Poema: O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros,
Memórias inventadas – A infância. São Paulo: Planeta, 2003. p. IX.
Fonte: Língua
Portuguesa – Estações – Ensino Médio – Volume Único. 1ª edição, São Paulo, 2020
– editora Ática – p. 54-6.
Entendendo o poema:
01 – Você conhece Manoel de
Barros? Já leu algum poema desse escritor?
Resposta pessoal
do aluno.
02 – A que ou a quem você
acha que o título do poema se refere?
Resposta pessoal do aluno.
03 – O eu lírico afirma que
seu objetivo, ao escrever poemas, é compor silêncios. Para você, qual é o
sentido dessa afirmação?
Resposta pessoal
do aluno.
04 – O eu lírico fala sobre
a matéria-prima de seus poemas: as palavras.
a) Explique por que o eu lírico diz que não gosta “das palavras fatigadas de informar”.
O eu lírico não gosta de usar as palavras com seus significados
“dicionarizados”, por isso diz não gostar das palavras “fatigadas de informar”.
A expressão “palavras de informar” refere-se à linguagem denotativa, usada em
textos cuja função é preferencialmente explicar, definir algo, sugerir ou
instruir.
b) De que palavras o eu lírico gosta? Por quê?
O eu lírico gosta de palavras “que vivem de barriga no chão / tipo
água pedra sapo”, ou seja, rasteiras, simples, ligadas à terra. O eu lírico valoriza
a natureza e o mundo natural.
05 – Qual é o sentido do
verso “Entendo bem o sotaque das águas”?
De que maneira esse verso se relaciona à
ideia “dar respeito às coisas desimportantes”?
Entender bem o
sotaque das águas é saber contemplar a natureza, é conhece-la bem, ser íntimo
dela. Na sociedade contemporânea, esse estado contemplativo é considerado
desimportante, sem utilidade, uma perda de tempo.
06 – O eu lírico diz
preferir a velocidade das tartarugas à dos mísseis; os insetos aos aviões.
a) Que valores ele defende ao fazer essas afirmações?
O eu lírico inverte a lógica do seu tempo, que valoriza a
velocidade, a tecnologia; por isso a referência aos mísseis e aos aviões.
Usando a lógica inversa, ele preza o tempo da contemplação, que deve ser lento,
que se arrasta, e a conexão com o mundo natural e simples.
b) Você se identifica com essa perspectiva de mundo? No lugar e no tempo em que você vive, acha que esses são valores predominantes? Explique.
Resposta pessoal do aluno.
07 – Releia os versos:
“Tenho
em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.”
a) A palavra atraso geralmente tem conotação negativa. Nesses versos, ela foi usada em sentido negativo? Explique.
Não. No poema, a palavra atraso
é usada para definir um tempo diferente, um ritmo mais lento, que é o do eu
lírico. Ao usar esse termo, o eu lírico nos induz a questionar o tempo
desnecessariamente acelerado da vida contemporânea.
b) De que maneira esses versos estão ligados ao contexto de vida do poeta Manoel de Barros?
Os versos estão ligados ao fato de o poeta ser um homem do Pantanal,
de ter optado por voltar à zona rural e viver como criador de gado. Dessa
forma, o poeta passou grande parte da vida em contato direto dom a natureza e
os animais.
08 – Explique o sentido do
verso “Meu quintal é maior do que o
mundo”.
Ao informar que seu quintal é maior do
que o mundo, o eu lírico mostra que, para ele, as “miudezas” do quintal são
mais importantes e, portanto, maiores do que qualquer outra coisa. As
“inutilidades”, os seres e as coisas “desimportantes” de seu quintal são seu
universo particular e a matéria de sua poesia.
09 – Releia os versos de “O apanhador de desperdícios”.
a) A quem “O apanhador de desperdícios” se refere? Justifique.
Refere-se ao eu lírico. No verso “Sou um apanhador de
desperdícios:”, isso fica explícito.
b) A resposta à questão anterior confirma a hipótese que você levantou antes de ler o poema?
Resposta pessoal do aluno.
10 – Releia os quatro
últimos versos do poema do Manoel de Barros. O eu lírico deseja que sua voz
tenha um formato de canto. Para você, o que isso significa? De que maneira esse
desejo está ligado ao fato de o eu lírico afirmar não ser da informática, mas
da “invencionática”?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: O canto está ligado às artes, ao trabalho artístico da voz,
assim como o poema está ligado ao trabalho artístico e criativo com as
palavras, ou seja, ao trabalho da “invencionática”, da invenção, da
subjetividade, em contraposição ao da informática, que tem uma linguagem
objetiva, exata.
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