Crônica: Conversinha mineira
Fernando Sabino
-- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu
amigo?
-- Sei dizer não senhor: não tomo café.
-- Você é dono do café, não sabe dizer?
-- Ninguém tem reclamado dele não senhor.
-- Então me dá café com leite, pão e
manteiga.
-- Café com leite só se for sem leite.
-- Não tem leite?
-- Hoje, não senhor.
-- Por que hoje não?
-- Porque hoje o leiteiro não veio.
-- Ontem ele veio?
-- Ontem não.
-- Quando é que ele vem?
-- Tem dia certo não senhor. Às vezes
vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.
-- Mas ali fora está escrito
"Leiteria"!
-- Ah, isso está, sim senhor.
-- Quando é que tem leite?
-- Quando o leiteiro vem.
-- Tem ali um sujeito comendo coalhada.
É feita de quê?
-- O quê: coalhada? Então o senhor não
sabe de que é feita a coalhada?
-- Está bem, você ganhou. Me traz um
café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui
na sua cidade?
-- Sei dizer não senhor: eu não sou
daqui.
-- E há quanto tempo o senhor mora
aqui?
-- Vai para uns quinze anos. Isto é,
não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.
-- Já dava para saber como vai indo a
situação, não acha?
-- Ah, o senhor fala da situação? Dizem
que vai bem.
-- Para que Partido?
-- Para todos os Partidos, parece.
-- Eu gostaria de saber quem é que vai
ganhar a eleição aqui.
-- Eu também gostaria. Uns falam que é
um, outros falam que outro. Nessa mexida...
-- E o Prefeito?
-- Que é que tem o Prefeito?
-- Que tal o Prefeito daqui?
-- O Prefeito? É tal e qual eles falam
dele.
-- Que é que falam dele?
-- Dele? Uai, esse trem todo que falam
de tudo quanto é Prefeito.
-- Você, certamente, já tem candidato.
-- Quem, eu? Estou esperando as
plataformas.
-- Mas tem ali o retrato de um
candidato dependurado na parede, que história é essa?
-- Aonde, ali? Ué, gente: penduraram
isso aí...
Fernando Sabino. A
mulher do vizinho. 15. ed. Rio de Janeiro: Record, 1988. p. 136-138.
Fonte: Livro Língua Portuguesa –
Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 298-300.
Entendendo a crônica:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado da palavra agarantir?
Variedade
regional da palavra “garantir” usada em alguns locais do interior de Minas
Gerais, de São Paulo, de Goiás, etc.
02 – Em relação ao
envolvimento de cada um dos interlocutores no diálogo, no caderno, indique:
(1) Para o dono da leiteira.
(2) Para o freguês.
a) Não é cooperativo. (1).
b) Não se dispõe à interação com o outro. (1).
c) Recusa-se a interpretar o sentido da fala do outro. (1)
d) Faz perguntas inadequadas porque não leva em conta a reação de desagrado do outro. (2).
e) Duvida da informação do outro. (2).
03 – Escolha a alternativa
que não explica o insucesso na busca
de interação.
a) As falas ficaram isoladas. Cada fala só fez sentido para quem a proferiu.
b) Um dos interlocutores não tinha conhecimentos linguísticos suficientes para entender o sentido da fala do outro.
c) Não houve aceitação, cooperação e disponibilidade de um dos interlocutores.
d) A fala de um dos interlocutores foi inadequada, pois não levou em consideração a situação do outro: profissão, local de trabalho, questões culturais.
e) Um dos interlocutores não quis se comprometer e respondeu de forma vaga.
04 – Qual é a relação entre
o título da crônica e o tema por ela abordado?
A opinião do
senso comum, que considera os mineiros pessoas introspectivas, que falam pouco
e preferem não revelar suas opiniões.
05 – Com que objetivo o freguês
usou os seguintes recursos: o vocativo meu
amigo, o pronome de tratamento você
e o diminutivo cafezinho?
Para se aproximar
do interlocutor. Esses recursos em geral facilitam a interação entre os
interlocutores.
06 – Qual dos interlocutores
usou a forma de tratamento mais cerimoniosa? Qual foi a forma usada? Com que
intenção?
O dono da
leiteira usou o pronome de tratamento senhor
para indicar distanciamento.
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