domingo, 15 de maio de 2022

ROMANCE (FRAGMENTO): SINHÁ-MOÇA - COM GABARITO

 ROMANCE(FRAGMENTO): Sinhá-Moça

        [...]

        Na fazenda de Araruna os preparativos para o casamento de Sinhá-Moça e Rodolfo iam adiantados. Os cativos que tinham saído da prisão e voltado à casa-grande trabalhavam felizes por amor de sua sinhazinha. Naquela tarde, chegando à fazenda, Frei José observou a mudança e isso ainda lhe deu maiores forças para trabalhar em prol da abolição.

        Nesse mesmo dia, chegou o vestido para os esponsais. Era de gaze todo trabalhado, com uma roda de muitos, muitos metros, todo forrado de tafetá. O véu era de rendas de Bruxelas, e presente da mãe de Rodolfo. Fora seu. Parecia um sonho de rendas. Ao ver a “toilette” nupcial, o próprio Frei José se deslumbrou...

        – Como Sinhá-Moça ficará linda no grande dia!

        Afinal a manhã esperada surgiu tocada de poesia, trescalante de flores de laranjeira. Fazia um grande sol. As andorinhas trissavam no azul, sobre o terreiro. Frei José, paramentado com as roupas de seda e brocados, estava ajoelhado na capelinha da fazenda. Rezava pela felicidade de Sinhá-Moça, o anjo bom dos escravos. No terreiro, nas senzalas, por todos os cantos da fazenda de Araruna só se ouviam os escravos a abençoarem Sinhá-Moça. A noiva, auxiliada por D. Cândida, pela mãe de Rodolfo e pela mucama Virgínia, começou a preparar-se. Puseram-lhe sobre os cabelos cor de ouro a grinalda de flores de laranjeira. O véu de renda, envolvendo-a, era como uma imensa promessa de felicidade.

        No entanto, seu coração era como uma rola assustada. No meio daquela alegria, a moça pensava no sofrimento de Justino. Por isso, não podia ser inteiramente feliz. Por que motivo Rodolfo, que se dizia tão seu amigo, a iludira até à última hora? Por que a fizera crer que o escravo seria posto em liberdade antes do casamento? Quem sabe se o pobre Rodolfo estaria sofrendo a sua decepção?

        Aproximava-se a hora marcada para o casamento. Neste momento, porém, na sala de visitas, o Dr. Fontes recebia a visita do Juiz de Direito... Os dois homens se encontravam com visível agrado. Pouco depois, transbordando de alegria, o pai de Rodolfo dirigia-se ao quarto de Sinhá-Moça...

        – Vejam! Leiam! Justino foi perdoado! Justino foi perdoado!

        – Virgínia, Justino... Justino foi perdoado!

        – Bendito seja Nosso Sinhô! É milagre, sinhazinha! Milagre que Nosso Sinhô feis pru mode primiá a santinha dus escravo! Agora, sim, posso morrê feliz...

        O órgão da fazenda, depois de dormir tantos anos num canto da capela, acordara, de repente, para se fazer ouvir numa dulcíssima “Ave-Maria”. O pequeno templo familiar estava à cunha. Fora, estavam os escravos, numa alegria profunda e sincera. A cerimônia prosseguia. Depois de uni-los perante Deus, Frei José, como é costume em tais casos, proferiu algumas palavras...

        – Aqui está a bondade. É a bondade que Deus quis premiar. Esta moça tão simples, que eu conheci pequenina, que tive a felicidade de preparar para a primeira comunhão, que acompanhei ao longo da adolescência e que hoje tenho a graça de unir ao homem digno e probo que é o Doutor Rodolfo Fontes. Com a realização de seu casamento assiste ela mesma à recompensa dos benefícios que tem espalhado entre os humildes. Nunca fez distinção entre grandes e pequenos; entre pobres de espírito e homens de inteligência. A todos estende a sua mão protetora, desanuviando os semblantes, alegrando os corações...

        D. Cândida, consternava, pensava no seu infeliz marido; ele bem poderia estar ao seu lado, compartilhando a ventura da filha.

        Terminada a solenidade do casamento, Rodolfo beijou ternamente Sinhá-Moça. Pouco a pouco foi-se desfazendo o ajuntamento da capela. O órgão calou-se no seu canto. A “Ave-Maria” dissolveu-se no silêncio.

        Dali a pouco, estavam sós. Desceram a escada de pedra e entraram no jardim. Sobre ele, havia uma janela. Lá dentro erguiam-se vozes. Brindes, risos álacres, trinclidos de taças.

        – Que ideia foi essa de visitar o jardim antes de nossa partida?

        – Quero que as roseiras, os jasmineiros e os heliotrópios fiquem com inveja de mim. Eu vou levar comigo a mais linda flor que eles possuíam!

        – Repare como tudo o que nos cerca parece estar contente! Como se tornou mais suave, mais harmonioso o murmúrio das águas do regato! As borboletas insistem em aprisionar-se nas volutas do seu véu ne noiva! Querem conhecer, por certo, os segredos do seu coração!

        – Lá estão eles!

        – Os fujões! Depressa, Sinhá-Moça! Venha cortar o bolo! Nós todos estamos aqui à sua espera!

        Na cocheira, Bastião ajudava Dr. Fontes a preparar o trole em que o jovem casal deveria partir dentro de pouco para São Paulo. Sinhá-Moça e Rodolfo passariam a lua-de-mel na chácara dos Buenos, velhos amigos da família.

        – Minha amada... Três horas da tarde. Meu pai já me fez sinal de que devemos partir. Despeça-se apenas dos nossos, de Virgínia, e fujamos, como pássaros livres. Vá se preparar. Guardarei eternamente na retina sua imagem neste vestido... Quero tê-lo como relíquia. Em nossa velhice recordará este dia solene em que me oferece sua mão de esposa!

        Num instante Sinhá-Moça voltava para a companhia de Rodolfo, mas já de roupa mudada.

        – Você está lida, minha mulher! Quanta elegância nesta simplicidade. Que lindo verde! Lembra esmeraldas irisadas de sol e parece ter roubado a cor de seus olhos tão belos...

        – Vassunceis ainda tão ansim? Cunversano? As famia tão tudo esperano, pru mode adispidi... Seu Dotô tá dizeno: “A viagem é cumprida”.

        Finalmente chegou o momento das despedidas. Ao entrarem na grande sala, toda enfeitada de flores, cheia de gente, numa tagarelice de papagaios, como enxames de abelhas, moças e rapazes se puseram a atirar arroz em profusão sobre o casal de noivos. Dentro em pouco não se via mais o lencinho branco de Sinhá-Moça, que se agitava no ar, numa despedida cheia de saudades... Lá se iam, muito longe, quase a perder de vista, venturosos, no seu sonho de amor.

        Cortando estradas, daqui, dali, em busca de melhores caminhos, repousando de quando em vez à beira de um regato amável, ou descansando às vezes num pouso mais convidativo, – sempre encantados com a sua paixão e com a poesia simples e despretensiosa da paisagem – confundiam seu amor, sua paixão, com o amor e a paixão que os pássaros nas ramadas, as cigarras enlouquecidas de prazer, celebravam em meio à natureza virgem despida de preconceitos e de maldade. Enleados, nesse sagrado ambiente, realizavam, eles também, seus mais ardentes anelos... E assim, depois de vários dias, numa troca mútua de desejos e promessas, venceram a jornada.

        [...]

O romance Sinhá-Moça foi quadrinizado, em 1957, pela Editora Brasil-América (revista Edição Maravilhosa, n° 144), com desenhos de André Le Blanc e reeditada em 1986.

Fonte:  Livro – Coleção ALET – Língua Portuguesa – Kátia P. G. Sanches & Sebastião Andreu – 6ª Série – 1ª edição – São Paulo. Ediouro, 2002 – p. 273-7.

Entendendo o texto:

01 – Quais as personagens que aparecem no trecho lido? Quais as características de cada uma?

      Sinhá-Moça: moça que lutava pelo direito dos escravos;

      Dr. Rodolfo Fontes: noivo de Sinhá-Moça;

      Frei José: frei do local, que trabalhava em prol da abolição;

      D. Cândida: mãe de Sinhá-Moça;

      Virgínia: mucama de Sinhá-Moça;

      Justino: escravo;

      Pai de Rodolfo (Dr. Fontes): aparece uma única vez no texto;

      Mãe de Rodolfo, Juiz de Direito e Bastião: foram apenas citados no texto.

02 – Como é a linguagem de Virgínia? Por que é diferente?

      É muito simples. É uma linguagem diferente, pois ela, por ser mucama, provavelmente não teve nenhuma instrução escolar, não sabendo assim ler nem escrever.

03 – Utilizando a lógica e dedução, cite alguns fatos que você acha que ocorreram antes dos acontecimentos narrados no trecho.

      Os escravos passaram por várias situações de injustiça e Sinhá-Moça fez o que pôde para defende-los. Percebe-se que tal injustiça aconteceu com Justino, que foi condenado, porém com o pedido de Sinhá ao seu noivo Rodolfo, foi liberto, bem no dia do seu casamento.

04 – Em que época ocorreu a história? Como você chegou a essa conclusão? Cite alguns exemplos de palavras que comprovam a época.

      A história ocorreu na época da escravidão, porque além do vocabulário, nota-se em alguns trechos a questão da abolição da escravatura. Ex.: “Os cativos que tinham saído da prisão (...). (...) lhe deu maiores forças para trabalhar em prol da abolição”. E, quanto ao vocabulário temos como exemplo: “Milagre que Nosso Sinhô feis pru mode primiá a santinha dus escravo!...”

05 – Quais as características do Romantismo presentes na história em quadrinhos?

      As características são: o sentimentalismo de Sinhá pelos escravos; e a valorização da mulher, já que Sinhá era exaltada e valorizada pelos escravos, devido às suas atitudes em prol deles; o amor vencendo os conflitos e um final feliz.

06 – Qual sua opinião sobre essa história e sobre essa forma de apresentação?

      Resposta pessoal do aluno.  

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