Palestra: Manual de instrução para o uso da liberdade – Fragmento
João Augusto Pompeia
Bom dia a todos. Ahn... é um prazer tá
aqui de volta. Eu tive aqui há umas... quatro semanas atrás falando pra pais.
[...] É uma experiência nova para mim falar pra pessoas na faixa de idade de
vocês. Eu, em geral, tenho como interlocutores pessoas mais velhas. Então,
vocês, ahn..., por favor, me desculpem se eu ficar um pouco mais formal do que
vocês tão acostumados a se relacionar, né?
[...] Por que falar deste tema agora
para vocês, né? E a razão disso é exatamente o momento de vida que vocês estão
vivendo. Vocês estão começando a exercer uma liberdade que tende a se ampliar
aí nos próximos anos. Vocês estão na iminência de começar a tomar algumas
decisões que têm implicações pro resto da vida de vocês, como a escolha da
profissão, e acho que, por isso, nesse momento, pensar um pouquinho sobre
o uso da liberdade pode ser uma coisa interessante, né?
E acho que a gente tinha que começar
primeiro dando uma caracterização, não exatamente uma definição precisa, mas
uma caracterização do que que eu tô chamando de “liberdade”. É uma palavra que
vai ter muitos significados. E eu queria tomar uma... uma referência, né?, bem
simples, e aí eu recorri inclusive a Aristóteles, embora ele seja um autor
complexo, à definição que ele dá a uma certa altura. Ele diz assim: “Liberdade
é uma pessoa poder fazer o que quer”.
Essa definição, ela é bastante concreta
e bastante simples, né? E parece que satisfaz, pelo menos num primeiro momento.
E você poder fazer o que quer é aquilo que é caracterizado pelo fato de
você ter liberdade, mas você usar a liberdade é diferente de você ter a
liberdade. Porque você ter a liberdade é você PODER fazer o que quer; você usar
a liberdade é você FAZER o que quer, né? E como o número das possibilidades que
a gente tem é muito maior do que o número de coisas que a gente de fato chega a
fazer, quando você vai usar a liberdade, quando você vai passar do TER
LIBERDADE pra condição de SER LIVRE, você necessariamente tem que escolher,
né?
Então, o uso da liberdade impõe que
necessariamente vocês façam a escolha. Se vocês entram num restaurante, pegam
um cardápio, no cardápio tem trinta pratos que vocês podem comer... Vocês não
vão comer os trinta pratos, por isso vocês têm que escolher um prato, né?, pra
comer. Algumas vezes, nas discussões entre os filósofos aparece isso. Se a
gente fosse imortal, se a gente vivesse num tempo infinito, a escolha da
profissão, por exemplo, seria só uma escolha de ordem. Que profissão você quer
ser primeiro? Porque, pra quem não vai morrer nunca, com o passar do tempo você
acabaria fazendo todas as profissões.
O diabo é que nós somos mortais,
nós temos um tempo limitado, e esse tempo limitado impõe que as escolhas
ganhem uma radicalidade muito grande. Quando você escolhe alguma coisa, você,
na verdade, abre mão das demais. Então isso torna a escolha uma coisa bastante
complicada.
Por isso eu pensei já alguns anos atrás
em tentar organizar um manual de instrução pro uso da liberdade, né? Para
aqueles que estão começando a exercer a liberdade, que aspectos deveriam ser
trazidos na presença... pra que o uso da liberdade fosse o melhor possível.
Ahn... esse manual não é uma determinação, esse manual não diz o que que vocês
devem fazer, ou como vocês devem usar. Apenas levanta algumas questões que estão
envolvidas no uso da liberdade concretamente. E na primeira folha do manual tem
uma advertência. E a advertência diz assim: “Atenção: a má utilização do
produto pode acarretar danos irreparáveis ao mesmo”. Quando vocês usam a
liberdade de vocês pra escolher certas opções, vocês põem em risco a liberdade
de vocês, né? A experiência concreta, por exemplo, do... do uso de drogas
que desenvolvem dependência. Se [...] você usa droga e se torna dependente,
você teve uma severa perda de liberdade, porque o dependente químico é
severamente limitado na sua liberdade. Da mesma forma, se você bebe bastante e
pega sua moto para ir passear, a chance que você tem de ganhar, né?, uma
lesão às vezes com caráter irrecuperável pro resto da vida e, portanto, uma
privação radical de liberdade é, às vezes, bastante grande. Por isso, é
conveniente que pra usar a liberdade algumas questões tenham sido refletidas.
[...]
Então, a primeira coisa que eu
queria... quando você for usar a liberdade lembra do seguinte: ser livre não é
só você fazer o que quer, é também você poder continuar querendo o que você
fez. Porque quando, no desdobrar do tempo, você não quer mais ter feito o
que você fez, você vai descobrir que o seu pior carcereiro é você mesmo. E isso
é extremamente frustrante, isso é extremamente pesado, e por isso o exercício
da liberdade obriga você a compreender a vida numa visão que vai pra além do
imediato.
[...]
POMPEIA, Guto.
Palestra proferida em maio de 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LLk4jGEFP7s. Acesso em: 24 nov. 2015.
Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na
língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição
– São Paulo, 2016 – Moderna – p. 169-171.
Entendendo a palestra:
01 – A liberdade é o tema da
palestra.
a) Segundo o texto, qual é a preocupação imediata dos alunos que assistem à palestra?
A escolha profissional.
b) De que maneira o palestrante vincula essa preocupação ao tema de sua fala?
A escolha profissional é um exercício de liberdade que pressupõe a
abdicação de outras possibilidades e, por isso, exige reflexão.
c) Que outro tema relativo à vida do jovem também foi associado à questão da liberdade? Explique como tal associação foi realizada.
O palestrante associou o tema da liberdade ao uso
de drogas, cujas consequências podem restringir severamente a liberdade do
usuário.
02 – Segundo o
palestrante, por que o tema da liberdade está diretamente relacionado ao tema
da escolha?
O palestrante
desenvolve a ideia de que as pessoas têm a liberdade de escolher, mas só
são efetivamente livres quando realizam esse ato.
03 – O palestrante afirma
ter organizado um “manual de instrução para o uso da liberdade”.
a) Por que o uso do gênero “manual de instrução” parece conflitar com sua proposta?
Segundo o palestrante, sua intenção com o manual de instrução
não é ditar orientações, o que contrasta com as características desse gênero.
O manual de instrução é um gênero textual voltado a apresentar
explicações de como usar, manter ou fazer algo. É bastante comum nesse
gênero o emprego de verbos no imperativo ou no infinitivo com valor de
imperativo, já que o texto é injuntivo, ou seja, destinado a indicar
procedimentos.
b) O palestrante está ciente de que as características do gênero não se aplicam integralmente ao seu objetivo? Justifique.
Sim. Ele explicita isso ao introduzir uma ressalva: “esse manual não
é uma determinação, esse manual não diz o que que vocês devem fazer, ou
como vocês devem usar”.
c) No texto da advertência — “Atenção: a má utilização do produto pode acarretar danos irreparáveis ao mesmo” —, a que se refere o termo “produto”? Justifique.
“Produto” refere-se a “liberdade”. O manual dedica-se a explicar
como usar a liberdade.
04 – Releia o final do
texto.
“[...]
e por isso o exercício da liberdade obriga você a compreender a vida numa visão
que vai pra além do imediato.”
a) Esse
comentário alude a uma importante característica do adolescente. Qual?
A tendência a se preocupar apenas
com o momento presente, desconsiderando as questões futuras.
b) Qual
seria a intenção do palestrante ao concluir a primeira parte de sua exposição
com essa reflexão?
Resposta pessoal do aluno.
Sugestão: É importante que o aluno associe a discussão sobre liberdade e visão
de futuro ao tema da escolha, tratado para abordar a escolha profissional.
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