CONTO: ERA DIA DE CAÇADA
Marina Colasanti
O
príncipe acordou contente. Era dia de caçada. Os cachorros latiam no pátio do
castelo. Vestiu o colete de couro, calçou as botas. Os cavalos batiam os cascos
debaixo da janela. Apanhou as luvas e desceu.
Lá
embaixo parecia uma festa. Os arreios e os pelos dos animais brilhavam ao sol.
Brilhavam os dentes abertos em risadas, as armas, as trompas que deram o sinal
de partida.
Na
floresta também ouviram a trompa e o alarido. Todos souberam que eles vinham. E
cada um se escondeu como pôde.
Só
a moça não se escondeu. Acordou com o som da tropa, e estava debruçada no
regato quando os caçadores chegaram.
Foi
assim que o príncipe a viu. Metade mulher, metade corça, bebendo no regato. A
mulher tão linda. A corça tão ágil. A mulher ele queria amar, a corça ele
queria matar. Se chegasse perto será que ela fugia? Mexeu num galho, ela levantou
a cabeça ouvindo. Então o príncipe botou a flecha no arco, retesou a corda,
atirou bem na pata direita. E quando a corça-mulher dobrou os joelhos tentando
arrancar a flecha, ele correu e a segurou, chamando homens e cães.
Levaram
a corça para o castelo. Veio o médico, trataram do ferimento. Puseram a corça
num quarto de porta trancada.
Todos
os dias o príncipe ia visitá-la. Só ele tinha a chave. E cada vez se apaixonava
mais. Mas a corça-mulher só falava a língua da floresta e o príncipe só sabia
ouvir a língua do palácio.
Então
ficavam horas se olhando calados, com tanta coisa para dizer.
Ele
queria dizer que a amava tanto, que queria casar com ela e tê-la para sempre no
castelo, que a cobriria de roupas e joias, que chamaria o melhor feiticeiro do
reino para fazê-la virar toda mulher.
Ela
queria dizer que o amava tanto, que queria casar com ele e levá-lo para a
floresta, que lhe ensinaria a gostar dos pássaros e das flores e que pediria
à Rainha das corças para dar-lhe quatro patas
ágeis e um belo pelo castanho.
Mas
o príncipe tinha a chave da porta. E ela não tinha o segredo da palavra.
Todos
os dias se encontravam. Agora se seguravam as mãos. E no dia em que a primeira
lágrima rolou dos olhos dela, o príncipe pensou ter entendido e mandou chamar o
feiticeiro.
Quando
a corça acordou, já não era mais corça. Duas pernas só e compridas, um corpo
branco. Tentou levantar, não conseguiu. O príncipe lhe deu a mão. Vieram as
costureiras e a cobriram de roupas. Vieram os joalheiros e a cobriram de joias.
Vieram os mestres de dança para ensinar-lhe a andar. Só não tinha a palavra. E
o desejo de ser mulher.
Sete
dias ela levou para aprender sete passos. E na manhã do oitavo dia, quando
acordou e viu a porta aberta, juntou sete passos e mais sete, atravessou o
corredor, desceu a escada, cruzou o pátio e correu para a floresta à procura da
sua Rainha.
O
sol ainda brilhava quando a corça saiu da floresta, só corça, não mais mulher.
E se pôs a pastar sob as janelas do palácio.
COLASANTI, Marina. Uma ideia
toda azul.São Paulo: Global, 1999. p. 35-40.
Entendendo o texto
01. No
desfecho do conto, a protagonista procura sua Rainha com o objetivo de:
a. atender
ao desejo do príncipe.
b. tornar-se
mulher-corça novamente.
c. transformar
o príncipe em homem-corça.
d. não mais ser encontrada pelo príncipe.
02. O
trecho “Foi assim que o príncipe a viu” evidencia a linguagem que se estabelece
ao longo do conto, marcada por:
a. oralidade.
b. formalidade.
c. informalidade.
d. regionalidade.
03. Esse
conto tem a finalidade de:
a. apresentar ensinamentos sobre a essência humana.
b. estabelecer
uma crítica.
c. relatar
fatos do cotidiano.
d. expor
o ponto de vista do autor.
04. O
conflito que desencadeia o enredo é:
a. o
príncipe querer transformar a corça-mulher em mulher.
b. a
corça-mulher queres transformar o príncipe em corça.
c. o príncipe se apaixonar pela mulher, mas querer matar a corça.
d. a
corça-mulher ter se apaixonado pelo príncipe.
05. A
conjunção destacada no trecho “Se chegasse perto, será que ela fugiria?”
estabelece o valor semântico de:
a. conformidade.
b. causa.
c. condição.
d. consequência.
06. O
que motivou o príncipe a sair para caçar no início do conto "Era Dia de
Caçada"?
a. A chegada de visitantes importantes
no castelo.
b. O anúncio de uma festa no
reino.
c. O
desejo de encontrar a corça-mulher.
d. A necessidade de
exercitar os cachorros e cavalos.
07. Como o príncipe descobriu a existência
da corça-mulher na floresta?
a. Pelos latidos dos cachorros.
b.
Pelo som das armas dos caçadores.
c.
Pelo som da trompa que deu o sinal de partida.
d. Pela indicação do médico do castelo.
08. O que o príncipe sentia pela
corça-mulher à medida que a visitava todos os dias?
a. Ódio e desprezo.
b.
Indiferença e tédio.
c.
Amor e paixão crescentes.
d.
Desconfiança e medo.
09. O que impedia a comunicação efetiva
entre o príncipe e a corça-mulher?
a. A falta de interesse do príncipe em
aprender a língua da floresta.
b. A
corça-mulher só falava a língua do palácio.
c. A
corça-mulher não tinha a palavra.
d. O
príncipe não tinha a chave da porta.
10. Como a transformação da corça-mulher de
volta à sua forma original foi realizada?
a. Por meio de um encantamento da Rainha
das corças.
b. Com a ajuda das costureiras do
castelo.
c. Através de sete passos ensinados
pelos mestres de dança.
d. Pela
intervenção do feiticeiro chamado pelo príncipe.
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