CONTO: JARDIM MORTO
Frederico Garcia Lorca
Cai chuvosa a manhã sobre o jardim... No final duma ladeira lamosa e junto de
uma cruz, verde e negra de umidade, está a porta de madeira carcomida que dá
entrada ao recinto abandonado. Mais além há uma ponte de pedra cinzenta e na
distância brumosa uma montanha nevada. No fundo do vale e entre penhas corre o
rio manso cantarolando sua velha canção.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_jyQUH-tc_WsB-VKGG1ryYxgz6WxBZbrVOhkjWwMfeCNPnUrUPeWxpgiYD3CZf2y_5WCwIV3_7MZTUEDIzY96Fv8yrWvllYG4lhXNePm13lgD3RhazvmC0QNbc2wKxRNQf7pux-EqhBENoI_pXkpSyjo2Aa2h9zuCdXxbC3-aAtZ0gegmaVt4wI1F5AA/s320/Jardim%20Sem%20Vida.jpg
Em um nicho negro que há junto da porta, dois velhos com capas rasgadas
aquecem-se ao lume de uns tições mal acesos... O interior do recinto é
angustioso e desolado. A chuva acentua mais esta impressão. Escorrega-se com
facilidade. No chão, há grandes troncos mortos... Os muros, altos e amarelos,
estão cruzados de gretas enormes, pelas quais saem as lagartixas, que passeiam
formando com seus corpos arabescos indecifráveis. No fundo há um resto de
claustro com heras e flores secas com as colunas inclinadas. Nas fendas das
pedras desmoronadas há flores amarelas cheias de gotas de chuva; nos chãos há
charcos de umidade entre as ervas...
Não restam mais do que as altas paredes onde houve claustros soberbos que viram
procissões com custódias de ouro entre a magnifica seriedade dos tapetes...
Uma coluna ruiu sobre a fonte, e ao celebrar suas bodas de pedra o musgo
amoroso cobriu-as com seus finos mantos. Pelos vazios de um capitel jacente
assomam ervas miúdas de verde luminoso.
Abrem-se as plantas umas com outras, a hera cobre as velhas colunas que ainda
se têm de pé, a água que transborda da fonte lambe o solo de pedra que há em
seu redor e depois se entrega à terra, que a bebe com repugnância... A restante
se perde por um buraco negro, que a bebe com avidez.
(...)
A chuva aumenta e cai sobre o jardim produzindo ruído surdo e apagado... Umas
folhas grandes estremecem suavemente e entre elas assoma com sua cabeça
achatada um grande lagarto... que sai correndo a esconder-se entre umas pedras.
Deixa a cauda de fora e depois se introduz de todo... As ervas que o peso do
lagarto inclinou voltam preguiçosamente a ocupar sua primitiva posição... Com o
vento, todas as flores amarelas tremem e se sacodem da água que têm entre suas
pétalas... Há caramujos pregados aos muros... O tempo foi desapiedado para com
este jardim: Secou seus rosais e cinamomos e, em troca, deu vida a plantas
traidoras e mal olentes...
Não para a chuva de cair.
Garcia
Lorca, Frederico. Prosa viva/Ideário coligido.
Trad. Oscar Mendes. Rio de Janeiro. J.
Aguilar. 1975. p. 18-9.
Entendendo
o texto:
01 – “Cai
chuvosa a manhã sobre o jardim...” (primeiro parágrafo) e “Não para a chuva de
cair” (último parágrafo). De que forma essas duas frases colaboram para criar a
impressão dominante que o texto nos transmite?
Abrindo e
fechando o texto, essas frases instauram e sintetizam o clima de melancolia e
degradação criado pelo texto. A palavra mais apropriada para condensar o estado
de espírito desenvolvido no texto é deliquescente.
02 –
Releia atentamente o texto e elabore um esquema que mostre a sequência seguida
pelo autor para apresentar o jardim morto.
1º
parágrafo: visão geral, situando o jardim na paisagem ampla.
2º parágrafo: Passa-se pela porta e penetra-se no jardim, fornecendo-se uma
primeira impressão geral do mesmo.
Parágrafos seguintes: particularizam-se alguns detalhes do jardim, como as
ruínas dos claustros, a coluna “abraçada” com a fonte, o fluxo de água, o
lagarto entre as plantas.
03 –
Quais sentidos foram sensibilizados pela imagem do jardim?
Visão:
(por exemplo, “verde e negra”).
Audição:
(“cantarolando sua velha canção”).
Tato:
(“escorrega-se com facilidade”) e
Olfato: (“mal olentes”).
04 – Em
vários pontos do texto, o autor atribui vida e sentimento a seres inanimados,
utilizando uma figura de linguagem chamada prosopopeia ou personificação.
Aponte passagens do texto em que isso ocorre.
Por exemplo; “a água... lambe o solo de pedra...”; “a água... se entrega à
terra, que a bebe...”; “... um buraco negro, que a bebe...”; “... o rio manso
cantarolando...”; “... claustros soberbos que viram...”; “... musgo
amoroso...”, etc.
05 – Na
sua opinião, o autor faz uma descrição objetiva ou subjetiva do jardim? Ele
aponta tudo o que vê ou seleciona o que mais o sensibiliza? Há emoção da parte
de quem descreve? Comente.
A descrição é subjetiva: Além de selecionar aquilo que mais o sensibiliza, o
autor incorpora ao que vê aquilo que está sentindo (por exemplo, “O interior do
recinto é angustioso e desolado.”), num depoimento emocionado sobre a
decadência e a ruína.
06 – O
jardim descrito teve alguma relação com atividades religiosas? Por quê?
SIM. O
terceiro parágrafo é esclarecedor.
07 – Associe as colunas pelo
significado:
(1) “...distância brumosa ...”, linha 3. (2) rochas
(2) “...entre penhas...”, linha 3. (3) cavidade
(3) “Em um nicho ...”, linha 5. (6) cheirosas
(4) “...com heras e flores...”, linha 9. (1) nevoenta
(5) “...resto de claustro”, linhas 8/9. (4)
trepadeiras
(6) “...plantas mal olentes”, linha 23. (5) pátio interior.
A sequência correta, de cima
para baixo, é:
A) 3-2-6-1-4 -5
B) 2-3-6-1-4 -5
C) 2-6-3-4-1-5
D) 6-5-3-1-2-4.
08 – Não se relaciona, semanticamente, com a palavra “chuvosa”,
linha 1:
A) lamosa
B) umidade
C) brumosa
D) carcomida.
09 – Há no texto uma
predominância de elementos:
A) narrativos
B) descritivos
C) dissertativos
D) argumentativos.
10 – Encerra opinião do
autor:
A) “A chuva aumenta e cai
sobre o jardim...”, linha 18
B) “... assoma com sua
cabeça achatada um grande lagarto...”, linha 19
C) “Com o vento, todas as
flores amarelas tremem e se sacodem...”, linha 21
D) “O tempo foi
desapiedado para com este jardim...”, linha 22
11 – Em várias passagens do
texto, como “...claustros soberbos que viram procissões...” e “a água que
transborda da fonte lambe o solo...”, o autor dá vida a seres inanimados. Tal
processo é chamado de:
A) metonímia
B) metáfora
C) catacrese
D) prosopopeia.
12 – Flexionam-se no plural,
respectivamente, como “procissões” e “chãos” os substantivos:
A) folião e
cidadão
B) escrivão e faisão
C) cidadão e cristão
D) tabelião e capelão.
13 – O “SE” aparece como índice de indeterminação do sujeito na
opção:
A) “... dois velhos com
capas rasgadas aquecem-se...”, linha 5
B) “Escorrega-se
com facilidade.”, linhas 6/7
C) “Abrem-se as plantas umas
com as outras...”, linha 15
D) “A restante se perde por
um buraco negro...”, linha 17.
14 – Aponte a passagem do
texto em que o autor revela explicitamente o que pensa sobre o jardim descrito.
“O tempo foi
desapiedado para com este jardim: secou seus rosais e cinamomos e, em troca,
deu vida a plantas traidoras e mal olentes...”.