Romance: Amor de perdição Capítulo IV
Camilo Castelo Branco
[...]
Ao romper d’alva, dum domingo de Junho
de 1803, foi Teresa chamada para ir com seu pai à primeira missa da igreja
paroquial. Vestiu-se a menina assustada, e encontrou o velho na antecâmara a
recebe-la com muito agrado, perguntando-lhe se ela se erguia de bons
humores para dar ao autor de seus dias um resto de velhice feliz. O
silencio de Teresa era interrogador.
— Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo
Baltazar, minha filha. É preciso que te deixes cegamente levar pela mão de teu
pai. Logo que deres este passo difícil, conhecerás que a tua felicidade é
daquelas que precisam ser impostas pela violência. Mas repara, minha querida
filha, que a violência dum pai é sempre amor. Amor tem sido a minha
condescendência e brandura para contigo. Outro teria subjugado a tua
desobediência com maus-tratos, com os rigores do convento, e talvez com o
desfalque do teu grande patrimônio. Eu, não. Esperei que o tempo te aclarasse o
juízo, e felicito-me de te julgar desassombrada do diabólico prestígio do
maldito, que acordou o teu inocente coração. Não te consultei outra vez sobre
este casamento, por temer que a reflexão fizesse mal ao zelo de boa filha com
que tu vais abraçar teu pai, e agradecer-lhe a prudência com que ele respeitou
o teu gênio, velando sempre a hora de te encontrar digna do seu amor.
Teresa não desfitou os olhos do pai;
mas tão abstraída estava, que escassamente lhe ouviu as primeiras palavras, e
nada das últimas.
— Não me respondes, Teresa?! – tornou
Tadeu, tomando-lhe cariciosamente as mãos.
— Que hei de eu responder-lhe, meu pai?
— balbuciou ela.
— Dá-me o que te peço? Enches de
contentamento os poucos dias que me restam?
— E será o pai feliz com o meu sacrifício?
— Não digas sacrifício, Teresa... Amanhã
a estas horas verás que transfiguração se fez na tua alma. Teu primo é um
composto de todas as virtudes; nem a qualidade de ser um gentil moço lhe falta,
como se a riqueza, a ciência e as virtudes não bastassem a formar um marido
excelente.
— E ele quer-me depois de eu me ter
negado? — disse ela com amargura irônica.
— Se ele está apaixonado, filha!... e
tem bastante confiança em si para crer que tu hás de ama-lo muito!...
— E não será mais certo odiá-lo eu
sempre!? Eu agora mesmo o abomino como nunca pensei que se pudesse abominar!
Meu pai... — continuou ela, chorando, com as mãos erguidas — mate-me; mas não
me force a casar com meu primo! É escusada a violência, porque eu não caso!
Tadeu mudou de aspecto, e disse irado:
— Hás de casar! Quero que cases!
Quero!... Quando não, amaldiçoada serás para sempre, Teresa! Morrerás num
convento! Esta casa irá para teu primo! Nenhum infame há de aqui pôr pé nas
alcatifas de meus avós. Se és uma alma vil, não me pertences, não és minha
filha, não podes herdar apelidos honrosos, que foram pela primeira vez
insultados pelo pai desse miserável que tu amas! Maldita sejas! Entra nesse
quarto, e espera que daí te arranquem para outro, onde não verás um raio de
sol.
Teresa ergueu-se sem lágrimas, e entrou
serenamente no seu quarto.
[...].
CASTELO BRANCO,
Camilo. Op. cit.
Fonte: Livro – Viva
Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São
Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 39-40.
Entendendo o romance:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Abstraído: distraído.
·
Alcatifa: tapete.
·
Desassombrado: serenado; livre de susto, de receio.
·
Escusado: justificado, perdoável.
·
Irado: furioso, enraivecido.
·
Velar: estar alerta, vigiar.
02 – Como era,
provavelmente, o tom de voz de Tadeu Albuquerque em sua primeira fala à filha?
Copie no caderno alguns termos ou expressões do trecho que o(a) levaram a essa
conclusão.
Provavelmente era
um tom de voz calmo, amável: “Encontrou o velho na antecâmara a recebe-la com
muito agrado”, “minha querida filha”, “A violência de um pai é sempre amor”,
“Amor tem sido a minha condescendência e brandura para contigo”, etc.
03 – Ao expressar-se dessa
maneira, o pai esperava de Teresa uma resposta positiva a seu pedido. Destaque
alguns dos argumentos usados nessa primeira fala para convencer a filha a
casar-se com o primo.
“A tua felicidade
é daquelas que precisam ser impostas pela violência”, “Outro teria subjugado a
tua desobediência com maus tratos, com os rigores do convento, e talvez com o
desfalque do teu grande patrimônio. Eu, não. Esperei que o tempo te aclarasse o
juízo”, etc.
04 – Em que momento do
diálogo o tom de voz de Tadeu possivelmente começa a se alterar?
Possivelmente
após Teresa perguntar a ele se conseguirá ser feliz com seu sacrifício.
05 – Em que fala o pai de
Teresa se mostra irado? E como costuma ser a fala de alguém que está irado?
Na última fala
(penúltimo parágrafo). É provável que uma pessoa irada fale em voz alta, em tom
ameaçador, com impetuosidade, etc.
06 – Você imagina que a voz
de Teresa tenha se alterado ao longo do diálogo? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Não, porque na época da narrativa, os filhos deviam
obediência total ao pai, principalmente as filhas. Assim sendo, a Teresa mesmo
sob forte emoção, não ousou alterar o tom de voz.
07 – Agora forme dupla com
um colega e preparem a representação do diálogo entre Tadeu Albuquerque e
Teresa para apresentar à sala.
Resposta pessoal do aluno.
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