CRÔNICA: DETALHES
Luís Fernando
Veríssimo
O velho porteiro do palácio chega em casa, trêmulo. Como faz sempre que tem baile no palácio, sua mulher o espera com café da manhã reforçado. Mas desta vez ele nem olha para a xícara fumegante, o bolo, a manteiga, as geleias. Vai direto à aguardente. Atira-se na sua poltrona perto do fogão e toma um longo gole da bebida, pelo gargalo.
- Helmuth, o que foi?
- Espera, Helga. Deixe eu me controlar primeiro.
Toma outro gole de aguardente.
- Conta, homem! O que houve com você? Aconteceu alguma coisa no baile?
- Co-começou tudo bem. As pessoas chegando, todo mundo de gala, todos
com convite, tudo direitinho. Sempre tem, claro, o filhinho de papai sem
convite que quer me levar na conversa, mas já estou acostumado. Comigo não tem
conversa. De repente, chega a maior carruagem que eu já vi. Enorme. E toda de
ouro. Puxada por três parelhas de cavalos brancos. Cavalões! Elefantes! De
dentro da carruagem salta uma dona. Sozinha. Uma beleza. Eu me preparo para barrar
a entrada dela porque mulher desacompanhada não entra em baile do palácio. Mas
essa dona é tão bonita, tão, sei lá, radiante, que eu não digo nada e deixo ela
entrar.
- Bom, Helmuth. Até aí...
- Espera. O baile continua. Tudo normal. Às vezes rola um bêbado pela
escadaria, mas nada de mais. E então bate a meia-noite. Há um rebuliço na porta
do palácio. Olho para trás e vejo uma mulher maltrapilha que desce pela
escadaria, correndo. Ela perde um sapato. E o príncipe atrás dela.
- O príncipe?!
- Ele mesmo. E gritando para eu segurar a esfarrapada. “Segura! Segura!”
Me preparo para segurá-la quando ouço uma espécie de “vum” acompanhado de um
clarão. Me viro e...
- E o quê, meu Deus?
O porteiro esvazia a garrafa com um último gole.
- Você não vai acreditar.
- Conta!
- A tal carruagem. A de ouro. Tinha se transformado numa abóbora.
- Numa o quê?!
- Eu disse que você não ia acreditar.
- Uma abóbora?
- E os cavalos em ratos.
- Helmuth... !!!
- Não tem mais aguardente?
- Acho que você já bebeu demais por hoje.
- Juro que não bebi nada!
- Esse trabalho no palácio está acabando com você, Helmuth. Pede para
ser transferido para o almoxarifado.
01.
“O
velho porteiro do palácio...”. Qual a diferença entre velho porteiro e porteiro
velho?
Antigo
na profissão e idoso.
02.
Nesse
componente ocorre a fusão de elementos do cotidiano com outros, estranhos à
nossa realidade. Quais os elementos estranhos aqui presentes?
O tipo de café da
manhã, distante do café da manhã de um porteiro.
03.
Levando-se
em consideração o início da narrativa, qual deve ser a sequência mais provável
da história narrada?
A
explicação do porteiro.
04.
O
que indica a primeira pergunta da mulher do porteiro?
Espanto.
Cinderela.
” De repente, chega a maior carruagem
que eu já vi. Enorme. E toda de ouro. Puxada por três parelhas de cavalos
brancos. Cavalões! Elefantes! De dentro da carruagem salta uma dona. Sozinha.
Uma beleza.”
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