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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

ARTIGO DE OPINIÃO: NA TRASEIRA DO CAMINHÃO - DRAUZIO VARELLA - COM GABARITO

 Artigo: NA TRASEIRA DO CAMINHÃO

          Drauzio Varella

        Na minha infância era moda na minha rua chocar caminhão: pendurar-se na traseira do veículo e saltar na virada da esquina. Veja artigo do dr. Drauzio.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj6e3oDYVQRqVK0UG__yyQysviVteIl2brff5XWzRM4yDn-oDentm4VDsLu1WM8efi3_tN0TV2-ty_hXGG6ICt7LTSCQ0lIO2VPnZsC7Zs-KnqWHrOjTq-6pM_zdVmufP2ZRb2MAy2P44yrzIFUbHYt71ccaaHKRRvZkIvyZUjBZFY_uLgrDfiI2tVPOuU/s1600/TRASEIRA.jpg


        Quando eu tinha 7, 8 anos, virou moda na minha rua chocar caminhão: pendurar-se na traseira do veículo e saltar na virada da esquina. Uma vez, choquei o caminhão de lixo e quando pulei na frente de casa, meu pai, que chegava do trabalho, estava parado no portão com cara de quem não gostou da gracinha. Recebi o mais detestável dos castigos: domingo inteiro de pijama na cama.

        Cabeça-dura, repeti a façanha outras vezes, até que decidi chocar a caminhonete do seu Germano, o alemão da fábrica em frente, só para me exibir para os meninos, que morriam de medo dele. Sentei na calçada ao lado da caminhonete. Dois operários puseram umas caixas na carroceria. Seu Germano, saindo para o almoço, deu a partida. Eu pendurado atrás. Infelizmente, na esquina, em vez de diminuir a velocidade ele acelerou, e me faltou coragem para pular.

        Fomos na direção do largo Santo Antônio, cada vez mais depressa, eu com os ossos batendo na lataria, morto de medo de cair. Ao chegar no largo, duas senhoras me viram naquela velocidade e gritaram para parar. Seu Germano nem ouviu. Com os braços cansados, fiz um esforço para saltar para dentro da carroceria, mas a caminhonete pulava feito cavalo bravo nos paralelepípedos da rua e eu não consegui. Tentei de novo e não deu. Mais uma vez, pior ainda. Então, fiquei apavorado. Achei que ia morrer e que meu pai ia ficar muito triste, porque ele sempre dizia: “Deus me livre, perder um de vocês”.

        Talvez o medo da morte tenha me dado força na quarta tentativa: esfolei a canela inteira, mas consegui passar a perna e impulsionar o corpo para dentro. Caí no meio das caixas, com o coração disparado, e chorei. Quando a caminhonete parou na porta do seu Germano, achei melhor ficar quietinho entre as caixas, até ele voltar para a fábrica depois do almoço. Também não deu certo: ele resolveu descarregar a caminhonete e me encontrou escondido. Tomou um susto tão grande que até pulou para trás:

        — Menino dos infernos! Como veio parar aqui?

        No caminho, ele me deu conselhos e me contou do pai. Achei que os castigos do pai dele eram muito piores. O meu nunca tinha me trancado no guarda-roupa a noite inteira.

        Expliquei que só queria chocar até a esquina, mas a velocidade tinha sido tanta… Ele ficou enfezado e disse que ia contar para o meu pai. Pedi para não fazer isso porque eu ia apanhar, mas ele não se importou, falou que era merecido até. Mostrei as pernas esfoladas, ele não se comoveu. Por fim, contei dos domingos de castigo na cama. Nesse momento, brilhou um instante de compaixão no olhar dele:

        — Seu pai deixa você de pijama, deitado o domingo inteiro?

        — Só quando eu desobedeço muito.

        — Está louco! Teu pai é severo como o meu, na Alemanha. Entre na caminhonete que eu te levo de volta.

        No caminho, ele me deu conselhos e me contou do pai. Achei que os castigos do pai dele eram muito piores. O meu nunca tinha me trancado no guarda-roupa a noite inteira. Seu Germano concordou em manter segredo, desde que eu prometesse nunca mais chocar veículo nenhum. Desde então, apesar do jeito bravo, ele ficou meu amigo. Quando me encontrava, às vezes dizia:

        — Não vá esquecer: menino que cumpre a palavra merece respeito.

Drauzio Varella. 16 de maio de 2011. Revisado em 6 de março de 2018.

Entendendo o artigo:

01 – O que o autor fazia na sua infância que era moda na sua rua?

      Na sua infância, o autor costumava pendurar-se na traseira de caminhões e saltar na virada da esquina.

02 – Qual foi a reação do pai do autor quando ele chocou o caminhão de lixo?

      O pai do autor não gostou da gracinha e o castigou com um domingo inteiro de pijama na cama.

03 – Por que o autor decidiu chocar a caminhonete de seu Germano?

      O autor decidiu chocar a caminhonete de seu Germano para se exibir para os meninos que tinham medo dele.

04 – O que aconteceu quando o autor tentou pular da caminhonete do seu Germano na esquina?

      Na tentativa de pular da caminhonete do seu Germano na esquina, o autor não conseguiu devido à velocidade do veículo e ao medo de cair.

05 – Por que o autor ficou apavorado durante essa experiência?

      O autor ficou apavorado porque pensou que poderia morrer e que seu pai ficaria triste, já que costumava dizer: "Deus me livre, perder um de vocês".

06 – Qual foi a reação de seu Germano ao encontrar o autor na caminhonete?

      Seu Germano ficou surpreso e chocado ao encontrar o autor na caminhonete e afirmou: "Menino dos infernos! Como veio parar aqui?"

07 – Como a relação entre o autor e seu Germano mudou após esse incidente?

      Apesar do susto inicial, seu Germano concordou em manter segredo e se tornou amigo do autor, aconselhando-o a cumprir sua palavra e a não chocar mais veículos.

 

 

domingo, 26 de junho de 2022

ARTIGO DE OPINIÃO: VIOLÊNCIA NA TV E COMPORTAMENTO AGRESSIVO - DRAUZIO VARELLA - COM GABARITO

 Artigo de opinião: VIOLÊNCIA NA TV E COMPORTAMENTO AGRESSIVO

                  Drauzio Varella

        Nunca se assistiu a tanta violência na televisão como nos dias atuais. Dada a enormidade de tempo que crianças e adolescentes das várias classes sociais passam diante da TV, é lógico o interesse pelas consequências dessa exposição. Até que ponto a banalização de atos violentos, exibidos nas salas de visita pelo País afora, diariamente, dos desenhos animados aos programas de “mundo-cão”, contribui para a escalada da violência urbana?

        Essa questão é mais antiga do que se imagina. Surgiu no final dos anos 1940, assim que a televisão entrou nas casas de família. Nos Estados Unidos, país com o maior número de aparelhos por habitante, a autoridade máxima de saúde pública do país (Surgeon General) já afirmava em comunicado à nação, no ano de 1972: “A violência na televisão realmente tem efeitos adversos em certos membros de nossa sociedade”.

        Desde então, a literatura médica já publicou sobre o tema 160 estudos de campo que envolveram 44.292 participantes, e 124 estudos laboratoriais com 7.305 participantes. Absolutamente todos demonstraram a existência de relações claras entre a exposição de crianças à violência exibida pela mídia e o desenvolvimento de comportamento agressivo.

        Ao lado deles, em 2001, foi publicado um estudo interessantíssimo numa das mais importantes revistas de psicologia, que evidenciou efeitos semelhantes em crianças expostas a videogames de conteúdo violento. Em fevereiro de 2002, Jeffrey Johnson e colaboradores da Universidade de Columbia publicaram na revista Science os resultados de uma pesquisa abrangente que estende as mesmas conclusões para adolescentes e adultos jovens expostos diariamente às cenas de violência na TV.

        A partir de 1975, os pesquisadores passaram a acompanhar um grupo de 707 famílias, com filhos entre um e dez anos de idade. No início do estudo, as crianças tinham em média 5,8 anos e foram seguidas até 2000, quando atingiram a média de 30 anos.

        Nesse intervalo de tempo, periodicamente, todos os participantes e seus pais eram entrevistados para saber quanto tempo passavam na frente da televisão. Além disso, respondiam a perguntas para avaliar a renda familiar, a possível existência de desinteresse paterno pela sorte dos filhos, os níveis de violência na comunidade em que viviam, a escolaridade dos pais e a presença de transtornos psiquiátricos nas crianças, fatores de risco sabidamente associados ao comportamento agressivo.

        A prática de atos agressivos pelos jovens foi avaliada por meio de sucessivas aplicações de um questionário especializado e de consulta aos arquivos policiais. Depois de cuidadoso tratamento estatístico, os autores verificaram que, independentemente dos fatores de risco citados acima, o número de horas que um adolescente com idade média de 14 anos fica diante da televisão, por si só, está significativamente associado à prática de assaltos e à participação em brigas com vítimas e em crimes de morte mais tarde, quando atinge a faixa etária dos 16 aos 22 anos. Essa conclusão vale para homens ou mulheres, mas não vale para os crimes contra a propriedade, como furtos e vandalismo, que aparentemente parecem não guardar relação com a violência presenciada na TV.

        Conclusões idênticas foram tiradas analisando-se o número de horas que um jovem de idade média igual a 22 anos (homem ou mulher) dedica a assistir à televisão: quanto maior o número de horas diárias, mais frequente a prática de crimes violentos. Entre adolescentes e adultos jovens expostos à TV por mais de três horas por dia, a probabilidade de praticar atos violentos contra terceiros aumentou cinco vezes em relação aos que assistiam durante menos de uma hora.

        O estudo do grupo de Nova York é importante não só pela abrangência (707 famílias acompanhadas de 1975 a 2000) ou pela metodologia criteriosa, mas por ser o primeiro a contradizer de forma veemente que a exposição à violência da mídia afeta apenas crianças pequenas. Demonstra que ela exerce efeito deletério sobre o comportamento de um universo de pessoas muito maior do que aquele que imaginávamos.

        Apesar do consenso existente entre os especialistas de que há muito está caracterizada a relação de causa e efeito entre a violência exibida pelos meios de comunicação de massa e a futura prática de atos violentos pelos espectadores, o tema costuma ser abordado com superficialidade irresponsável pela mídia, como se essa associação ainda não estivesse claramente estabelecida.

        Em longo comentário ao artigo citado, na revista Science, Craig Anderson, da Universidade de Iowa, responsabiliza a imprensa por apresentar até hoje como controverso um debate que deveria ter sido encerrado anos atrás. Segundo o especialista, esse comportamento é comparável ao mantido por décadas diante da discussão sobre as relações entre o cigarro e o câncer de pulmão, quando a comunidade científica estava cansada de saber e de alertar a população para isso.

        Seis das mais respeitadas associações médicas americanas (entre as quais as de pediatria, psiquiatria, psicologia e a influente American Medical Association) publicaram, em 2001, um relatório com a seguinte conclusão sobre o assunto: “Os dados apontam de forma impressionante para uma conexão causal entre a violência na mídia e o comportamento agressivo de certas crianças”.

        As associações médicas e a imprensa brasileira dariam importante contribuição ao combate à violência urbana se trouxessem esse tema a debate.

Drauzio Varella. In: Folha de S. Paulo, 4 maio 2002. p. E – 10. Folha ilustrada.

Fonte: Português em outras palavras – 8ª série – Maria Sílvia Gonçalves – ed. Scipione – São Paulo, 2002. 4ª edição. p. 174-5.

Entendendo o artigo de opinião:

01 – Como você percebeu, esse texto jornalístico tem estrutura dissertativa. Em três parágrafos, reescreva as ideias principais de cada parte do texto em questão: faça um resumo da introdução, explique como o autor desenvolve o texto e a que conclusão ele chega.

      Introdução: o autor expõe claramente o que vai falar. A violência, mais do que nunca, invade os lares pela tela da tevê, vista principalmente por crianças por um longo período diário. Até que ponto a banalização da violência pode ter efeitos negativos sobre a sociedade.

      Desenvolvimento: cita dados numéricos de pesquisas realizadas sobre o assunto. Muitos estudos já provaram que existe uma relação direta entre a violência virtual e o desenvolvimento do comportamento agressivo nas crianças. A publicação em 2002 de um estudo recente, realizado a partir de 1975, num grupo de 707 famílias, com filhos entre um e dez anos (que, ao final do estudo, atingiram a média de 30 anos), vem comprovar essa relação, estendendo-a aos jovens. Excetuando-se crime contra a propriedade, tanto para adolescente como para jovens adultos, a pesquisa, a partir de criteriosa metodologia, comprovou que, quanto maior o número de horas diante da tevê, maior a ocorrência, na vida dessas pessoas, de brigas com vítima e crimes de morte.

      Conclusão: critica imprensa e associações médicas do consenso sobre a existência da conexão causal entre a violência na mídia e o comportamento agressivo das pessoas, a imprensa apresenta o assunto como controverso, omite-se ou não dá a ele o devido destaque.

02 – Que estratégia o autor usou para conseguir provar o que queria?

      O autor usa dados numéricos irrefutáveis, descrevendo pesquisa realizada por estudiosos da universidade de Colúmbia, por mais de vinte anos.

03 – O autor afirma que, mesmo havendo consenso sobre os efeitos negativos da programação violenta da tevê sobre os jovens, o “tema costuma ser abordado com superficialidade irresponsável pela mídia, como se essa associação ainda não estivesse claramente estabelecida”. A que poderia ser atribuída essa omissão?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Considerar os interesses que estão em jogo: das empresas anunciantes e das empresas jornalísticas que muitas vezes mantêm canais de televisão, sem contar os interesses inconfessáveis de alguns que se beneficiam com a manutenção dessa situação.

04 – De acordo com o texto de Varella, as cenas de programas de tevê citadas no texto anterior seriam prejudiciais ao telespectador? Por quê?

      Sim. Segundo ele, a sequência de cenas apresentadas interferiria no comportamento da personagem.

sábado, 7 de novembro de 2020

CRÔNICA: O SOBREVIVENTE - DRÁUZIO VARELLA - COM GABARITO

 Crônica: O sobrevivente

            Dráuzio Varella

        Com uma caixa de engraxate pintada de amarelo pendurada no ombro, o rapaz cruzou a rua em minha direção:

        ─ Não sei se o senhor lembra de mim, mas quando estive lá me chamavam de Neguinho de Guaianases, para diferenciar do finado Negão de Pirituba que era alto e forte.

         Para ser sincero, não lembrava dele nem do finado, mas se dizia que estivera lá, pelo menos ficava claro de onde nos conhecíamos. Todo ex-presidiário que encontro pela rua se refere à extinta Casa de Detenção dessa forma, como se trouxesse mau agouro pronunciar o nome do presídio.

         ─ Quanto tempo você cumpriu lá?

        ─ Seis anos.

        ─ Não voltou mais para a cadeia?

       ─ Deus me livre, agora sou trabalhador.

      ─ E dá para viver engraxando sapato?

      Explicou que, saindo de casa às sete da manhã e voltando às nove da noite, conseguia tirar R$ 40 a R$ 50 por dia, quantia suficiente para pagar os R$ 150 do aluguel de um cômodo no Bexiga e as demais despesas fixas.

       E ainda sobrava para visitar os irmãos em Itaquaquecetuba aos domingos, para um baile em Pinheiros de vez em quando e para pagar o hotelzinho na saída, nas noites em que os céus ouviam suas preces.

       Com a caixa amarela nas costas, percorria dez a quinze quilômetros por dia no encalço da clientela:

      ─ Procuro passar em lugar que tem homem parado: ponto de táxi, porta de bar, restaurante com fila de espera, praça com aglomeração de aposentado. Cobro de acordo com a aparência do cidadão: R$ 2 se aparentar ser trabalhador; R$ 5 se tiver cara de rico.

       Neguinho foi aluno comportado até os treze anos, quando o primo que mais admirava o convidou para distribuir panfleto no Largo da Concórdia. Nessa fase, pegou o gosto por dinheiro, por roupas da hora e conheceu a maconha. Para desgosto do pai, pedreiro em Guaianases, parou de estudar.

       Um dia, o primo decidiu mudar de ramo:

       ─ Disse que não se conformava com aquela mixaria; tinha nascido para uma vida melhor. Levantou a camisa e exibiu o revólver no cinto. "Vem comigo, é apontar a arma e pegar o dinheiro."

       Neguinho não tinha coragem; dois de seus amigos de infância haviam acabado de morrer num tiroteio na Vila. Mas, o mais velho insistiu:

       ─ Eu enquadro as vítimas e você recolhe o dinheiro e os objetos de valor. É só ficar de cabisbaixo para ninguém te reconhecer mais tarde. Não requer prática nem tampouco habilidade.

       Na primeira vez, quando assaltaram uma loja do bairro, tudo se passou como o primo previra. Na partilha, coube R$ 300 para cada um:

       ─ Nunca tinha visto tanto dinheiro junto. Deu gosto no bolso. Comprei blusa para minha mãe, camiseta para o pai, dei dinheiro para os irmãos e saí com o primo para gastar na cidade.

        Aos 17 anos foi parar na Febem. Saiu com 18, mais esperto e com novas amizades.

       Juntou-se ao inseparável primo e formaram uma quadrilha.

       Meses mais tarde, o primo foi morto por justiceiros a serviço dos comerciantes da Vila.

       Uma noite, Neguinho e dois comparsas assaltaram um posto de gasolina e fugiram num carro roubado. Cinco minutos mais tarde foram cercados por duas viaturas de polícia. Os policiais gritaram para que jogassem as armas e saíssem com as mãos na cabeça. Pensaram em reagir, mas prevaleceu o bom senso do finado Alemão:

        ─ Era o mais experiente de nós. Disse que se a gente atirasse morria no ato: era três contra oito.

        Preso em flagrante, foi levado para a detenção. Acabou condenado a seis anos e três meses por dois assaltos a mão armada; nada mal para quem havia praticado mais de trinta.

       Na cadeia, adotou uma atitude humilde, estratégia à qual atribui a sobrevivência:

       ─ Dos que tinham fama de bandidão, sangue nos olhos, só um escapou vivo.

       Quando Neguinho foi libertado, construiu a caixa de engraxate, pintou-a de sua cor favorita e jurou nunca mais pôr os pés num lugar daqueles.

       Quando perguntei se era mais feliz engraxando sapato, respondeu com um sorriso:

       ─ Nem compara, doutor. Sabe o que é viver com medo? Qualquer carro que passa, imaginar que os justiceiros chegaram? O senhor entrar numa padaria, pedir uma média com pão e manteiga e não ter o direito de sentar de costas para a porta?

São Paulo, sábado, 07 de julho de 2007      Folha de S.Paulo Ilustrada

Entendendo a crônica

  01.      Há várias formas de se fazer uma comparação. No trecho, me chamavam de Neguinho de Guaianases, para diferenciar do finado Negão de Pirituba que era alto e forte, pode-se dizer que há dois grupos de ideias que promovem o sentido de comparação – um relacionado à descrição de personagens e outro relacionado ao estado de personagens.

 Assinale a alternativa que apresenta uma comparação que ilustra o estado de personagens:

    a) a explicitação da palavra ‘diferenciar’.

    b) a presença de uma voz que se manifesta e a adjetivação finado.

    c) o jogo diminutivo/aumentativo Neguinho/Negão.

    d) a distinção entre os espaços Guaianases e Pirituba.

 

 02.               Textos são composições que se apresentam coesivamente, ou seja, ideias, frases, parágrafos, se articulam por meio de elementos concretos, visíveis, de forma a dar sequência e ligação entre as ideias.

Quanto ao trecho em destaque a seguir, estão corretas as indicações de elementos coesivos, EXCETO:

          Com uma caixa de engraxate pintada de amarelo pendurada no ombro, o rapaz cruzou a rua em minha direção:

          ─ Não sei se o senhor lembra de mim, mas quando estive lá me chamavam de Neguinho de Guaianases, para diferenciar do finado Negão de Pirituba que era alto e forte.

          Para ser sincero, não lembrava dele nem do finado, mas se dizia que estivera lá, pelo menos ficava claro de onde nos conhecíamos. Todo ex-presidiário que encontro pela rua se refere à extinta Casa de Detenção dessa forma, como se trouxesse mau agouro pronunciar o nome do presídio.

     a) em minha direção / o senhor.

     b) o rapaz / dele.

     c) lá / Casa de Detenção.

     d) Finado / Negão de Pirituba

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

ARTIGO: DESPERDÍCIO NABABESCO(FRAGMENTO) - DRÁUZIO VARELLA - COM GABARITO

 Artigo: Desperdício nababesco

Dráuzio Varella

Publicado em: 29 de novembro de 2016

Revisado em: 11 de agosto de 2020

        Médicos solicitam excesso de exames que poderiam ser evitados com uma consulta bem feito e que oneram os sistemas de saúde público e privado.

        É nababesco o desperdício de exames no Brasil. No consultório, canso de ouvir a frase: “Doutor, já que vou colher sangue, pede todos os exames, tenho plano de saúde”. Nos atendimentos na Penitenciária Feminina de São Paulo, a mesma solicitação, com a justificativa: “Tenho direito, é o SUS que paga”.

        Fico impressionado com o número de exames inúteis que os pacientes trazem nas consultas. Chegam com sacolas abarrotadas de radiografias, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e uma infinidade de provas laboratoriais que pouco ou nada contribuíram para ajudá-los.

        Num dos grandes laboratórios da cidade, mais de 90% dos resultados caem dentro da faixa de normalidade. Numa das operadoras da Saúde Suplementar, pelo menos um terço das imagens realizadas junta pó nas prateleiras, sem que ninguém se dê ao trabalho de retirá-las.

        São múltiplas as causas dessas distorções.

        Nas consultas-relâmpago em ambulatórios do serviço público e dos convênios, os médicos se defendem pedindo exames, que poderiam ser evitados caso dispusessem de mais tempo para ouvir as queixas, o histórico da doença e examinar os pacientes.

        Para solicitar ultrassom ou tomografia para alguém que se queixa de dores abdominais, basta preencher o pedido. Dá menos trabalho do que avaliar as características e a intensidade da dor, os fatores de melhora e piora, e palpar o abdômen com atenção.

        O SUS e a Saúde Suplementar estão diante do mesmo desafio: como reduzir os custos. Sem fazê-lo, ambos sistemas se tornarão inviáveis, antes do que imaginamos.

Como regra, o paciente sai da consulta confiante de que as imagens revelarão o que se passa no interior de seu organismo, com muito mais precisão do que o médico seria capaz de fazê-lo.

        O problema é que, muitas vezes, o exame será marcado para semanas ou meses mais tarde, porque os serviços de imagem ficam sobrecarregados com o excesso de demanda. A demora prejudicará, sobretudo, aqueles em que há urgência para chegar ao diagnóstico, deixados para trás pela enxurrada de pedidos desnecessários.

        As operadoras de saúde que hoje se queixam da infinidade de exames subsidiários que encarecem as contas a pagar, esquecem que até há pouco faziam comerciais na TV que mostravam resgates por helicóptero e exibiam aparelhos de ressonância, para convencer os usuários de que ofereciam serviços de qualidade.

        Nós, médicos, colaboramos decisivamente para aumentar o custo da Medicina: é de nossos receituários que partem as solicitações. Fazemos a vontade dos que nos pedem “todos os exames”, pedimos provas laboratoriais sem pensar na relevância para o caso e nos damos ao luxo de solicitar exames e prescrever medicamentos sem ter noção de quanto custam.

        Nas faculdades de Medicina, ninguém fala de dinheiro. Os estudantes não recebem noções elementares de economia e o preço dos tratamentos é ignorado, como se vivêssemos em outro planeta.

        Nos hospitais-escola, o descompromisso com a realidade econômica é universal. Com o argumento de que os internos e residentes precisam aprender, ficam justificadas as imagens mais exóticas e a repetição diária de dosagens de íons, provas de função renal e hepática, hemogramas, glicemias e o que mais passar pela cabeça dos plantonistas das UTIs e das unidades semi-intensivas.

        É preciso entender o óbvio: os recursos públicos destinados à saúde são insuficientes. Eles não vêm do governo, saem dos impostos pagos por nós. Cada vez que somos atendidos pelo SUS, fazemos uso de uma parte do dinheiro que é de todos, se o gasto for exagerado muitos ficarão em desvantagem. É bem provável que sejam os mais necessitados.

        Nos planos de saúde acontece o mesmo, com uma diferença: o preço da mensalidade aumenta para todos. É simples, assim. Hoje, os gastos com saúde das empresas constituem a segunda despesa mais alta do orçamento anual, só perdem para a folha de pagamento.

        O SUS e a Saúde Suplementar estão diante do mesmo desafio: como reduzir os custos. Sem fazê-lo, ambos sistemas se tornarão inviáveis, antes do que imaginamos.

        A viabilidade do SUS e da Saúde Suplementar não será alcançada por meio de ideologias, mas com medidas práticas que reduzam os custos da assistência médica e com intervenções preventivas para evitar que as pessoas fiquem doentes.

                                        Dráuzio Varella. Fonte: Livro Se liga na língua. 9° ano. Ed. Moderna, 1° ed. São Paulo, 2018. P. 52.

Entendendo o artigo:

01 – Explique, com suas palavras, a tese do texto.

      O articulista defende a ideia de que grande parte dos exames realizados no Brasil é desnecessária.

02 – Qual é a contribuição da palavra nababesco para a força dessa tese?

      Como nababesco indica algo extremamente custoso, reforça a dimensão do desperdício e, com isso, enfatiza a crítica.

03 – Por que as frases ouvidas dos pacientes podem ser consideradas argumentos nesse contexto?

      As frases provam que os pacientes exigem exames apenas porque têm direito a eles, evidenciando a falta de utilidade de muitos desses exames.

04 – Explique a estratégia usada no terceiro parágrafo para confirmar a validade da tese.

     O autor cita dados numéricos que confirmam a tese.

05 – Para desenvolver a argumentação, o produtor do texto, no último parágrafo transcrito, cria uma relação de causa e consequência. Escreva um período para explicitar essa relação e articule suas partes com o conector uma vez que.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Os médicos pedem muitos exames, uma vez que não têm tempo ou interesse em analisar o paciente para fazer um diagnóstico.