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domingo, 7 de agosto de 2022

CONTO: LÁ NO MORRO - (FRAGMENTO) - WANDER PIROLI - COM GABARITO

 Conto: LÁ NO MORRO – Fragmento

             Wander Piroli

        Avistei-o subindo o morro. Mamãe estava junto ao fogareiro. Corri alarmado para avisá-la: “Papai envém aí”. Ela me espetou os olhos apagados e os lábios se moveram lentamente. Não disse nada.

        Papai atravessou a porta em silêncio e ao invés de chutar o tamborete arredou-o de leve. Observou-me num relance. Depois olhou mamãe que estava de costas, e deixou-se cair no tamborete. A cabeça pendeu sobre o caixote como se se tivesse desprendido do corpo. Não exalava cachaça, desta vez. Surpreendi-me avançando na sua direção. Parei perto do caixote com as pernas trêmulas, e antes que eu percebesse meus dedos já tocavam o ombro de papai.

        Mamãe permanecia imóvel junto ao fogareiro, como se esperasse que a mão pesada a atingisse a qualquer momento. Angustiava-me um sentimento doloroso por papai: era como se o estivesse descobrindo sob a camada de violência, e agora ali restasse não apenas meu pai, mas a própria criatura humana na sua dimensão essencial e indestrutível. Olhei para mamãe. E gritei-lhe desesperadamente “Mamãe!” sem que ao menos tivesse necessidade de abrir a boca.

        Afinal mamãe se voltou com o prato de comida e viu minha mão pousada no ombro de papai. Colocou o prato no caixote, perto da cabeça de papai. Ele continuou quieto, a respiração funda e descompassada. Mamãe acendeu a lamparina, e a claridade arredou as primeiras sombras da tarde para os cantos do cômodo. Em seguida, mamãe preparou a minha marmita e por último o seu prato e ambos nos sentamos, eu no chão e ela no outro tamborete.

        O arfar intenso de papai doía no silêncio. Olhei mamãe. Mamãe me olhou e disse:

        – Come.

        Depois fitou papai, de esguelha, e levou até à boca uma pequena porção de arroz. Mas teve logo que deixar o garfo de lado para conter o acesso de tosse com a mão. Papai então levantou a cabeça, encarou-a com os lábios abertos. Seu rosto estava molhado de suor. Abaixou os olhos para mim, fungando, e deixou a cabeça pender novamente sobre o caixote.

        Ouvimos passos no quintal. Três homens saltaram dentro do barraco e um deles arrancou a cortina que dividia o cômodo. Antes que o coração me socasse o peito e mamãe imobilizasse o garfo e papai erguesse a cabeça, tiraram-no do tamborete, torcendo-lhe os braços.

        Papai não tentou reagir, sequer parecia surpreso. Era como se já estivesse esperando aquele momento. Nem ao menos olhou para os homens que o subjugavam. Fitava apenas mamãe, imóvel e fria do outro lado do caixote. Um dos homens levantou o punho e bateu-lhe seguidamente na cara. Com a boca ensanguentada, recebia as pancadas sem tirar os olhos de mamãe.

        Levaram-no, os braços presos às costas. Os socos continuavam no quintal e eram mais nítidos quando pegavam na cara de papai. As batidas foram-se distanciando. Mamãe estava com a cabeça quase dentro do prato e as lágrimas escorrendo de seu rosto pingavam sobre o resto da comida. A marmita ainda tremia em minhas mãos e eu comecei a vomitar.

PIROLI, Wander. Lá no morro. In: TUFANO, Douglas (Org.). Antologia do conto brasileiro: do Romantismo ao Modernismo. São Paulo: Moderna, 1994. p. 110-111. (Coleção Travessias). Fragmento.

     Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição – São Paulo, 2016 – Moderna – p. 81-2.

Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Tamborete: pequeno banco.

·        Arredou: afastou.

·        De esguelha: de lado.

02 – No conto de Wander Piroli predomina o silêncio.

a)   Confirme essa afirmativa com exemplos retirados do texto.

Ao longo do conto são proferidas apenas três falas pelos personagens: “Papai envém aí”, “Mamãe!” e “Come”.

b)   Análise as relações estabelecidas entre os personagens e explique o que pode significar o silêncio predominante no conto.

O silêncio pode significar a dureza que caracteriza as relações entre os personagens e os distancia. Eles parecem viver em um ambiente hostil, em que há pouca ou nenhuma comunicação.

03 – Pela leitura do conto, podemos inferir que o comportamento do pai, quando chega a sua casa, é diferente do habitual; ou seja, ele mostra-se menos violento e hostil.

a)   Que passagem nos permitem fazer essa inferência?

“Papai atravessou a porta em silêncio e ao invés de chutar o tamborete arredou-o de leve”, “Mamãe permanecia imóvel junto ao fogareiro, como se esperasse que a mão pesada a atingisse a qualquer momento”.

b)   Que sinais de fragilidade você conclui que o pai do narrador-personagem apresenta ao entrar na casa? Justifique sua resposta com trechos do texto.

O pai, antes violento e agressivo, mostra-se frágil. Eis os trechos que permitem chegar a essa conclusão: “deixou-se cair no tamborete”; “A cabeça pendeu sobre o caixote como se se tivesse desprendido do corpo”; “Ele continuou quieto, a respiração funda e descompassada”, etc.

c)   Que consequência física e psicológica tem no narrador a mudança de comportamento apresentado pelo pai?

O narrador se surpreende ao sentir afeto pelo pai quando toca seu ombro e angustia-se ao vê-lo em situação de fragilidade: existia ali, afinal, uma “criatura humana”, antes escondida “sob a camada de violência”.

04 – Conto “Lá no morro” se passa durante o jantar de uma família. O tempo todo narrador menciona o “fogareiro”, o “prato de comida”, a “marmita”, a “porção de arroz”, “o garfo”, etc. Explique de que maneira esses elementos são retomados no último parágrafo, intensificando a experiência dramática vivida por esses personagens no barraco.

      Mesmo antes do parágrafo-desfecho do conto, o narrador utiliza a comida como símbolo de que as coisas não estão bem na família. A mãe dele, por exemplo, tem um acesso de tosse logo após fitar o pai e levar à boca uma pequena porção de arroz. No último parágrafo, a frieza e a imobilidade da mulher diante da violência sofrida pelo marido são quebradas com uma imagem forte, ligada ao ato de comer: “Mamãe estava com a cabeça quase dentro do prato e as lágrimas escorrendo de seu rosto pingavam sobre o resto da comida”.

05 – Quase no desfecho do conto narrador-personagem e forma que sua mãe diante de violência extrema a qual foi submetido o pai permanece “imóvel e fria do outro lado do caixote”. Embora o conto não explicite as razões que levam a mulher a ter essa reação, é possível levantar algumas hipóteses. Reúne-se com seus colegas e procure explicar isso.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A mulher pode ter ficado em pânico e sem reação e também com medo de levarem a ela ou fazerem algum mal ao seu filho.



 

sexta-feira, 18 de março de 2022

CRÔNICA: FESTA - WANDER PIROLI - COM GABARITO

 Crônica: Festa

              Wander Piroli

        Atrás do balcão, o rapaz de cabeça pelada e avental olha o crioulão de roupa limpa e remendada, acompanhado de dois meninos de tênis branco, um mais velho e outro mais novo, mas ambos com menos de dez anos.

        Os três atravessam o salão, cuidadosa mas resolutamente, e se dirigem para o cômodo dos fundos, onde há seis mesas desertas.

        O rapaz de cabeça pelada vai ver o que eles querem. O homem pergunta em quanto fica uma cerveja, dois guaranás e dois pãezinhos.

        – Duzentos e vinte.

        O preto concentra-se, aritmético, e confirma o pedido.

        – Que tal o pão com molho? – sugere o rapaz.

        – Como?

        – Passar o pão no molho da almôndega. Fica muito mais gostoso.

        O homem olha para os meninos.

        – O preço é o mesmo – informa o rapaz.

        – Está certo.

        Os três sentam-se numa das mesas, de forma canhestra, como se o estivessem fazendo pela primeira vez na vida.

        O rapaz de cabeça pelada traz as bebidas e os copos e, em seguida, num pratinho, os dois pães com meia almôndega cada um. O homem e (mais do que ele) os meninos olham para dentro dos pães, enquanto o rapaz cúmplice se retira.

        Os meninos aguardam que a mão adulta leve solene o copo de cerveja até a boca, depois cada um prova o seu guaraná e morde o primeiro bocado do pão.

        O homem toma a cerveja em pequenos goles, observando criteriosamente o menino mais velho e o menino mais novo absorvidos com o sanduíche e a bebida.

        Eles não têm pressa. O grande homem e seus dois meninos. E permanecem para sempre, humanos e indestrutíveis, sentados naquela mesa.

Para gostar de ler – Contos. São Paulo, Ática, 1984. v. 9. p. 73.

Fonte: Português – Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 89-91.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Resolutamente: decididamente.

·        Cômodo: quarto, compartimento.

·        Concentrar-se: dirigir o pensamento de modo intenso para.

·        Canhestra: desajeitada.

·        Cúmplice: pessoa que participa, com outra, de algum fato.

·        Criteriosamente: sensatamente, com critérios.

·        Absorvidos: concentrados em.

·        Indestrutíveis: que não podem ser destruídos.

02 – Substitua as palavras em destaque por sinônimos:

a)   O rapaz de cabeça pelada e avental olha o crioulão.

Careca / sem cabelos; homem negro.

b)   Os três atravessam o salão resolutamente e se dirigem para o cômodo dos fundos.

Decididamente; vão; sala / compartimento.

c)   Os três sentam-se de forma canhestra.

Desajeitadamente.

d)   Os meninos aguardam que a mão adulta leve solene o copo até a boca.

Esperam; do pai; formal.

03 – Ao entrar no bar, qual era a grande preocupação do pai dos meninos?

      A grande preocupação do pai era com o preço do que iam pedir.

04 – O que revelou o comportamento do rapaz de cabeça pelada?

      Revelou uma certa simpatia pelo homem e pelas crianças.

05 – Explique melhor o trecho: “Os três sentam-se numa das mesas, de forma canhestra, como se o estivessem fazendo pela primeira vez na vida.”

      Eles eram tão pobres que se sentiam mal no bar modesto; além disso vivam uma experiência nova.

06 – Por que os meninos esperam o pai começar a beber para depois comerem?

      Possivelmente porque o ambiente é estranho e eles se orientam pelo comportamento do pai.

07 – O que revela a atitude do pai ao ficar observando os meninos?

      O grande amor que ele sente pelas crianças, o orgulho e a alegria por eles estarem comendo ali.

08 – Que tipo de pessoas são o pai dos meninos e o garçom?

      São homens simples e sensíveis.

09 – Releia atentamente o último parágrafo do texto e explique:

a)   Por que o negro é o “grande homem”?

Ele representa o homem simples, do povo, pobre mas digno.

b)   O que significa permanecerem para sempre “humanos e indestrutíveis sentados naquela mesa”?

O narrador quer mostrar que a figura humilde do homem que ama seus filhos pode permanecer eterna.

10 – Justifique o título do texto.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Provavelmente, por nunca terem entrado num bar para comer. Ai se tornou um motivo de festa.

11 – Escolha, entre as alternativas abaixo, o que o texto “Festa” transmitiu a você?

        Solidariedadedignidade – desprezo – preconceito – sofisticação – simplicidade.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Solidariedade, dignidade e simplicidade.

 

 

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

CONTO: TRABALHADORES DO BRASIL - WANDER PIROLI - COM GABARITO

 Conto: Trabalhadores do Brasil

             Wander Piroli

    Como uma ilha entre as pessoas que se comprimiam no abrigo de bonde, o homem mantinha-se concentrado no seu serviço. Era especialista em colorir retrato e fazia caricatura em cinco minutos. No momento ele retocava uma foto de Getúlio Vargas, que mostrava um dos melhores sorrisos do presidente morto.

        O homem estava sentado num tamborete rústico, com os joelhos cruzados e a cabeça baixa. À sua direita havia uma mesinha de desarmar, entulhada de lápis de vários tipos e cores, folhas de papel em branco, borrachas, tesoura e um pouco de estopa. Havia ainda uma tabuleta em cima da pequena mesa, apoiando-se na pilastra onde estavam expostos seus trabalhos: fotografias coloridas de grandes personalidades e caricaturas também de grandes personalidades.

        Nem sequer a chegada do bonde fez o homem levantar a cabeça. Trabalhava variando de lápis calmamente, como se não tivesse nenhuma pressa ou mesmo não desejasse terminar o serviço. Getúlio na foto continuava sorrindo para o homem com um de seus melhores sorrisos.

        Uma mulher esturrada, de alpargata e vestido muito largo, aproximou-se e parou à sua frente. O homem levantou a cabeça:

        -- Você, Maria.

        Ela moveu o rosto com dificuldade e fez o possível para sorrir, fixando atenta e profundamente a cara do homem.

        -- Aconteceu alguma coisa?

        -- Não – murmurou a mulher.

        O homem pôs a fotografia e o lápis na mesa e esperou que a mulher falasse. Olhavam-se como duas pessoas de intensa convivência.

        -- Não houve mesmo nada? – tornou o homem.

        -- Claro que não, Zé. Eu vim à toa.

        -- E os meninos?

        -- Mamãe está com eles.

        -- Como é que você arranjou para chegar até aqui?

        -- Uai, eu vim.

        -- A pé? Você não devia ter vindo, Maria. Estou achando que houve alguma coisa.

        -- Não teve nada, não. Mamãe chegou lá em casa e então eu aproveitei para dar um pulo até aqui.

        -- Ah – o homem sorriu. E uma onda de carinho, quase imperceptível, assomou-lhe o rosto lento e sofrido.

        -- Fez alguma coisa hoje, Zé?

        -- Fiz um – respondeu levantando-se. – Senta aqui. Você deve estar cansada.

        A mulher sentou no tamborete, desajeitada.

        -- Você não devia ter vindo, Maria – disse o homem.

        -- Eu sei, mas me deu vontade. Mamãe ficou lá com os meninos.

        -- Mas ela não estava doente?

        -- Você sabe como mamãe é.

        -- E o Tonhinho?

        -- Está lá. 

        -- O carnegão saiu?

        A mulher fez sim com a cabeça e em seguida olhou para o abrigo, onde havia pequenas lojas de frutas, café, pastelaria.

        -- Espera um pouquinho aí – disse o homem, e caminhou na direção de uma das lojas.

        A mulher permaneceu sentada no tamborete, observou por um momento o vendedor de agulhas, que continuava gritando, depois deteve a vista na foto de Getúlio Vargas sorrindo para os trabalhadores do Brasil. O homem reapareceu com um saquinho manchado de gordura.

        -- Esses pastéis.

        -- Oh, Zé, para que você fez isso?

        -- Vamos, come um.

        -- Você não devia ter comprado.

        -- Vamos.

        A mulher retirou um pastelzinho do saco e começou a mastigá-lo com muito prazer.

        -- Come o outro, Zé.

        -- Já comi uns dois hoje. Esse outro também é seu.

        -- Então eu vou levar ele pros meninos.

        -- É pior, Maria.

        O homem ficou de pé, ao lado da mulher, observando-a comer o segundo pastel. A mulher acabou de comer, limpou a boca na manga do vestido e fez menção de levantar-se:

        -- Fica aqui, Zé. Pode aparecer alguém.

        -- Não, eu passei a manhã toda assentado.

        A mulher sentada e o homem em pé conservaram-se silenciosos durante um breve e ao mesmo tempo longo momento, ora olhando um para o outro, ora cada um olhando as pessoas agora espalhadas no abrigo ou não olhando coisa nenhuma. A mulher se ergueu:

        -- Acho que eu vou andando. 

        -- Já vai?

        -- Mamãe não aguenta eles, você sabe.

        -- Ah, é mesmo. Você não devia ter vindo.

        O homem tirou uma nota de dentro do bolso do paletó e estendeu-a para a mulher.

        -- Volta de bonde.

        -- Não, Zé.

        -- É muito longe, criatura.

        -- Não.

        -- Ora, minha nega.

        A mulher pegou o dinheiro com a mão indecisa.

        -- Vou ver se levo.

        O homem assentiu com a cabeça, abriu a boca mas não disse nada. A mulher desviou o rosto e piscou os olhos várias vezes.

        -- Não chega tarde não, viu, Zé.

        -- Chego não.

        -- Você vai fazer.

        -- Hoje eu sei que vai melhorar.

        -- Vai sim, Zé. Eu seu que vai. Eu sei.

        A mulher se afastou rapidamente, sem voltar o rosto. O homem empinou-se um pouco para vê-la atravessar a rua. Depois sentou no tamborete e pegou um lápis e o retrato.

        Durante muito tempo o homem permaneceu com a cabeça baixa, imóvel dentro de sua ilha, curvado sobre a foto que mostrava o presidente morto com aquele sorriso de seus melhores dias.

                                       Wander Piroli. A mãe e o filho da mãe: e a máquina de fazer amor. Belo Horizonte: Leituras, 2009.

                       Fonte: Livro – Para Viver Juntos – Português – 9° ano – Ensino Fundamental – Anos Finais – Edições SM – p. 46-50.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o principal evento narrado nesse conto?

      O conto narra a visita de uma mulher a seu companheiro (ou marido), no local onde ele trabalha.

02 – As personagens conversam pouco, porém algumas de suas ações revelam o sentimento que poderia existir entre elas.

a)   Qual é, provavelmente, esse sentimento?

Sentimento de carinho, afeição.

b)   Copie o quadro abaixo no caderno e complete-o com atitudes das personagens que sugerem esse sentimento ao leitor.

-- Sem que a mulher peça, o homem:

* Levanta do tamborete e oferece a ela o lugar;

* O homem compra pastéis para a mulher;

* Oferece dinheiro para que ela volte de bonde.

-- Ela, em troca:

* Faz menção de devolver o lugar oferecido;

* Oferece a ele o segundo pastel;

* A mulher recomenda a ele que não chegue tarde e mostra esperança de que o dia melhore (que ele tenha trabalho).

03 – Releia este trecho:

        “-- Não houve mesmo nada? – tornou o homem.

         -- Claro que não, Zé. Eu vim à toa.

         [...]

         -- A pé? Você não devia ter vindo, Maria. Estou achando que houve alguma coisa.

        -- Não teve nada, não. Mamãe chegou lá em casa e então eu aproveitei para dar um pulo até aqui.

        [...]

        -- Você não devia ter vindo, Maria – disse o homem.

        -- Eu sei, mas me deu vontade.”

a)   Dentre as opções abaixo, copie a resposta certa: O que o homem tem a intenção de dizer à mulher, ao repetir que ela não deveria ter ido até a praça?

·        Que ela cometeu um grave erro indo até lá.

·        Que ela não precisava ter feito tal sacrifício só para vê-lo.

b)   A mulher afirma que sua visita não foi motivada por nenhum problema. O que a teria levado até lá?

Ela foi porque teve vontade, porque quis estar perto do marido.

c)   O fato de a visita da mulher não ter sido motivada por um problema reforça ou contradiz o sentimento que, possivelmente, as personagens alimentam uma pela outra? Explique.

Reforça, pois, pelos comentários do homem, percebemos que ela fez um sacrifício indo até lá, e apenas para vê-lo por uns momentos.

04 – Releia estas passagens.

        I – Ela [...] fez o possível para sorrir, fixando atenta e profundamente a cara do homem.

        II – O homem [...] esperou que a mulher falasse. Olhavam-se como duas pessoas de intensa convivência.

        III – O homem ficou de pé, ao lado da mulher, observando-a comer o segundo pastel.

        A comunicação entre as personagens, nesses trechos, acontece por meio de um gesto específico. Qual?

      O olhar.

05 – As falas das personagens são curtas. Essa característica da linguagem pode ser associada a certa reserva ou secura na manifestação do afeto entre as personagens. Copie um trecho do texto em que o narrador confirma esse jeito de ser das personagens.

      “Ela moveu o rosto com dificuldade e fez o possível para sorrir, fixando atenta e profundamente a cara do homem.”

      “-- Ah – o homem sorriu. E uma onda de carinho, quase imperceptível, assomou-lhe o rosto lento e sofrido.”.

06 – Analise as circunstâncias em que acontece o encontro das personagens.

a)   Em que horário do dia deve ter ocorrido? Em que você se baseia para concluir isso?

Provavelmente no fim da manhã, já que Zé diz que passara a manhã toda sentado.

b)   Quantos trabalhos o homem tinha feito até aquele momento?

Apenas um.

c)   As personagens dizem que o dia vai melhorar, ou seja, que Zé vai ter mais trabalho. Elas se baseiam em algum dado objetivo para prever isso? Explique.

Elas não se baseiam em dados objetivos; trata-se mais de um desejo de que o dia melhore do que de uma previsão realista.

07 – Os silêncios, as falas curtas das personagens e a ausência de demonstrações de alegria e de afeto reforçam qual das ideias a seguir? Copie a resposta no caderno.

a)   A ideia de que a vida dura que as personagens levam as fez se cansarem uma da outra e tornou-as pessoas sem sentimentos.

b)   A ideia de que as personagens levam uma vida dura, enfrentando dificuldades financeiras, carente de alegria e prazeres.

08 – A vida das personagens do conto é marcada pela pobreza. Para cada item a seguir, anote as informações do texto que comprovam isso.

a)   Meio de transporte utilizado pela mulher.

Ela faz o percurso a pé na ida; na volta, para economizar, reluta em tomar o bonde.

b)   Aparência das personagens.

O homem tem rosto lento e sofrido; a mulher é esturrada.

c)   Maneira como a mulher se veste.

Ela usa um vestido muito largo e alpargatas.

d)   Ocupação do homem.

Retoca retratos e faz caricaturas em uma banca armada em um abrigo de bonde.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

CRÔNICA: NÓS VAMOS DE TREM - WANDER PIROLI - COM QUESTÕES GABARITADAS


CRÔNICA: Nós vamos de trem
         
   Wander Piroli

        O homem veio da área de serviço com a capanga de pescaria e sentou-se do outro lado da mesa, em frente do menino. Antes de abri-la, deu uma boa bicada na batida de limão.
        -- Oba – exclamou o menino, fechando o caderno. – Nós vamos, pai?
        -- Estou pensando, Bumba – disse o homem.
        -- Pompéu?
        -- Pompéu é longe pra um dia só.
        -- Paraopeba.
        -- É outro rio.
        -- Eu conheço?
        -- Acho que não.
        -- Que rio que é pai?
        -- Você já ouviu falar no Rio das Velhas?
        O menino riu. A mulher entrava na casa.
        -- Olha, mãe. Nós vamos no Rio das Velhas.
        -- Uai, querido – disse a mulher para o homem – você resolveu?
        -- Ainda não.
        -- Ô, pai – o menino protestou.
        -- Bumba, você já acabou o “para-casa”?
        -- Tô no fim, mãe. Nós vamos, não vamos, pai?
        -- Ele agora só pensa nisso – disse a mulher.
        -- O que você acha, nega? – disse o homem.
        -- A padaria deve estar fechando – lembrou a mulher.
        -- Fala que nós vamos, pai – insistiu o menino.
        O homem sorriu. O menino deu um salto da cadeira.
        -- Aonde é que você pensa que vai?
        -- Vou arrumar minhas coisas, mãe.
        A mulher fez o menino sentar-se novamente.
        -- É amanhã, Bumba – disse o homem.
        -- Vamos hoje, pai.
        -- Está vendo? – disse a mulher.
        -- O trem sai de madrugada – disse o homem.
        -- Trem – exaltou-se o menino. – Mãe, nós vamos de trem.
        -- Bumba não vai gostar – observou a mulher.
        -- Eu sei – disse o homem.
        -- Pai – disse o menino – por que mamãe tá falando que eu não vou gostar?
        -- Lá não temais peixe – disse a mulher.
        -- No duro, pai?
        -- Parece que sim.
        -- Então vamos no Areião – propôs o menino.
        -- Bumba – disse a mulher – seu pai está querendo ir num lugar onde ele ia com o seu avô. Seu pai era do seu tamanho e era lá que eles iam.
        -- Você pegava peixe, pai?
        -- Todo mundo pegava.
        -- Mas do que em Pompéu?
        -- Quase igual. E tinha a vantagem de ser perto. E a gente ia de trem. Saía domingo de madrugada e voltava de noitinha. A gente não gastava quase nada e trazia uma porção de peixe no cambão.
        -- O que é cambão, pai?
        -- Você sabe.
        -- Querido – interrompeu a mulher –, se vocês vão mesmo, Bumba precisa dormir mais cedo.
        -- Tem razão – disse o homem. – Vamos, filho, acaba logo com isso.
        -- Eu vou na padaria – disse a mulher –, e quando voltar quero te ver na cama.
        A mulher dirigiu-se para a área de serviço e logo em seguida a sineta da porta repercutiu na casa em silêncio.
        -- Cambão, pai – cobrou o menino.
        O homem virou o resto da batida e acendeu um cigarro:
        -- É uma varinha que a gente cortava no mato pra enfiar os peixes.
        -- Mamãe falou que lá não tem mais peixe. Por quê, hem, pai?
        -- Você não vai entender – disse o homem.
        -- Eu entendo.
        -- Então termina primeiro o seu dever.
        -- Já acabei.
        -- Você sabe o que é poluição?
        -- Saco fácil, pai.
        -- Vamos ver.
        -- Poluição é fumaça.
        O homem riu.
        -- Não é, pai?
        -- A professora falou isso?
        -- Falou.
        -- O que mais?
        -- Ela falou que a fumaça tá envenenando a gente. Que venenava peixe ela não falou não.
        -- Ela deve ter esquecido.
        -- Como é que a fumaça entra dentro d’água?
        -- Amanhã eu explico.
        -- Eu queria saber, pai.
        -- Primeiro guarda o caderno, lava os pés e cai na cama. Se sua mãe te pegar acordado, adeus pescaria.
        O menino levantou-se correndo.
        O homem ouviu durante algum tempo o ruído da água e do chuveiro elétrico. Depois houve silêncio, e o menino chamou:
        -- Pai.
        Encontrou-o debaixo das cobertas. Sentou-se na cama e tentou explicar o que está sendo feito para matar o peixes e acabar com os próprios rios. Falou das indústrias que jogam veneno nos rios e o que acontece com os peixes. Falou da derrubada de matas e como isso é bom para secar as nascentes e os córregos que abastecem os rios. O homem foi falando, como se estivesse falando sozinho, o menino dormiu logo.
              Os rios morrem de sede. Wander Piroli.
                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p.152-5.
Entendendo o texto:
01 – “-- Oba – exclamou o menino, fechando o caderno. – Nós vamos, pai?”
a)   Por que o menino achou que ele e o pai iam pescar?
Porque o pai abriu a capanga de pescaria.

b)   O que podemos concluir dessa sequência?
Que, às vezes, a comunicação é possível sem palavras.

02 – O texto “Nós vamos de trem, exaltou-se o menino” é uma narração. O narrador é personagem? Justifique sua resposta.
      Não. O texto foi narrado em terceira pessoa.

03 – Por que o pai do menino queria leva-lo para o Rio das Velhas se lá não havia mais peixes?
      Para matar a saudade do passado.