Cordel: O dinheiro ou O testamento do cachorro – Fragmento
Leandro Gomes de Barros
[...]
Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
-- Mim enterra essa cachorra
Inda que gaste um milhão!
Foi ao vigário e disse:
-- Morreu cachorra de mim
E urubu do Brasil
Não poderá dar-lhe fim
-- Cachorro deixou dinheiro?
Perguntou vigário assim.
-- Mim quer enterrar cachorra!
Disse o vigário: – Ó inglês
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: – O cachorra
Gasta tudo desta vez.
-- Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou!
Antes do inglês findar
O vigário suspirou:
-- Coitado!, disse o vigário
De que morreu este pobre?
Que animal inteligente
Que sentimento tão nobre
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre!
-- Leve-o para o cemitério
Que o vou encomendar
Isto é, traga o dinheiro
Antes dele se enterrar!
Estes sufrágios fiados
É factível não salvar.
E lá chegou o cachorro
O dinheiro foi na frente
Teve momento o enterro
Missa de corpo presente
Ladainha e seu rancho
Melhor do que certa gente.
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigário tinha feito
O enterro do cachorro
Que não era de direito
O bispo aí falou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
Mandou chamar o vigário
Pronto, o vigário chegou:
-- Às ordens, sua excelência!
O bispo lhe perguntou:
-- Então que cachorro foi
Que Seu vigário enterrou?
-- Foi um cachorro importante
Animal de inteligência
Ele antes de morrer
Deixou a Vossa Excelência
Dois contos de réis em ouro
Se errei, tenha paciência!
-- Não foi erro, Seu vigário
Você é um bom pastor
Desculpe eu incomodá-lo
A culpa é do portador
Um cachorro como este
Já vê que é merecedor!
[...]
BARROS, Leandro Gomes
de. O dinheiro. Recife: [s. n.], 1909. Folheto de Cordel. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=RuiCordel&pasta=&pesq=LC6074&pagfis=348.
Acesso em: 1° jul. 2020.
Fonte: Língua
Portuguesa – Estações – Ensino Médio – Volume Único. 1ª edição, São Paulo, 2020
– editora Ática – p. 100-1. Fragmento.
Entendendo o cordel:
01 – Qual é a situação
apresentada nesse trecho do cordel?
No trecho do
cordel, participam da cena o inglês, dono do cachorro falecido, o vigário e o
bispo. Na cena, o inglês vai ao vigário pedir que seu cachorro seja enterrado
como se fosse gente. O vigário rechaça o pedido, até que o inglês lhe oferece
dinheiro. O Vigário é denunciado ao bispo, que vai tomar satisfação com ele,
mas a reprimenda só dura até o momento em que o padre oferece dinheiro ao
superior.
02 – Como se pode
interpretar o “suspiro” do vigário na quarta estrofe?
O suspiro indica
uma falsa expressão de resignação do padre, que, na verdade, estava aliviado em
saber que receberia dinheiro do inglês para realizar o enterro do cachorro.
03 – O bispo muda de opinião
sobre o enterro do cachorro no decorrer do texto. No que consiste essa mudança?
O bispo começa
achando um absurdo realizar o enterro do cachorro, pois não estaria de acordo
com os dogmas da Igreja, mas, quando entende que haverá um bom pagamento pelo
“serviço”, ele muda de tom e enaltece o cachorro, deixando claro que o animal
merece esse tipo de tratamento.
04 – O que há de ridículo e
engraçado nessa situação descrita no cordel?
O ridículo está
no fato de o cachorro ser enterrado “melhor do que certa gente”, isto é, melhor
do que os mais pobres, que não têm como pagar os serviços da Igreja. Outro fato
é o padre aceitar fazer o enterro por dinheiro e o bispo concordar. O humor
aparece exatamente ao mostrar essas personagens nessas situações ridículas.
05 – A sátira é um
procedimento em que se ridicularizam os vícios ou as imperfeições de
determinado indivíduo ou instituição, geralmente como forma de denúncia. Nesse
cordel, a sátira é feita em relação a que instituição?
Ao ridicularizar o padre e o bispo, o
cordel acaba fazendo uma crítica à Igreja, denunciando a corrupção presente na
instituição.
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