domingo, 7 de agosto de 2022

CRÔNICA: CONVERSINHA MINEIRA - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: Conversinha mineira

               Fernando Sabino

        -- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?

        -- Sei dizer não senhor: não tomo café.

        -- Você é dono do café, não sabe dizer?

        -- Ninguém tem reclamado dele não senhor.

        -- Então me dá café com leite, pão e manteiga.

        -- Café com leite só se for sem leite.

        -- Não tem leite?

        -- Hoje, não senhor.

        -- Por que hoje não?

        -- Porque hoje o leiteiro não veio.

        -- Ontem ele veio?

        -- Ontem não.

        -- Quando é que ele vem?

        -- Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.

        -- Mas ali fora está escrito "Leiteria"!

        -- Ah, isso está, sim senhor.

        -- Quando é que tem leite?

        -- Quando o leiteiro vem.

        -- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?

        -- O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?

        -- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?

        -- Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.

        -- E há quanto tempo o senhor mora aqui?

        -- Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.

        -- Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?

        -- Ah, o senhor fala da situação? Dizem que vai bem.

        -- Para que Partido?

        -- Para todos os Partidos, parece.

        -- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.

        -- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que outro. Nessa mexida...

        -- E o Prefeito?

        -- Que é que tem o Prefeito?

        -- Que tal o Prefeito daqui?

        -- O Prefeito? É tal e qual eles falam dele.

        -- Que é que falam dele?

        -- Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é Prefeito.

        -- Você, certamente, já tem candidato.

        -- Quem, eu? Estou esperando as plataformas.

        -- Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede, que história é essa?

        -- Aonde, ali? Ué, gente: penduraram isso aí...

Fernando Sabino. A mulher do vizinho. 15. ed. Rio de Janeiro: Record, 1988. p. 136-138.

             Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 298-300.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado da palavra agarantir?

      Variedade regional da palavra “garantir” usada em alguns locais do interior de Minas Gerais, de São Paulo, de Goiás, etc.

02 – Em relação ao envolvimento de cada um dos interlocutores no diálogo, no caderno, indique:

(1)  Para o dono da leiteira.

(2)  Para o freguês.

a)   Não é cooperativo. (1).

b)   Não se dispõe à interação com o outro. (1).

c)   Recusa-se a interpretar o sentido da fala do outro. (1)

d)   Faz perguntas inadequadas porque não leva em conta a reação de desagrado do outro. (2).

e)   Duvida da informação do outro. (2).

03 – Escolha a alternativa que não explica o insucesso na busca de interação.

a)   As falas ficaram isoladas. Cada fala só fez sentido para quem a proferiu.

b)   Um dos interlocutores não tinha conhecimentos linguísticos suficientes para entender o sentido da fala do outro.

c)   Não houve aceitação, cooperação e disponibilidade de um dos interlocutores.

d)   A fala de um dos interlocutores foi inadequada, pois não levou em consideração a situação do outro: profissão, local de trabalho, questões culturais.

e)   Um dos interlocutores não quis se comprometer e respondeu de forma vaga.

04 – Qual é a relação entre o título da crônica e o tema por ela abordado?

      A opinião do senso comum, que considera os mineiros pessoas introspectivas, que falam pouco e preferem não revelar suas opiniões.

05 – Com que objetivo o freguês usou os seguintes recursos: o vocativo meu amigo, o pronome de tratamento você e o diminutivo cafezinho?

      Para se aproximar do interlocutor. Esses recursos em geral facilitam a interação entre os interlocutores.

06 – Qual dos interlocutores usou a forma de tratamento mais cerimoniosa? Qual foi a forma usada? Com que intenção?

      O dono da leiteira usou o pronome de tratamento senhor para indicar distanciamento.

 

 

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