Crônica: Tempo e a Memória
Walcyr Carrasco
OUTRO DIA OBSERVEI UMA FOTO minha, quando bebê. Um garoto gordinho, de chocalho na mão. Sei que sou eu. Ao mesmo tempo existe um certo estranhamento. Não me lembro de quando andava de gatinhas. Abro um livro da minha infância. Alice no País das Maravilhas. As ilustrações em preto-e-branco estão pintadas com lápis de cor. Fui eu!
Tive um ursinho de pelúcia, também. Não sei onde foi parar. Decidido a ser médico, eu lhe aplicava injeções. Acabou destruído, o coitado! Eu adorava o ursinho, como deixei desaparecer? O início de um novo ano é simbólico. Sempre se faz uma certa retrospectiva. Flashes passam pela minha cabeça. Um ano-novo em Ubatuba, quando eu era adolescente. Uma festa agitada. Andava com uma turma da qual não tenho mais notícia. Havia uma carioca, chamada Marcy.
Só a conheci naquela passagem de ano... ou terá sido na seguinte, em Parati?
Entre meus guardados há uma foto da garota. Um sorriso enorme. Não soube mais
dela. A sua alegria, nunca esqueci. Tento imaginar. Como estará agora, uma
mulher madura, com filhos? O que a vida lhe reservou? Um marido, uma separação?
Terá ido viver fora do país? O sorriso permanece o, mesmo? Tive um grande
amigo, Nelson, lá pelos vinte anos. Artista gráfico. Passei dois anos vivendo
fora do país. Só nos escrevemos no começo. Quando voltei, perguntei dele a
conhecidos comuns.
—
Sumiu. De um dia para o outro não se teve mais notícia. A mulher procurou por
todo lado. Foi na época da ditadura militar. Nunca soube que tivesse
envolvimento político. Seria um segredo seu? Ou simplesmente largou tudo? Saiu
de casa para ir ao cinema e nunca mais voltou? A pergunta dói. Sumiu ou foi
sumido? E minha amiga Malu, psicóloga? Íamos dançar sempre. Não perdíamos festas.
Só a vi muito tempo atrás, em um lançamento de livro. Beijou-me e pediu: — Não
desapareça. Prometi ligar na semana seguinte. Há anos. Resta a vaga informação
de que ela fez doutorado. Será que ainda dança? Outro psicólogo, o Ercílio.
Gostava de psicodrama. Continuará acreditando em um modo de vida alternativo?
Ou transformou-se em um homem formal? Há gente que nos acompanha a vida toda.
Tenho uma amiga desde a infância. Não nos falamos muito. Outro dia, depois de
uns cinco anos, ela me ligou.
—
Estou com um problema afetivo. Preciso de um conselho e só tenho você a quem
recorrer. Ficamos duas horas ao telefone. No final, ela agradeceu, aliviada.
— E
bom ter com quem falar. Passo anos sem ver o Pérsio e o Raul, a Sônia e a
Míriam. Se nos encontramos, começamos a conversar como se tivéssemos nos visto
a noite anterior. Certas amizades são assim, não? A gente fica um tempo enorme
sem se ver. Quando se encontra, retoma do ponto em que parou. Não consigo
deixar de pensar, ao começar um ano, nas coisas que poderia ter feito. Quis ser
pintor, e há uma tela horrenda que perpetrei aos onze anos. Médico. Leitor de
taro. Fica uma certa lamentação pelos amigos que nunca mais vi. Por tudo que
poderíamos ter vivido juntos. Também, outras pessoas entraram na minha vida. Olhando
em torno, eu penso que essa é a grande vantagem dos anos. A gente forma
famílias não só de sangue. Mas de pessoas que nos acompanham, de perto ou de
longe, sempre em um caminho do coração. Vejo a foto de um bebê que fui.
Pergunto-me.
— A
vida é apenas uma grande recordação? Vem a resposta, como se o bebê da foto
conversasse comigo.
— É
uma continuidade. Você de hoje é fruto do de ontem. Sorrio. A entrada de um
novo ano mostra que a vida continua. Passado, presente e futuro se misturam,
com muita coisa boa para acontecer.
Entendendo
o texto
Enredo
e Foco Narrativo:
01.
Qual é o principal tema abordado na crônica "O Tempo e a Memória"?
A) Amizade.
B) Infância.
C) Retrospectiva.
D) Ano-novo.
Personagens:
02.
O que aconteceu com o ursinho de pelúcia do autor quando ele era criança?
A) Foi doado.
B) Foi perdido.
C) Foi destruído.
D) Foi guardado.
Tempo
e Espaço:
03.
Em que época o autor menciona ter passado dois anos vivendo fora do país?
A) Na infância.
B) Na adolescência.
C) Na juventude.
D) Na idade adulta.
Tipo
de Linguagem:
04.
Como o autor se refere à sua tentativa de ser médico na infância?
A) "Coitado!".
B) "Perpetrei".
C) "Horrenda".
D) "Sorrio".
Memórias
e Recordações:
05.
O que o autor observa ao começar um novo ano?
A) Fotografias antigas.
B) Flashes de
eventos passados.
C) Pinturas feitas na infância.
D) Livros de sua juventude.
Enredo
e Desenvolvimento:
06.
Por que o autor se sente estranhado ao olhar uma foto de sua infância?
A) Não reconhece a
si mesmo.
B) Não lembra de andar de gatinhas.
C) Não gosta das ilustrações do livro.
D) Não encontra seu ursinho de pelúcia.
Personagens
e Desfechos Misteriosos:
07.
O que aconteceu com o amigo Nelson?
A) Envolvimento político.
B) Largou tudo e sumiu.
C) Mudou-se para o exterior.
D) Virou médico.
Desenvolvimento
de Personagens:
08.
O que a amiga Malu fez depois de anos sem se verem?
A) Doutorado.
B) Desapareceu.
C) Tornou-se médica.
D) Escreveu um livro.
Reflexão
sobre a Vida:
09.
Como o autor descreve a vida ao observar a foto de um bebê que ele foi?
A) Como uma grande lamentação.
B) Como
uma continuidade.
C) Como uma recordação passageira.
D) Como uma mistura de passado e futuro.
Conclusão
e Tema Central:
10.
O que a entrada de um novo ano representa para o autor?
A) Fim das recordações.
B) Continuidade da vida.
C) Perda de amizades.
D) Lamentação pelo passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário