CRÔNICA: VALE POR DOIS
Fernando Sabino
Pela
manhã, ao sair de casa, olha antes à janela:
-
Estará fazendo frio ou calor?
Veste
um terno de casimira, torna a tirar, põe um de tropical. Já pronto para sair,
conclui que está frio, devia ter ficado com o de casimira. Enfim...
Consulta aflitivamente o céu nublado: será que vai chover?
Volta
para pegar o guarda-chuva — um homem prevenido vale por dois: pode ser que
chova. Já no elevador, resolve mudar de ideia: mas também pode ser que não
chova. Carregar esse trambolho! Torna a subir, larga em casa o guarda-chuva.
Já
na esquina, coça a cabeça, irresoluto: de ônibus ou de táxi? Se passar um
lotação jeitoso eu tomo. Eis que aparece um: não é jeitoso. Vem em disparada,
quase o atropela para deter-se ao sinal que lhe fez. Não, não entro: esse é dos
doidos, que saem alucinados por aí.
Deixa que os outros passageiros entrem — quando
afinal se decide — também a entrar, é barrado pelo motorista: não tem mais
lugar. De táxi, pois. Logo virá outro — pensa, irritado, e se vê de súbito
entrando num lotação. Ainda bem não se sentara, já se arrependia: é um absurdo,
são desvairados esses motoristas, como é que deixam gente assim tirar carteira?
Assassinos — assassinos do volante. Melhor saltar aqui, logo de uma vez.
Poderia esperar ainda dois ou três quarteirões, ficaria mais perto...
Deu o sinal: salto aqui,
decidiu-se. O lotação parou.
— Pode tocar, foi engano — balbuciou para o motorista.
Já
de pé na calçada, vacila entre as duas ruas que se oferecem: uma, mais longa,
sombreada; outra, direta, castigada pelo sol. Não iria chover, pois: sua
primeira vitória neste dia.
— Se
for por esta rua, chego atrasado, mas por esta outra, com tanto calor...
Só
então se lembra que ainda não tomou café: entra no bar da esquina e senta-se a
uma das mesas.
- Um
O garçom lhe informa que não servem cafezinho nas mesas, só no balcão.
Pensa em sair, chega mesmo a empurrar a cadeira para trás, mas reage: pois
então tomaria outra coisa ora essa. Como também pode simplesmente sair do bar
sem tomar nada, não é isso mesmo?
—
Me traga uma média — ordena, com voz segura que a si mesmo espantou.
Interiormente sorri de felicidade — mais um problema resolvido.
— Simples
ou com leite? Pergunta o garçom, antes de servir. Ele ergue os olhos
aflitos para o seu algoz, e sente vontade de chorar.
Entendendo o texto
01. O tema da crônica de Fernando Sabino é:
a) o protesto contra a violência.
b) a prevenção de acidentes.
c) a indecisão humana.
d) a modernização das grandes cidades.
02. Apenas uma, entre as frases abaixo, confirma sua resposta à questão 1:
a) "Só então se lembra que não tomou café."
b) "Vem em disparada, quase o atropela, para deter-se ao sinal que lhe
fez."
c)" - Me traga uma média - ordena, com voz segura
que a si mesmo espantou."
d) "Já na esquina, coça a cabeça, irresoluto: de ônibus ou de táxi?"
03.Pode-se considerar como símbolo de homem prevenido:
a) o táxi
b) o terno de
casimira
c) o
cafezinho
d) o guarda-chuva
04. "Coçar a cabeça" é um gesto característico de quem:
a) já tomou uma decisão.
b) não está pensando no assunto.
c) está em algum dilema.
d) se sente aborrecido.
05. "Não iria chover, pois: sua primeira vitória neste dia." Por que
o autor afirma que a personagem conseguiu uma vitória?
O autor afirma que a personagem conseguiu uma
vitória porque decidiu não levar o guarda-chuva, acreditando que não iria
chover, o que se mostrou verdadeiro.
06. A personagem teve um rápido momento de decisão quando:
a) pensa sobre qual das duas ruas iria escolher.
b) deixa passar um táxi vazio.
c) ordena ao garçom que lhe traga uma média.
d) olha à janela, antes de sair de casa, pela manhã.
07. O autor faz uma crítica a alguém. Transcreva a passagem que reproduz a
crítica.
"Assassinos — assassinos do volante."
08. A personagem passa por todos os estados de espírito
citados abaixo, exceto:
a) aflição b) irritação
c) desespero
d) satisfação e) revolta
09.
O que o protagonista faz ao sair de casa pela manhã para decidir sobre a roupa
que usará?
O protagonista olha pela janela para avaliar o clima, veste um terno de casimira, troca por um de tropical, e, ao concluir que está frio, volta para pegar o guarda-chuva.
10.
Por que o protagonista decide levar o guarda-chuva, mesmo indeciso sobre o
tempo?
O protagonista decide levar o guarda-chuva porque acredita que "um
homem prevenido vale por dois" e teme que possa chover. No entanto, muda
de ideia e deixa o guarda-chuva em casa.
11.
Como o protagonista decide sobre o meio de transporte para chegar ao seu
destino?
O protagonista fica indeciso entre pegar um ônibus ou um táxi. Ele
cogita entrar em um ônibus lotação, mas desiste ao considerá-lo perigoso.
Finalmente, decide pegar um táxi.
12.
O que acontece quando o protagonista entra no bar da esquina para tomar café?
O garçom informa ao protagonista que não servem café nas mesas, apenas
no balcão. Inicialmente, o protagonista pensa em sair, mas decide ficar e pedir
uma média, resolvendo mais um problema.
13.
Qual é a reação do protagonista quando o garçom pergunta se a média deve ser
simples ou com leite?
O protagonista, interiormente surpreso com sua própria voz segura, pede
uma média. No entanto, ao ser questionado sobre se deseja a média simples ou
com leite, ele sente vontade de chorar e olha aflito para o garçom.
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