Relato pessoal: Inventando moda
Ana Paula Xongani
Meu nome é Ana Paula Mendonça Costa
Pedro Ferro, mas o nome que eu uso é Ana Paula Xongani. Toda a minha família é
negra. Das vezes que eu fui pra Moçambique, as pessoas perguntavam se eu era
angolana. Eu me reconheço nas características das angolanas, mas não tenho
certeza. Meu pai e minha mãe moravam na zona Leste de São Paulo, e eles se
conheceram no ônibus. Minha mãe sempre pegava o mesmo ônibus pra ir pra escola e
um primo do meu pai pegava o mesmo ônibus. Ele se encantou com a minha mãe e
comentou com o meu pai. Meu pai quis ver de perto e eles se apaixonaram.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj01waVODbRcHcBg3N28PIthimwYCrUDZqLWT1BkjJCUlWXQ-65Z6wYEOMAbiDBYtDMn5MFDR8-NHJqNdWEdUf15rkGJc64zm3K19W-XMIjpesiZWIX0L-F-4SAyPh8j1gQ6gMZDTWVaMhCBLq_FcTZy06JKWvlaaniHBF9k32aykThfPFo0RlciA7Xfr0/s320/casal.png
[...]
Eu fui muito cuidada por toda a minha
família, minha mãe, meu pai e meu irmão. Lembro muito das brincadeiras que o
meu irmão fazia comigo, ele interpretava vários personagens. Lembro também de
brincar muito com os meus amigos do prédio. Tinha algumas famílias negras no
nosso condomínio e os pais criaram um elo, onde todo mundo era padrinho e
madrinha de alguém. Então as crianças cresceram juntas, como primos. Nessa época,
minha mãe começou o processo de militância negra, e lembro que meus amigos eram
filhos de militantes. E eu ia com ela nos encontros e ficava bagunçando com os
meus amigos. E era um lugar onde eu me fortalecia enquanto menina negra, era um
lugar onde eu era bonita, todos eram iguais.
[...]
Minha escola foi bem difícil, passei
por muitas experiências de racismo, e eu também era disléxica, tinha muita
dificuldade de aprendizado. Foi um momento difícil de isolamento, eu era a
única menina negra da classe, não podia falar o que eu queria, ser o que eu
queria. Mas fora da escola eu me sentia bem, participava de um coral
infantojuvenil de música afro-brasileiras, fazia artes plásticas, dança,
teatro, jazz, natação, participava dos projetos sociais junto com a minha mãe.
Era legal porque a minha família era muito unida, aonde um ia, todo mundo ia.
Eu fiz faculdade [...], e lá eu sofri o
pior racismo da minha vida. Eu era invisível, os professores nem liam meus
trabalhos, me davam respostas rasas pra tudo que eu perguntava. [...]
Nenhum professor quis me orientar, mas
meu companheiro e nossos amigos fizemos tudo juntos, eles me orientaram, me
ajudaram com a organização, com a apresentação. No dia da apresentação, eu fui
preparada. Não teve como eu ser invisível ali, todo mundo tinha que assistir.
No fim da minha apresentação, eu fiz um discurso enorme contando tudo o que eu
passei, chorei tanto que lavei minha alma, dei nome para todos os bois. [...]
Depois disso eu casei e fui pra
Moçambique, e lá pude me conectar com muitas coisas, resgatar minha
ancestralidade. Lá eu descobri que eu podia ter dread, uma referência que eu
não tinha em lugar nenhum. Lá também eu descobri os tecidos africanos, e a
partir daí tudo mudou. Levei vários tecidos de lá pra São Paulo, e eu e minha
mãe começamos a fazer roupas com eles. Assim nasceu [...] a nossa marca de
produtos para as mulheres pretas, pensando no corpo delas, coisa que marca
nenhuma fazia. Eu mesma tive que parar de fazer natação na minha infância
porque não existia uma touca em que coubesse o meu cabelo. Eu e minha mãe
paramos de andar de moto porque não tem um capacete em que caibam os nossos
cabelos. Então quando a gente começou a perceber que a gente podia cuidar desse
corpo, dessa mulher negra, e que a moda podia comunicar e consolidar essa luta
do negro no Brasil, a gente teve certeza de que era isso que tínhamos que
fazer, e fazemos até hoje.
Ana Paula Xangani. Em:
Museu da Pessoa. Disponível em: https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/historia/inventando-moda-120966/colecao/115736.
Publicado em: 27 dez. 2016. Acesso em: 17 maio 2021. Fragmento.
Fonte: Coleção Desafio
Língua Portuguesa – 5° ano – Anos Iniciais do Ensino Fundamental – Roberta
Vaiano – 1ª edição – São Paulo, 2021 – Moderna – p. MP148-152.
Entendendo o relato pessoal:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Moçambique: país localizado no Sudeste da África.
·
Angolana: pessoa nascida em Angola, país no Sul da África.
·
Militância negra: atividade de quem é militante, pessoa que atua em defesa de
uma causa; no caso, a luta contra o racismo em suas diversas formas.
·
Disléxica: pessoa que sofre de um distúrbio de aprendizagem
caracterizado pela dificuldade de leitura.
·
Ancestralidade: características e história que vêm dos antepassados.
·
Dread: penteado na forma de mechas emaranhadas.
02 – Quem é o autor do relato?
Ana Paula
Mendonça Costa Pedro Ferro.
a)
Qual é o nome que ela usa?
Ana Paula Xongani.
b)
Na língua changana, falada em Moçambique, o
nome Xongani tem um significado similar a “se enfeitem”, “fiquem bonitas(os)”.
Na sua opinião, por que a autora do texto usa Xongani como sobrenome?
Ao usar esse nome junto ao seu, a autora do texto demonstra o afeto
que tem por sua própria identidade e por Moçambique.
03 – Logo no primeiro
parágrafo, a autora menciona características da família e dela também. Que
características são essas?
Ela menciona que
toda a sua família é negra e que ela tem traços de pessoas angolanas.
04 – Escolha a alternativa que
explica por que ela apresentou essas características logo no início do relato.
( ) Ela não tinha qualquer intenção especial ao
apresentar essas características.
(X)
Para ela, ser negra e reconhecer que sua história está ligada à história de
seus ascendentes africanos é importante por ter uma influência marcante em sua
vida.
( ) Ela apresentou essas características logo
no início por considerar que eram menos importantes do que o resto de sua
história.
05 – No segundo parágrafo, ela
afirma:
“E era um lugar onde eu me
fortalecia enquanto menina negra, era um lugar onde eu era bonita, todos eram
iguais”.
·
Por que ela se sentia dessa forma nos encontros
de militância de que participava com a mãe? Escolha a alternativa correta.
(X)
Como esses encontros tratavam do combate ao preconceito, era natural que ela se
sentisse valorizada e em um ambiente de harmonia.
( ) Porque ela podia brincar com os amigos.
( ) Porque ela também tinha o desejo de ser
militante.
06 – No terceiro parágrafo,
Ana Paula conta como se sentia na escola. Releia a frase a seguir.
“Foi um momento difícil de
isolamento, eu era a única menina negra da classe, não podia falar o que eu
queria, ser o que eu queria”.
a)
Por que ela se sentia dessa forma?
Porque sofria muitas experiências de racismo e por ter dificuldades
de aprendizagem.
b)
E fora da escola, como ela se sentia? Por quê?
Ela se sentia bem, acolhida pela família e pela comunidade em que
vivia, e realizava muitas atividades.
c)
E você, como se sente dentro e fora da escola?
Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
07 – Ana Paula afirma que
sofreu racismo na faculdade. Releia:
“Eu era invisível, os professores
nem liam meus trabalhos, me davam respostas rasas pra tudo que eu perguntava”.
a)
Como você entende a afirmação “Eu era
invisível”?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Ela era ignorada pelos
professores.
b)
Você já se sentiu invisível em alguma situação?
Se sim, o que aconteceu?
Resposta pessoal do aluno.
08 – Ao viajar para
Moçambique, Ana Paula fez descobertas. Assinale a alternativa correta.
(X)
Em Moçambique, Ana Paula aprendeu a valorizar a cultura de seus ancestrais
africanos e hábitos atuais, como usar dread, que no Brasil podiam ser
considerados incomuns.
( ) Em Moçambique, Ana Paula resgatou
ancestrais e aprendeu a usar dread e tecidos africanos.
09 – Ana Paula trouxe tecidos
africanos para São Paulo. O que ela e a mãe fizeram com esses tecidos?
Criaram uma
marca de roupas adequadas ao corpo das mulheres negras.
·
Ana Paula afirma que nenhuma marca fazia o que
ela e sua mãe se dispuseram a fazer. Qual seria a causa disso?
Provavelmente, era por causa do preconceito e do racismo.
10 – Releia o trecho a seguir:
“[...] No fim da minha apresentação, eu
fiz um discurso enorme contando tudo o que eu passei, chorei tanto que lavei
minha alma, dei nome para todos os bois. [...]”.
a)
Os trechos destacados devem ser entendidos em
sentido literal ou figurado? Explique sua resposta com base no boxe abaixo.
·
Sentido literal:
sentido próprio das palavras, registrado em dicionário.
·
Sentido figurado: novo
sentido que as palavras ganham em um contexto.
Os trechos em destaque devem ser entendidos em sentido figurado,
pois Ana Paula não lavou a própria alma ou nomeou bois.
b)
Reescreva o trecho citado, substituindo as
partes em destaque por outras equivalentes.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: No fim [...] chorei tanto que
desabafei, indiquei/nomeei cada pessoa responsável pelo racismo que sofri.