Poema: Amor
Adélia Prado
A formosura do teu rosto obriga-me
e não ouso em tua presença
ou à tua simples lembrança
recusar-me ao esmero de permanecer contemplável.
Quisera olhar fixamente a tua cara,
como fazem comigo soldados e choferes de ônibus.
Mas não tenho coragem,
olho só tua mão,
a unha polida olho, olho, olho e é quanto basta
pra alimentar fogo, mel e veneno deste amor incansável
que tudo rói e banha e torna apetecível:
caieiras, desembocaduras de esgotos,
ideia de morte, gripe, vestido, sapatos,
aquela tarde de sábado,
esta que morre agora antes da mesa pacífica:
ovos cozidos, tomates,
fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.
Recolho tamancos, flauta, molho de flores, resinas,
rispidez de teu lábio que suporto com dor
e mais retábulos, faca, tudo serve e é estilete,
lâmina encostada em teu peito. Fala.
Fala sem orgulho ou medo
que à força de pensar em mim sonhou comigo
e passou um dia esquisito, o coração em sobressaltos à campainha da porta,
disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.
Nem é preciso que amor seja a palavra.
“Penso em você” – me diz e estancarei os féretros,
tão grande é minha paixão.
Adélia Prado, Terra
de Santa Cruz. Rio de Janeiro: Record, 2006.
Fonte: Livro – Viva
Português 1° – Ensino médio – Língua portuguesa – 2ª edição 1ª impressão – São
Paulo – 2014. p. 227-8.
Entendendo o poema:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Apetecível: apetitoso, desejável.
·
Benignidade: qualidade do que ou de quem é benigno, bondoso.
·
Caieira: forno ou fogueira onde se cozem tijolos.
·
Estancar: fazer parar, deter.
·
Féretro: caixa longa de madeira em que se enterram os mortos.
·
Resina: substância viscosa e odorífera produzida por alguns vegetais.
·
Retábulo: estrutura de madeira ou outro material que fica por trás ou
acima de um altar.
02 – Vamos fazer um
levantamento de elementos do poema que podem ser percebidos na primeira
leitura.
a) O eu lírico é um homem ou uma mulher? O que lhe permitiu concluir isso?
É uma mulher; o trecho “Quisera olhar fixamente tua cara, / como
fazem comigo soldados e choferes de ônibus” e a palavra vestido em “ideia de
morte, Gripe, vestido, sapatos” permitem essa conclusão.
b) A quem o eu lírico se dirige?
À pessoa amada.
c) O que o eu lírico pede a essa pessoa?
Pede ao amado que diga que pensa nela.
03 – Releia os quatro
primeiros versos do poema, pensando no sentido das palavras ousar, esmero e
contemplável.
·
Ousar:
arriscar-se, atrever-se.
·
Esmero:
grande cuidado; apuro.
· Contemplável: aquilo que se pode contemplar, olhar com admiração; admirável.
a) No contexto do poema, o que é “permanecer contemplável”?
Seria “continuar digna de ser admirada, contemplada”.
b) Complete no caderno: De maneira bem simplificada, podemos dizer que os quatro primeiros versos revelam que a mulher (o eu lírico) .........
Se recusa a fazer-se bela para a pessoa amada.
·
Tem necessidade de permanecer
bonita, admirável.
c)
Por que o eu lírico não ousa deixar de ser
contemplável? Copie no caderno o trecho que confirma sua resposta.
Porque o amado é belo. “A formosura do teu rosto obriga-me [...]”.
04 – Releia o trecho que vai
do quinto (Quisera olhar fixamente a tua cara) ao décimo sétimo verso (fome dos
ângulos duros de tua cara de estátua). Destaque nesse trecho alguns versos que,
em sua opinião, exprimem o amor de uma forma inusitada, surpreendente. Explique
por que você os considera surpreendentes.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: “caieiras, desembocaduras de esgotos, / ideia de morte,
gripe, vestido, sapatos,”. Ou, ainda, nos versos “[...] antes da mesa pacífica:
/ ovos cozidos, tomates, / fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.”, em
que há uma aproximação das ideias de fome e de desejo (amor), partindo de
alimentos reais, prosaicos, “pouco poético”.
05 – Entre o décimo segundo
e o décimo quinto versos estão enumeradas coisas que, para o eu lírico, o amor
torna apetecíveis, desejáveis.
Caieiras – vestido – desembocaduras de esgotos – sapatos – ideia de morte – aquela tarde de sábado – gripe – esta (tarde de sábado) que morre.
a) Todos esses elementos são normalmente considerados positivos, desejáveis?
Não.
b) Sendo assim, ao dizer que o amor torna esses elementos apetecíveis, o que o eu lírico enfatiza?
Enfatiza a intensidade do amor que sente.
06 – Releia agora do décimo oitavo (“Recolho tamancos [...]”) ao vigésimo primeiro verso (“lâmina encostada em teu peito. Fala.”). Nesse trecho há outra enumeração: tamancos, flauta, molho de flores, resinas, rispidez, retábulos, faca, lâmina.
a) Todos esses elementos são comuns em poemas de amor? Você espera ver tamancos e resinas, por exemplo, associados ao amor?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Essas associações são inusitadas, inesperadas.
b) Em sua opinião, a enumeração que aparece nesses versos pode representar o uso de recursos diversos para obrigar a pessoa amada a falar aquilo que o eu lírico deseja ouvir? Se sua resposta for sim, comente um desses recursos.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Nenhuma palavras, nesse caso, é
empregada casualmente, aleatoriamente; o eu lírico sugere diversas formas de
chamar a atenção da pessoa amada.
07 – Releia os versos a
seguir e complete a frase no caderno.
“‘Penso
em você’ – me diz e estancarei os féretros, tão grande é a minha paixão.”
No contexto do poema, “estancar os féretros” pode significar
a)
Enterrar-se, ou seja, desistir.
b)
Deter a morte, ou seja, fazer o
impossível.
c)
Fazer o inevitável.
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