Reportagem: Boas Notícias
Há
10 anos, sarau tem poesia recitada, cantada e “no ar” na periferia de SP
Marina Vergueiro – 20/04/2011 – 07h01.
Balões
com papéis contendo versos de poemas são soltos no ar em evento do Sarau da Cooperifa,
na Zona Sul de São Paulo. Foto.
Nas noites de quarta-feira no Bar do Zé
Batidão, zona sul de São Paulo, “o silêncio é uma prece”. O poeta Sérgio Vaz
faz questão de avisar que o sarau da Cooperifa “não é balada”. Um dos mais
tradicionais saraus paulistanos, pioneiro na periferia da cidade, a Cooperifa
encontrou endereço fixo nesse boteco de uma das esquinas do Jardim São Luiz.
Segundo Vaz, o motivo é a falta de
espaços públicos para exercer a cultura na periferia da capital paulista. “Não
temos teatro, não temos museu, não temos centro cultural. O bar é onde a
comunidade se reúne para falar do asfalto, do trator que precisa retirar o
barranco, do lixo, do futebol...”, diz ele....
Embora regado a muita cerveja e a uma
caipirinha com mel batizada de “gostosinha”, a disciplina exerce um papel tão
fundamental quanto a própria poesia na Cooperifa. Ao criar a cooperativa, há
dez anos, a ideia de Vaz era “fazer a gentileza de recitar poesia para a
comunidade e a comunidade [fazer] a gentileza de ouvir a poesia”. Para isso,
segundo ele, não apenas o silêncio é imprescindível, mas o respeito a cada um
dos poetas que se arrisca atrás do microfone. E, para que isso seja garantido,
todos devem aplaudir a todos com a mesma intensidade.
Desde 2001 a Cooperifa ajudou cerca de
30 poetas a lançarem seus livros, além de ter colaborado para que músicos e
rappers gravassem se álbuns, entre eles F.I.N.O, Wesley Noog, Versão Popular e
Jairo Periafricania.
“A Cooperifa me mostrou que se eu quero
ser escritor eu posso, não preciso pedir autorização para ninguém”
Jairo Periafricania
“Comecei a fazer rap com 35 anos e a
Cooperifa mudou minha vida porque me mostrou que se eu quero ser escritor eu
posso, não preciso pedir autorização para ninguém”, conta Jairo, que em 2010
lançou o disco “O Sonho Não Envelhece” e há três anos dá aulas de rap na
Fundação Casa.
Já F.I.N.O, rapper há 13 anos, buscou a
literatura para que pudesse “se informar mais e melhorar as letras”. A partir
do Sarau da Cooperifa, que frequenta “religiosamente há 2 anos”, passou a se
interessar por saraus e, durante a semana, faz uma verdadeira peregrinação pela
periferia da cidade em busca de poesia. “Frequento o circuito inteiro: (sarau
do) Ademar, (sarau da) Fundão, (sarau do) Binho, Sarau com Elas”, conta ele,
que recentemente lançou o single “Que Vantagem Maria Leva?”, com participação
da cantora e poeta da Cooperifa Camila Trindade.
Além do rap, a poesia de Cordel causa
algumas das reações mais entusiasmadas do público do sarau. Um dos poetas
responsáveis por isso tem apenas 10 anos de idade. Luís Miguel de Araújo
Guimarães, o Miguelzinho, provoca gargalhadas na plateia durante os cinco
minutos que permanece com microfone na mão recitando uma das dez poesias que
guarda na memória. “Às vezes eu demoro um pouquinho pra recitar porque eu
decido na hora. O que vier na mente primeiro, eu conto”, diz o garoto,
admirador de Patativa do Assaré e Chico Pedrosa. Miguelzinho costuma ir ao bar
do Zé Batidão acompanhado do tio Toninho Poeta.
Apesar desses "destaques" da
Cooperifa, os aplausos atingem o ápice com a declamação de “Dona” Edite
Marques. Uma das frequentadoras mais ativas da Cooperifa, essa senhora cega de
68 anos costuma passar de dez a quinze minutos recitando suas poesias favoritas
– sejam versos de Castro Alves ou Cora Coralina –, todas memorizadas com a
ajuda de um aparelho no qual escuta as gravações que uma sobrinha faz, em fita
cassete.
Noites
especiais
Quando começou, há dez anos, em uma
fábrica abandonada no Taboão da Serra, o Sarau da Cooperifa contava com pouco
mais de 15 poetas que se revezavam para ler cerca de 10 poesias cada.
Atualmente, o sarau chega a receber aproximadamente 60 poetas por semana. Em
algumas noites consideradas especiais, esse número pode chegar a 70 – e muitas
vezes alguns ficam de fora porque as duas horas de poesia não são suficientes.
Com
a intenção de incentivar a leitura, Sérgio Vaz criou a “Chuva de Livros”, noite
que acontece semestralmente em parceria com editoras e doadores, distribuindo
livros aos frequentadores do sarau. A mais recente aconteceu em 31 de março
deste ano, com o apoio da Companhia das Letras e presença do editor
Luiz Schwarcz, que entregou os 250 livros doados à Cooperifa.
Já uma das criações mais populares de
Sérgio Vaz é a noite que ficou conhecida como “Ajoelhaço”, que ocorre todos os
anos na quarta-feira anterior ao Dia Internacional da Mulher, na qual os homens
se ajoelham diante das mulheres e pedem perdão aos pecados cometidos.
No entanto, é na noite de "Poesia
no Ar" que a Cooperifa reúne o maior número de pessoas. Em 2011, o evento
distribuiu 500 bexigas de gás hélio para que os poetas prendessem suas poesias
e as soltassem no céu de São Paulo. Ônibus de Porto Alegre, Guaratinguetá,
Guarulhos e Parelheiros vieram a São Paulo para participar do “ataque poético
aéreo”, como o definiu Sérgio Vaz.
“Uma vez ouvi um cara falar no negócio
de bala perdida na periferia. Fiquei imaginando uma ideia para que a gente
pudesse levar a nossa poesia para outros quintais”, conta Vaz sobre o
nascimento do “Poesia no Ar”. Segundo ele, já houve registro de que
bexigas chegaram ao bairro do Ipiranga, outro extremo da zona sul da cidade.
Embora deficiente visual há 15 anos,
Dona Edite considera essa noite uma das mais belas da Cooperifa. “Eu
sinto a emoção de colocar meu poema dentro da bexiga, de poder soltar no ar e
sentir as pessoas perto de mim”, conta, emocionada.
VERGUEIRO,
Marina. UOL/Entretenimento/Notícias. Disponível em: http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2011/04/20/ha-10-anos-sarau-reune-poesia-versada-cantada-e-no-ar-na-periferia-de-sp.jhtm. Acesso em: 22 jan. 2016.
Fonte: Livro Língua Portuguesa –
Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 321-4.
Entendendo a reportagem:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Balada: gíria com o sentido de divertimento noturno dos centros
urbanos, geralmente em bares, danceterias e shows.
·
Rap: abreviatura de rhythm and poetry, designa um tipo de poesia
e/ou música popular urbana, de origem negra, com ritmo muito marcado e melodia
simples.
·
Rapper: pessoa que compõe, recita ou acompanha um rap com gestos,
mímica e passos de dança.
·
Single: composição musical considerada viável comercialmente para ser
lançada e fazer sucesso.
02 – Você considera
relevante e de interesse público o fato relatado nessa reportagem? Justifique
sua resposta.
Resposta pessoal do aluno.
03 – Justifique o uso da
expressão “boas notícias” no título da reportagem.
A expressão foi
usada para destacar que a reportagem relata um fato positivo: a realização, já
por dez anos, de um sarau literário na periferia da Zona Sul de São Paulo.
04 – Logo após o após o
título aparecem as informações “20/04/2011 – 07h01”. O que elas indicam?
Indicam a data (o registro do dia, mês e
ano) e o horário (07h01) em que a reportagem foi postada no site intitulado UOL
/ Entretenimento / Notícias.
05 – Quem escreveu essa
reportagem? O que seria, nos meios jornalísticos, uma colaboração?
A repórter Marina
Vergueiro, em colaboração para o UOL. Significa que a autora da reportagem
apenas colabora, isto é, não é uma funcionária do veículo de comunicação.
06 – Releia o subtítulo da
reportagem e explique:
a) O uso da expressão “Há 10 anos”.
A expressão destaca que a iniciativa é duradoura, não se trata de um
fato eventual.
b) O uso de aspas em “no ar”?
Destacar o uso da expressão e indicar que ela está sendo usada em
sentido figurado (se refere aos versos de poemas soltos em balões no céu de São
Paulo).
07 – As fotos que ilustram
uma reportagem geralmente são acompanhadas de um texto inserido abaixo ou ao
lado delas. Pelos conhecimentos que você tem, responda:
a) Como são chamados esses textos?
Legenda.
b) Qual é sua função na reportagem?
Destacar, resumir e/ou explicar a imagem retratada e registrar a
data em que a foto foi feita.
c) Ao comparar a informação da legenda e a data em que a reportagem foi postada no site, o que é possível deduzir?
Que a foto foi feita sete dias antes de a reportagem ser postada no
site.
08 – Leia:
Lide (do inglês lead:
conduzir, liderar) é o nome que se dá, nos meios jornalísticos, ao primeiro
parágrafo de uma reportagem ou de uma notícia. Esse parágrafo também pode ser
chamado “cabeça da matéria”. De acordo com o Novo Manual da Redação da Folha de
S. Paulo, o lide pode ser noticioso e responder às principais questões a
respeito do fato noticiado, como o que aconteceu, com quem, onde, quando, como,
por que; pode também não ser fatual e usar outra estratégia para chamar a
atenção do leitor.
Baseando-se nessas informações,
responda no caderno:
a) Qual é o lide dessa reportagem?
“Nas noites de quarta-feira no Bar do Zé Batidão, zona sul de São
Paulo, “o silêncio é uma prece”. O poeta Sérgio Vaz faz questão de avisar que o
sarau da Cooperifa “não é balada”. Um dos mais tradicionais saraus
paulistanos, pioneiro na periferia da cidade, a Cooperifa encontrou endereço
fixo nesse boteco de uma das esquinas do Jardim São Luiz.”
b) De acordo com o lide: o que, quando e onde acontece o fato relatado na reportagem?
O que acontece: um sarau da Cooperifa. Quando acontece: nas noites
de quarta-feira. Onde acontece: no Bar do Zé Batidão, no Jardim São Luiz, na
Zona Sul.
09 – Para redigir uma
reportagem, os jornalistas costumam apresentar depoimentos de diferentes
pessoas envolvidas nos fatos relatados. Um dos entrevistados da reportagem lida
foi o poeta Sérgio Vaz. Na entrevista, ele deu um aviso, fez uma justificativa
e uma crítica.
a) Qual é o aviso?
Ele avisa que o sarau não é uma balada e esclarece que, embora
aconteça em um bar, o sarau não é um mero divertimento noturno, mas um evento
cultural e literário que exige silêncio para que as pessoas possam ouvir os
poemas recitados ou cantados pelos poetas.
b) Qual é a justificativa?
A justificativa é o sarau acontecer em um bar.
c) Qual é a crítica?
A crítica é a ausência de espaços públicos na periferia da capital
paulista onde os moradores possam realizar atividades culturais e discutir
assuntos de interesse da comunidade, como “falar do asfalto, do trator que
precisa retirar o barranco, do lixo, do futebol...”.
10 – Leia:
Nos meios jornalísticos, olho é um recurso de edição usado para
ressaltar os melhores trechos de textos mais longos e, assim, “arejar” a
leitura. Em geral, o olho destaca frases relevantes e sugestivas. Para ganhar
espaço, o olho pode apresentar pequenas alterações ou supressões de palavras.
Baseando-se nas informações acima,
reescreva no caderno o olho dessa reportagem e explique o porquê de ter sido
dado destaque a esse trecho.
“A Cooperifa me
mostrou que se eu quero ser escritor eu posso, não preciso pedir autorização para
ninguém”. O trecho destaca e resume uma declaração de um dos entrevistados, o
rapper Jairo Periafricania.
11 – Leia:
Intertítulo
é um pequeno título empregado no interior de textos mais longos para
facilitar a leitura e resumir o bloco de informações que se segue.
A que o intertítulo “Noites especiais” faz referência?
A outros eventos realizados pela
Cooperifa, como o “Chuva de Livros” (distribuição semestral de livros aos
frequentadores do sarau), o “Ajoelhaço” (que ocorre todos os anos na
quarta-feira anterior ao Dia Internacional da Mulher) e o “Poesia no Ar”
(evento em que os poetas prendem seus poemas em balões e soltam-nos no céu de
São Paulo).
12 – No caderno, explique
por que a linguagem informal foi utilizada neste trecho da reportagem:
“Uma
vez ouvi um cara falar no negócio de bala perdida na periferia”?
Trata-se da
transcrição da fala de um dos entrevistados, o poeta Sérgio Vaz.
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