Crônica: Sorrisos Comerciais
Walcyr Carrasco
ANTES; QUANDO CONVIDADO para uma festa, perguntava qual era a comemoração. Hoje verifico que produto será lançado. São cada vez mais raras as reuniões sociais sem interesse definido. As pessoas perderam o prazer de se reunir para bater papo simplesmente. Isso em todos os níveis sociais. Conheço várias donas-de-casa que sempre se encontravam para tomar café com leite, comer bolo e destrinchar a vida alheia. Na semana passada minha tia foi convidada para passar a tarde na casa de uma vizinha.
— Que bom, faz tanto tempo que não batemos
papo! — suspirou.
— Bem... Se der, a gente conversa um pouquinho
— reagiu a vizinha. -— Mas a reunião é para você aprender a reprogramar sua
vida vendendo cosméticos.
— Gosto de minha vida, e já me aposentei!
— Engano seu. Venha à reunião! Vai perceber
como é infeliz!
As festas de sociedade no passado eram
ofuscantes. Após cada uma, as pessoas esquadrinhavam as colunas para analisar o
vestido dessa, o penteado daquela. Damas eram veneradas como estrelas de
cinema. Tornaram-se garotas propaganda. Coquetel com gente badalada é para
lançar carro, xampu, aparelho contra celulite. As pessoas se arrumam, se
perfumam, e vão fazer caras e bocas de copo na mão, diante dos fotógrafos.
Tanto que certas figurinhas carimbadas, como o Chiquinho Scarpa, estão cobrando
cachê para comparecer. Como a festa perdeu a grandiosidade, os convidados se
comportam à altura. Ficam disputando salgadinhos, e no final todos se estapeiam
para não sair sem o brinde. Pior é quando o convite implica o uso de uma
camiseta e o evento elegante vira um festival de barrigas e pneus acentuados
pelo modelito.
Surgiu até uma nova profissão: promoter. E o
especialista em transformar a festa em sucesso. Agita os convidados, organiza o
bufê e permanece na porta com um sorriso atarraxado. Há casos de promoters que
sofrem deslocamento do maxilar de tanto reverenciar os convidados. Alguns são
bem sérios, com escritórios montados etc. Exceções. Ser promoter é coqueluche.
A profissão implicaria conhecimento das regras de etiqueta, por exemplo. Há uma
profissional na cidade que é o próprio papagaio de pirata. Basta chegar um
famoso e ela se pendura para tirar fotografias. Adora vestir jeans justíssimos
e collants. Talvez seja a única promoter mundial no gênero farofeira. Outro faz
o gênero cambalacheiro. Há dois meses armou um grupo vip para ir ao Moinho
Santo Antônio. Todos deixaram seus carros para chegar de micro ônibus, com
ar-condicionado. Os vips desceram, chiquérrimos, e receberam uma carteia cada
um. Na hora de sair, a conta -— cerveja por cerveja. Uma socialite gemeu:
— Mas eu sou vip. Sou convidada do... Onde é
que ele foi?
Desapareceu. Tal como a promoter que exigiu a
presença de um executivo assanhado na festa do Mercado Mix.
— Venha com três amigos. Vou deixar seu nome na
porta, como vip. Quando ele chegou, nem
nome nem promoter. Morreu com a entrada dele e dos amigos. Trata-se de uma
estratégia: seduzir pagantes dizendo que são vips. Pobres vips, que fim!
Mesmo inocentes festas de aniversário passaram
a ser eventos promocionais, porque em certas profissões, como estilistas de
moda, aparecer dá lucro. Resultado: os promoters contratam pessoas para
comparecer e evitar o salão vazio. Pagam pouco, mas é divertido. Que o digam os
modelos jovens chamados em todas as ocasiões sociais só para ficar circulando.
Os promoters ganham, a boate fica animadíssima, o dono se sente prestigiado.
Pergunto: cadê a festa? Passo a noite toda comemorando e, no dia seguinte,
descubro que estava promovendo desodorante. Que graça tem?
Decidi me vingar quando fizer aniversário.
Quero bolo com velinhas, bexigas no teto, língua-de-sogra e chapeuzinho
colorido para os convidados. Vou chamar amigos velhos, até os chatos. Não será
nenhum grande evento badalado.
Pode até parecer coisa tonta. Mas vou dar boas risadas, e isso é que era bom nas festas de antigamente!
Entendendo o texto
01. Antes, quando o autor era convidado para uma festa,
qual era sua principal preocupação?
a) O tipo de música
que seria tocado.
b) A qualidade da
comida e bebida.
c) O
motivo da comemoração.
d) A lista de
convidados.
02. Segundo o autor, o que tem se tornado
cada vez mais raro nas reuniões sociais?
a)
Presença de celebridades.
b) Festas com bufê requintado.
c) Encontros sem interesse definido.
d) Uso de trajes elegantes.
03. O que aconteceu na festa da vizinha da
tia do autor?
a) Uma festa badalada com celebridades.
b) Uma reunião
para vender cosméticos.
c) Uma festa de aniversário surpresa.
d) Uma comemoração de casamento.
04. Como as festas de sociedade no passado
eram descritas pelo autor?
a) Ofuscantes e grandiosas.
b) Simples e modestas.
c) Desinteressantes e chatas.
d) Informais e descontraídas.
05. O
que se tornou uma nova profissão mencionada pelo autor?
a) Estilista.
b) Socialite.
c) Promoter.
d) Fotógrafo.
06. Qual é a função do promoter mencionado na
crônica?
a) Organizar festas de aniversário.
b) Transformar festas em eventos de sucesso.
c) Contratar modelos para desfiles.
d) Preparar bufês requintados.
07. O que alguns promoters fazem para
garantir que a festa seja animada?
a) Contratam bandas famosas.
b) Pagam para pessoas comparecerem.
c) Oferecem brindes caros.
d) Transformam a festa em eventos
promocionais.
08. Como alguns promoters seduzem pagantes,
segundo o autor?
a) Dando descontos nos ingressos.
b) Oferecendo brindes exclusivos.
c) Dizendo que são vips.
d) Promovendo eventos secretos.
09. Por que as festas de aniversário, mesmo
inocentes, se tornaram eventos promocionais?
a) Para atrair modelos famosos.
b) Porque aparecer nessas festas dá
lucro.
c) Para homenagear estilistas de moda.
d) Porque os promoters gostam de
comemorar.
10. Qual é a decisão do autor em relação à sua
festa de aniversário no final da crônica?
a) Contratar um promoter famoso.
b) Promover um evento badalado.
c) Fazer uma festa simples com amigos.
d) Não comemorar o aniversário.
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