Conto: O Sapo Encantado
Shenipabu Miyui
Tua Yuxibu é o sapo, o canoeiro, o que
mais tem. Ele sempre canta no verão. Vai desovar na praia. E as pessoas comem
este sapo.
A história começa assim: tinha um homem
que ficou encantado de Tua Yuxibu. O nome desse homem era Ixã.
─ Ixã, o que que você vai fazer?
─ Eu ando querendo pegar sapo para
comer.
O sapo encantado de gente falou assim:
─ Ah, você veio me pegar para comer? Eu
vou dar uma arma para caçar outro animal, porque você está acabando conosco. Já
somos pouquinhos e você ainda come a gente. Vou lhe dar uma arma para caçar.
Então o sapo pegou uma palheta daquelas
que existiam antigamente, do próprio encantado. Uma palheta para fazer um tipo
de mingau. Mandou botar água no fogo e também mexer a água com a palheta.
lxã mesmo quem mexeu. Apareceu carne,
peixe de todo tipo. Ele deu para os filhos comerem.
Foi indo, foi indo, foi indo..., até
que o Ixã desapareceu. Desapareceu num poço bem grande!
Ele
tinha um filho, um rapaz já crescendo, que começava a botar roçado. Botou o
roçadinho dele, trabalhando no sol. Era só ele mesmo quem botava roçado. A mãe
dele começou a reclamar:
─ Ah, meu filho, tinha seu pai e seu
pai desapareceu lá no poço e justamente agora. Eu vou até lá no poço ver se
encontro ele!
A mãe desceu lá no poço e gritou pelo
Ixã, que era o marido dela:
─ Ixã, vem trabalhar com seu filho, que
ele está sofrendo sozinho!
─ Eu vou amanhã. Vou com o pessoal.
Pode aprontar de manhãzinha, fazer o quebra-jejum, que eu já vou chegar.
Quando no outro dia deu uma base de
oito horas, a mulher de Ixã olhou no caminho. De lá vinha um monte de gente,
toda qualidade de peixes encantados de gente. Ela mandou eles subirem. E quando
chegaram numa sala bem grande, que era a casa de antigamente, a mulher
perguntou:
─ Quantas pessoas têm? Quem mais ainda
vai aparecer?
Aquele monte de gente encantada que
veio ajudar o filho dela no roçado desconfiou da mulher e saiu correndo. No que
correram, a mulher agarrou o marido dela, que era encantado de sapo. Pedia para
ele não ir junto.
Nessa hora, o marido virou uma mutuca
bem azulzinha. Quando a mulher quis pegar o marido encantado, a mutuca escapuliu
da mão dela. E assim é até hoje...
PROFESSORES Indígenas
do Acre (org.). Shenipabu Miyui: história dos antigos. Belo Horizonte: Editora
da UFMG, 2000. p. 143-144.
Fonte: Práticas de
Língua Portuguesa/Faraco, Moura, Maruxo. – 1.ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2020. p. 280-282.
Entendendo o conto:
01 – De acordo com o conto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Canoeiro: aquele que conduz uma canoa.
· Mutuca: tipo de mosca, com picada bastante dolorida, que se alimenta
de sangue.
·
Palheta: tipo de colher, feita de madeira.
·
Quebra-jejum: café da manhã.
02 – Agora, compartilhe as
anotações que você fez durante a leitura sobre a trajetória do herói Ixã: De
onde ele partiu e o que o levou a partir, que tarefa ele teve que realizar, que
tipo de auxílio recebeu e como foi seu retorno?
Ixã se afasta da casa com o desafio de
conseguir comida para alimentar seus filhos. O herói encontra dificuldade para
achar caça e recebe a ajuda de um ente sobrenatural – o sapo – que se
transformou em humano e dá ao herói uma palheta mágica, que faz surgir
alimentos. Ixã retorna para alimentar a família.
03 – O retorno de Ixã foi
definitivo? Explique.
Não, Ixã volta a partir, sem razão
aparente. “Foi indo, foi indo, foi indo..., até que o Ixã desapareceu. Desapareceu
num poço bem grande!”, marca o novo distanciamento da família. Ele retorna
quando a esposa lhe pede para ajudar o filho, mas logo depois Ixã foge da
esposa, metamorfoseado em mutuca.
04 – No texto, a palavra
palheta designa um objeto mágico. Em outras narrativas da tradição oral de
diversas sociedades, há objetos mágicos parecidos com esse. Por exemplo, nos
contos de fadas, que objeto é semelhante a esse? Que características esses
objetos têm em comum?
Resposta pessoal
do aluno.
05 – De acordo com a
antropóloga Silvia Schmuziger de Carvalho, estudiosa da mitologia indígena
brasileira, nas sociedades indígenas ainda hoje não há o conceito de
propriedade sobre a natureza, como se registra nas sociedades brancas. O
indígena se vê como mais um entre os seres que existem na natureza; ele se vê
integrado à natureza e por isso coleta dela apenas o básico, sem destruir a
alma das coisas.
a) Que passagem da história “O sapo encantado” poderia exemplificar esse modo de se ver integrado à natureza e de não destruir a alma das coisas?
No momento em que Ixã vai caçar mais sapos para alimentar sua
família, um dos sapos se transforma em homem para falar com Ixã e pedir que ele
não os coma mais, porque já são poucos.
b) O nome do sapo apresentado na história é Tua Yuxibu. Yuxibu é o termo utilizado pelos Kaxinawá para designar “Deuses do céu” e compõe o nome de muitos outros personagens das histórias desse povo. Que relação pode ser estabelecida entre essa forma de nomear o sapo e a visão integrada da natureza?
Para o povo indígenas tudo na natureza tem uma “alma”, tem um
“espírito”, que aparece sob essa designação.
c) Você deve ter percebido que o herói, Ixã, assume outras formas ao longo de sua trajetória. Em que ele se metamorfoseia e em que momentos da narrativa isso acontece?
Ele se metamorfoseia em sapo e em mutuca. O momento preciso em que
ele se metamorfoseia em sapo não está explícito no texto. Já em mutuca, está no
final do texto, quando ele foge da mulher que pretende segurá-lo.
d) Há algum estranhamento por parte dos personagens nos momentos em que ocorrem as metamorfoses? Você acredita que isso também pode ter alguma relação com a visão de mundo integradora dos Kaxinawá? Explique.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Não. As metamorfoses são
naturalizadas: tanto o sapo e os peixes se metamorfoseando em humano, como o
humano se metamorfoseando em sapo e mutuca, são vista com naturalidade tanto
por quem se metamorfoseia quanto por quem presencia a metamorfose.
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