domingo, 22 de maio de 2022

ROMANCE: AMOR DE PERDIÇÃO - CAPÍTULO II - CAMILO CASTELO BRANCO - COM GABARITO

 Romance: Amor de perdição Capítulo II

                Camilo Castelo Branco 

        [...] 

        No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes de Simão. As companhias da relé desprezou-as. Saía de casa raras vezes, ou só, ou com a irmã mais nova, sua predileta. O campo, as árvores e os sítios mais sombrios e ermos eram o seu recreio. Nas doces noites de estio demorava-se por fora até ao repontar da alva. Aqueles que assim o viam admiravam-lhe o ar cismador e o recolhimento que o sequestrava da vida vulgar. Em casa encerrava-se no seu quarto, e saía quando o chamavam para a mesa. 

        D. Rita pasmava da transfiguração, e o marido, bem convencido dela, ao fim de cinco meses, consentiu que seu filho lhe dirigisse a palavra. 

        Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezessete anos. 

        Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira pela primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos. 

        Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos. O amor dos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é a tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que a está de fronte próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe. 

        Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma exceção no seu amor. 

        O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivo de litígios, em que Domingos Botelho lhe deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria da fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. 

        [...] 

CASTELO BRANCO, Camilo. Amor de perdição. São Paulo: Ática, 2001.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 37-8.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Alva: primeira claridade da manhã. 

·        Cismador: pensativo. 

·        Declinar: eximir-se, recusar. 

·        Ermo: deserto. 

·        Estio: verão. 

·        Incólume: ileso, livre de dano ou perigo. 

·        Litígio: questão judicial. 

·        Obtemperar: obedecer, pôr-se de acordo. 

·        Pasmar: admirar-se de algo. 

·        Relé: ralé; a camada mais baixa da sociedade. 

·        Transfiguração: transformação na maneira de pensar e proceder. 

02 – Segundo o texto, que grande transformação o amor provocou em Simão? 

      Simão deixou de ser um rapaz intempestivo e baderneiro e passou a se dedicar a seus pensamentos, a seus afazeres pessoais. Passava mais tempo em casa, quando saía, ia a lugares mais calmos. 

03 – O que essa alteração de comportamento revela sobre o novo estado de espírito de Simão? 

      Simão encontra-se enamorado; seus pensamentos são totalmente ocupados pela pessoa que motiva esse sentimento. Tal é o seu estado de paixão que nenhuma outra sensação consegue distraí-lo. 

04 – Leia: 

        "[...] O campo, as árvores e os sítios mais sombrios e ermos eram o seu recreio. Nas doces noites de estio demorava-se por fora até ao repontar da alva. [...]" 

        O espaço é fundamental em uma narrativa não só porque determina muitas das ações das personagens, mas porque pode revelar seu estado de espírito. Por que os novos espaços por onde circula Simão são coerentes com sua transformação? 

      Porque são espaços de recolhimento, de solidão, apropriados à vivência de um sentimento intenso, que modifica e arrebata a personagem. 

05 – Explique o que é, segundo o narrador, o amor dos 15 anos. 

      É uma brincadeira que se pode realizar em segurança.

06 – Por que Teresa de Albuquerque é uma exceção em seu amor? 

      Porque a paixão que ela sente em hipótese alguma pode ser vivida em segurança, uma vez que a sua família e inimiga da de seu amado. Trata-se, portanto, de um sentimento arriscado, de uma ousadia. 

 

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