Poema: O Marruêro
Catulo da Paixão Cearense
[...]
Lá, pras banda onde eu nasci,
Já se falava do amô:
todas as boca dizia
que era farso e matadô!
[...]
Nas marvadage do Amô
não hay cabra que não caia,
quando o diabo tira a roupa,
tira o chifre e tira o rabo
pra se visti c’uma saia!
Se adisfoiando no samba,
cantando uma alouvação,
eu vi a frô dos caborge
das morena do sertão!
Trazia dento dos oio
istrepe e mé, cumo a abeia!
Oiou-me cumo uma onça!...
E, ao despois, cumo uma oveia!
Aqueles oio xingoso,
eu confesso a vasmincê,
ruía a gente pru dento
que nem dois caxinguelê!
[...]
Pru mode daqueles oio,
dois marvado mucuim,
um violero, afulemado,
partiu pra riba de mim!
Temperei minha viola,
intrei logo a puntiá,
e ambos os dois se peguemo,
n’um disafio, ao luá!
[...]
Só despois que nestas corda
fiz pinto cessá xerém,
vi que o bichão se chamava:
— Manué Joaquim do Muquém!
Manué Joaquim era um cabra
naturá de Piancó!...
Quando gimia no pinho,
chorava, cumo um jaó!
Eu, marruêro, arrespundia
nestas corda de quandu,
e os acalanto se abria,
cumo as frô do imbiruçu!
Foi despois do disafio,
quando eu saí vencedô,
que os canto e os gemê dos pinho
n’um turumbamba acabou!!
Inquanto nós dois cantava,
sem ninguém tê dado fé,
tinha fugido a caboca
cum o Pedro Cachitoré!!!
[...]
Tinha fugido, marruêro,
aquela frô dos meus ai,
cumo uma istrela que foge,
sem se sabê pra onde vai!!!
[...]
Alegre, passava um bando
das verde maracanã!...
Fermosa, cumo a caboca,
vinha rompendo a minhã!
[...]
Eu tinha o corpo fechado
pra tudo o que é marvadez!
Só de surucucutinga
eu fui murdido três vez!...
Tando cum o corpo fechado,
pras feitiçage do Amô,
pensei que eu tava curado!
[...]
Pra riba de mim, Deus pode
mandá o que ele quizé!
O mundo é grande, marruêro!...
Grande é o amô!... Grande é a fé!...
Grande ó o pudê de Maria,
isposa de São José!...
O Diabo, o Anjo mardito,
foi grande!... Cumo inda é!!
Mas porém, nada é mais grande,
mais grande que Deus inté,
que uma chifrada, marruêro,
dos oio d’uma muié!!!
CEARENSE, Catulo da Paixão. Meu
sertão. 15. ed. Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1967. p. 61-71.
Fonte: Livro – Viva
Português 1° – Ensino médio – Língua portuguesa – 2ª edição 1ª impressão – São
Paulo – 2014. p. 79-81.
Entendendo o poema:
01 – No caderno, responda:
Qual é o assunto do texto lido?
Sofrimento por um
amor não correspondido.
02 – Considerando apenas o
eu lírico desse texto, explique como ele é?
O eu lírico é um
homem, um violeiro apaixonado.
03 – O eu lírico do texto
poético de Catulo da Paixão Cearense se dirige a um amigo usando qual pessoa
gramatical? Justifique com palavras do texto.
Usa a 2ª pessoa do plural – vasmincê.
04 – Ao dirigir-se a seu
interlocutor, o eu lírico do texto lido faz uma evocação. Escreva as palavras,
ou a expressão, usadas para fazê-la em cada texto.
Senhor Fremosa,
Marruêro, vasmincê.
05 – Há no texto palavras
que são grafadas de acordo com o modo como são faladas em diferentes regiões do
país. O autor rima-as entre si ou com palavras grafadas tal qual a
variedade-padrão da língua. Cite pelo menos três casos dessas ocorrências.
Amô/matado; abeia/oveia;
vasmincê/caxinguelê; puntiá/luá; malvadez/vez; quizé/fé; inté/muié.
06 – O texto poético de
Catulo da Paixão Cearense, escrito no século XX, tem semelhanças com as
cantigas do século XIII, ligando-se a elas por diversas tradições populares.
Você diria que a linguagem usada nele pode ser vista apenas como uma forma
incorreta de se escrever? Explique a importância dessas questões para o texto
poético.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: A linguagem de Catulo é bastante rica e adequada ao
contexto em que é utilizada. Sua ligação com as cantigas demonstra um grande
valor cultural não desfeito pelo tempo. A relação entre a grafia das palavras
do poema e as normas urbanas de prestígio tem pouco ou nenhum valor, pois o uso
dessa grafia no texto é adequado e significativo como recurso sonoro e lírico,
elementos característicos dessa poesia popular, mostrando a riqueza expressiva
com que o tema é tratado.
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