uma vozinha sumida.
— Dessa vez eu vou. — Quem? —
perguntaram os bichos. — Quem falou?
— Eu, a Velha Aranha. Sei que
sou muito pequena muito lenta, mas talvez eu consiga. Antes de partir, a Velha
Aranha pegou um punhado de argila e, com as oito mãos, fez um potinho.
— A Toupeira e o Corvo não
tinham onde trazer o sol — disse ela.
— Vou levar este potinho.
Depois teceu um fio e prendeu numa pedra, dizendo: — A Toupeira e o Corvo
ficaram cegos com a luz do sol no caminho de volta. Eu vou seguir esse fio. E
se pôs a caminho do leste, desenrolando o fio à medida que andava. Quando
chegou ao sol, pegou um pedacinho e colocou no potinho de barro. Brilhava tanto
que ela mal enxergava, mas, segurando o fio estendido, pegou o caminho de casa.
Mas a viagem de volta era
longa e o pedacinho de sol era muito quente para a pobre Toupeira carregar. O
solzinho queimou todo o pelo da cauda dela, que caiu no chão. Por isso é que
hoje, quando a gente vê uma toupeira, repara no rabo pelado que ela tem.
— A Toupeira tentou e
fracassou — disseram os bichos.
— Nunca mais teremos luz! — Eu
vou tentar — disse o Corvo.
— Talvez essa viagem seja para
quem tem asas. O Corvo voou para o leste e chegou ao sol. Deu um mergulho na
luz e arrancou um pedacinho com as garras afiadas. “A Toupeira tentou trazer o
sol na cauda e não deu certo”, pensou o Corvo. “Vou levar a luz na cabeça.” O
Corvo pôs o pedacinho de sol na cabeça e tomou o rumo de casa, mas o sol era
quente demais e queimou as penas da cabeça dele. O Corvo ficou tonto e começou
a voar em círculos, até que o pedacinho de sol caiu. É por isso que os corvos
não têm penas no alto da cabeça e estão sempre voando em círculos.
— Agora não tem mais jeito —
lamentaram os animais.
— A Toupeira tentou; o Corvo
tentou, e ninguém conseguiu.
A Velha Aranha viajou toda
iluminada, parecendo o próprio sol. Até hoje a teia brilha como se guardasse a
luz do sol.
Quando afinal chegou em casa,
todos os bichos puderam ver o mundo pela primeira vez. Olharam para a Aranha,
tão pequenininha, imaginando como ela pudera fazer a viagem sozinha. Quando
viram o potinho de barro com o pedacinho de sol dentro, aprenderam a fazer
potes de argila e pôr ao sol para secar.
Mas a Velha Aranha também
sofreu com o sol. Por isso é que até hoje ela tece a teia nas primeiras horas
da manhã, antes de o sol esquentar.
BENNET, William J. O livro das
virtudes II: o compasso moral. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 354-356
Faraco, Carlos Emílio Língua portuguesa : linguagem e
interação / Faraco, Moura, Maruxo Jr. -- 3. ed. -- São Paulo : Ática, 2016.p.45-48.
Entendendo o texto
01. Em narrativas de lendas, é
comum a presença de animais que falam e agem como seres humanos, assim como a
ocorrência de ações “mágicas” ou extraordinárias.
·
Formule uma hipótese que procure explicar essa
característica das narrativas legendárias.
Resposta pessoal.
02. Nas lendas é também
frequente haver explicações para fenômenos da natureza, como a chuva, o vento,
a sucessão dos dias e noites, as estações do ano.
a) Quais fenômenos naturais
são explicados por essa lenda indígena norte-americana?
A existência do dia
e da noite e certas características físicas e comportamentais dos animais que
são personagens da lenda.
b) Desses fenômenos, qual
seria o principal no contexto da lenda?
A existência do dia
e da noite.
c) Em sua opinião, por que
histórias lendárias procuram explicar fenômenos naturais?
Resposta pessoal.
Sugestão: Nas mais
diversas culturas humanas, a explicação dos fenômenos naturais sempre foi
motivo de inquietação. Quando o desenvolvimento científico não permitia ainda a
formulação de leis e explicações científicas baseadas na observação e no
levantamento de hipóteses, as histórias de mitos e lendas ajudavam — e ainda
ajudam — a construir relações, mágicas, extraordinárias, capazes de justificar
a existência dos fenômenos.
03. Nas lendas e histórias de
tradição oral dos povos indígenas do Brasil, muitas vezes há personagens
representadas por animais.
a) Das lendas indígenas
brasileiras que você conhece, quais são os animais que aparecem com mais
frequência?
Resposta pessoal.
Sugestão: Nas lendas
brasileiras, os animais frequentes são aqueles que constituem a fauna do
Brasil: macacos de diversas espécies, jacarés, cobras, tartarugas e outros
répteis, sapos e rãs, aves típicas (o papagaio, a maritaca, o joão-de-barro,
etc.), a onça-pintada e outros felinos das florestas e dos cerrados.
b) Por que a toupeira não
aparece nas lendas indígenas brasileiras?
Porque a toupeira não faz parte da fauna
brasileira.
04.Indique o sentido da
expressão a gente, que ocorre em vários trechos do texto. A quem essa expressão
se refere?
A expressão
refere-se à coletividade dos leitores e equivale à primeira pessoa do plural.
05. Os nomes dos animais, como
Coruja, Toupeira, Corvo, Aranha aparecem grafados no texto com inicial
maiúscula. O que justificaria esse emprego das maiúsculas no texto?
A inicial maiúscula
transforma o substantivo em nome próprio, o que personaliza os animais. Na lenda,
cada animal representa um valor humano.
06.Prosopopeia ou
personificação é o nome da figura de linguagem por meio da qual se atribuem
características humanas a seres não humanos. Explique.
Nas lendas, a
ocorrência de prosopopeia está ligada ao universo mágico, ao mundo
extraordinário, e permite que valores humanos sejam apresentados de forma
coletiva e alegórica.