domingo, 7 de agosto de 2022

CRÔNICA: PALAVRAS EMPRESTADAS - IVAN ÂNGELO - COM GABARITO

Crônica: Palavras emprestadas

               Ivan Ângelo

        A leitora Mafalda, sob o título “Sugestão de crônica”, mandou-me um e-mail protestando contra a invasão de expressões estrangeiras no dia a dia do brasileiro. Enviou até fotos de vitrines dos arredores de sua casa, na região da Rua Oscar Freire. Nas imagens leem-se “Spring/Summer Collection 2011”, “Adidas is all in” e, numa vitrine ainda tapada, “See you soon”.

        Visionária, a leitora sonhava que eu pudesse contribuir para “mudar o uso do inglês nas ruas”, motivar algum político “a comprar essa briga”, lembrava o fracasso recente de Aldo Rebelo e dizia ser aquela uma questão de patriotismo. “Não acha?”

        Não acho, leitora, leitores. Com jeito, vou tentar explicar.

        Quando me alfabetizei, em 1943, havia cerca de 40 000 palavras dicionarizadas no português, segundo Domício Proença Filho, da Academia Brasileira de Letras. Hoje, são mais de 400 000; alguns filólogos estimam em 600 000. Ora, leitora, de onde brotaram tantas palavras? Dos novos hábitos da população, das inovações tecnológicas, das migrações, das gírias, dos estrangeirismos.

        Já vê, cara Mafalda, que a consequência dos estrangeirismos não é o empobrecimento da língua, e sim o enriquecimento. Nós nos irritamos com os abusos, sim, como acontece com qualquer abuso.

        A questão do estrangeirismo se aclara com a pergunta: com quem a pessoa quer se comunicar? Se usa palavras que muitas pessoas não entendem, não vai se comunicar com elas. Mesmo usando só o português. No caso das frases em inglês na Rua Oscar Freire, aqueles comerciantes não estão querendo se comunicar com quem não as entende. Fazendo um paralelo meio absurdo: aqueles rabiscos dos pichadores, quem entende? Eles. É coisa deles para eles.

        Há quem use a expressão estrangeira por pedantismo, quando há termo equivalente brasileiro. Mas por que tentar impedir alguém de ser pedante? É um direito dele. Há quem use por ser um modismo, mas por que ir contra a moda? Ela passa.

        Na maioria dos casos, usa-se o estrangeirismo por necessidade. Há palavras estrangeiras inevitáveis, porque designam coisas novas com mais exatidão e rapidez: air bag, shopping center, e-mail, flash, paparazzi, smoking, slide, outdoor, jazz, rock, funk, marketing, stand-by, chip, overdose, replay, videogame, piercing, rush, checkup, blush, fashion – e milhares de outras.

        Havia inevitáveis que acabaram se adaptando. Já tivemos goal-keeper (goleiro), goal (gol; o Estadão escrevia “goal” até os anos 1960), offside (impedimento, impedido), corner (escanteio), volleybol (voleibol, vôlei), basketball (basquete), surf (surfe) – e tantas outras.

        Centenas delas ficaram bem à vontade quando aportuguesadas: uísque, gol, futebol, lanchonete, drinque, iogurte, chique, conhaque, cachê, omelete, bife, toalete, clube, gangue, ringue, garçom, lorde, picles, filme, time, sanduíche, cachorro-quente, lanche, avião, televisão – e por aí vai.

        Muitas ficaram bem bacaninhas no nosso dia a dia, mesmo usadas do jeito que chegaram: gay, jeans, pizza, show, shopping, tour, ciao, topless, manicure, vitrine...

        Um grande número delas é dispensável, entra na conta dos pedantes, pois para dizer o que elas querem dizer temos boas palavras nossas de uso corrente: sale, off, hair dresser, suv, personal trainer, laundry, pet shop, fast-food, ice, freezer, prêt-à-porter, on-line, mailing list, bullying...

        A leitora lembra o deputado Aldo Rebelo e sua tentativa fracassada de botar o assunto dentro de uma lei. Não dá certo, amiga. Já houve outros. O mais ridicularizado foi o latinista e filólogo carioca Antônio de Castro Lopes, figura da passagem do século XIX para o XX. Na época dele, era da França que vinham os modos, as modas e as palavras que copiávamos. Machado de Assis foi um dos que o ironizaram, numa crônica de 1889. Caiu no ridículo sua tentativa de transformar football em balipodo, abat-jour em lucivelo, piquenique em convescote, chauffeur em cinesíforo... – palavras que acabaram aportuguesadas pelo som, felizmente.

        O povo falante há de peneirar o que merecer permanência.

ÂNGELO, Ivan. Revista Veja. São Paulo: Abril, 25 maio 2011. Disponível em: http://vejasp.abril.com.br/matéria/palavras-emprestadas. Acesso em: 30 nov. 2015.

             Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 227-8.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Visionário: aquele que tem sonhos, utopias.

·        Aldo Rebelo: político que, como deputado federal, apresentou em 1999 um projeto de lei que proibiria o uso de palavras estrangeiras em diversas situações.

·        Pedante: pessoa que se expressa exibindo conhecimentos que realmente não possui; vaidosa, pretensiosa, afetada.

·        Estadão: como é conhecido, popularmente, o jornal O Estado de S. Paulo.

02 – Você sabe o que é estrangeirismo? E neologismo?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – Como e por que motivo os neologismos se formam ou são criados? Você conhece algum? Qual?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – É possível que uma língua se forme sem a incorporação de termos estrangeiros?

      Resposta pessoal do aluno.

05 – O uso de palavras estrangeiras é positivo ou negativo para o nosso idioma?

      Positivo, porque enriqueci a língua.

06 – Responda:

a)   Qual é o tema dessa crônica?

O uso de termos estrangeiros em nossa língua: pontos positivos e negativos.

b)   O que motivou a escrita da crônica?

Uma carta em que uma leitora (Mafalda) solicita que o cronista se posicione a respeito do uso de estrangeirismos em nossa língua.

07 – Releia:

        Visionária, a leitora sonhava que eu pudesse contribuir para “mudar o uso do inglês nas ruas”, motivar algum político “a comprar essa briga” [...].

a)   Nesse trecho, qual é o sentido da palavra visionária?

No trecho, visionária tem o sentido de sonhadora, devaneadora, utópica.

b)   Baseando-se naquilo que você já aprendeu a respeito o processo de evolução da língua, explique por que o cronista pode ter caracterizado a leitora dessa forma.

O cronista considera a leitora visionária porque sabe que é impossível impedir a evolução da língua. A incorporação de palavras de outro idioma à língua acontece de forma natural e não pode ser regulada por meio de leis, de decretos ou mesmo da emissão de opiniões de especialistas sobre o assunto.

08 – Segundo o cronista, que relação se pode estabelecer entre os comerciantes da Rua Oscar Freire e os grafiteiros?

      Ambos buscam atingir determinado grupo social (público-alvo) por meio de uma linguagem bem específica.

09 – O cronista expõe seu posicionamento e apresenta argumentos para sustentá-lo.

a)     Qual é a posição do cronista em relação ao uso de estrangeirismos? Que argumentos ele usa para defender sua posição?

O cronista aceita o uso de estrangeirismos com maturidade. Segundo ele, os estrangeirismos são usados por necessidade, quando não há um vocábulo equivalente na língua, ou por modismo ou pedantismo, nos casos em que há vocábulo equivalente.

b)     O cronista condena o uso de estrangeirismos em alguma situação? Justifique.

Não. Ele respeita até quem os usa por pedantismo ou modismo. Em casos em que são necessários, os estrangeirismos contribuem para o enriquecimento da língua.

10 – Em 1943, época em que o cronista se alfabetizou, havia cerca de 40 mil palavras na língua portuguesa, segundo Domício Proença Filho. Hoje, são mais de 400 mil palavras dicionarizadas. A que o autor da crônica atribui o aumento de vocábulos em nossa língua?

      Segundo o cronista, as palavras surgem com os novos hábitos da população, as inovações tecnológicas, as migrações, as gírias, os estrangeirismos.

11 – Releia o trecho a seguir e explique-o no caderno:

        “Havia inevitáveis que acabaram se adaptando. Já tivemos goal-keeper (goleiro), goal (gol; o Estadão escrevia “goal” até os anos 1960), offside (impedimento, impedido), corner (escanteio), volleybol (voleibol, vôlei), basketball (basquete), surf (surfe) – e tantas outras.”

      As palavras estrangeiras são incorporadas à língua e acabam sendo aportuguesadas.

12 – A crítica ao uso de estrangeirismos é recente? Justifique sua resposta.

      Não. O cronista cita o latinista e filólogo carioca Antônio de Castro Lopes, figura da passagem do século XIX, que propôs a substituição de palavras estrangeiras por palavras da língua portuguesa. Cita também o projeto do político Aldo Rebelo (SP), que quando deputado tinha o mesmo objetivo e fracassou em seus intentos.

13 – De acordo com a crônica, o que determina a permanência ou não de estrangeirismos na língua?

      É o seu uso ou não pelos falantes da língua: o povo. “O povo falante há de peneirar o que merecer permanência.”

 


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