Crônica: Eu, Cidadão
Walcyr Carrasco
COMO
BOM CIDADÃO, decidi racionar meus gastos com energia elétrica. Chamei a
empregada:
—
Você está proibida de tomar banho aqui em casa.
—
Mas o senhor quer que eu vá embora suja?
—
Quando for para casa, você vai ter de pegar um ônibus lotado. O primeiro banho
terá sido inútil, pois terá de tomar outro ao chegar. Economize!
Ela
me olhou raivosamente. Com certeza não economizou pensamentos!
Lembrei-me
dos conselhos de um avô, segundo os quais banhos frios ajudam a manter a pele
elástica. Abri o chuveiro. Ai, que frio! Saí pelo banheiro saltitando como uma
rã.
Conversei
com meu personal trainer. A esteira gasta, muito energia.
—
Você substitui eliminando o elevador.
Moro
no 122 andar. Quando cheguei ao terceiro, minhas pernas latejavam. No quarto,
eu me agarrava nas paredes como uma lagartixa. No sexto, bati na porta da
vizinha, pedindo socorro. As panturrilhas duras recusavam-se a dar sequer um
passo! De qualquer maneira, funcionou. Com as pernas em chamas, nem penso em
voltar à esteira!
O
microondas está criando teias de aranha. Ultimamente só comia refeições
dietéticas adquiridas em supermercados. Entretanto, já que é para usar o fogão
a gás... vamos à luta! Chafurdei em salsichas com mostarda. Fiz um bolo de
cenoura com calda de chocolate. Ganhei dois quilos, mas sem peso na
consciência.
Tudo
pelo racionamento!
Luz,
só para ler. Outro dia recebi visitas no escuro.
—
Assim não consigo enxergar o seu rosto — reclamou uma amiga.
—
Vamos nos contentar com uma conversa agradável, sem olhar um para o outro —
retruquei.
Não
ofereci café, pois minha cafeteira é elétrica. Sugeri:
—
Aceita um refrigerante morno?
A
visita demorou quinze minutos.
Aposentei
um antigo e heroico freezer. Era meu orgulho. Tem bem uns dezessete anos.
Aparelhos velhos gastam mais.
—-
A gente podia criar abelhas dentro dele — propôs o caseiro da chácara.
Para
tudo há um novo uso: Não seria o impulso para me transformar em um grande
produtor de mel? Botamos o freezer encostado na cerca, certos de que abelhas
pertencentes a algum movimento das sem colmeia se instalassem. Dois dias
depois, ouvimos um barulhinho.
—
Não disse que elas vinham? — comemorou o caseiro.
Fomos
espiar cautelosamente. Dependurado nas grades havia um bando de... morcegos!
Fugimos.
Na
chácara há uma piscina. Proibi a limpeza.
—
Como o senhor vai nadar?
-— Não vou, neste frio.
A
água começa a esverdear. Tento agora descobrir como evitar a dengue.
Só
temos um problema: o cortador de grama.
—
Se eu não cortar, isso aqui vira mato.
Resolvi
comprar uma ovelha. Nada mais útil. Poderia pastar e ainda
fornecer
nutritivos litros de leite. E lã, caso eu encontrasse alguém capaz de fiar e
tecer. Foi difícil. Tive de ir até perto de São Roque, onde consegui uma linda
e econômica ovelhinha. Mal cheguei, o cachorro rosnou.
— E
cão de caça, ele vai querer comer a ovelha.
Não
deu outra. O caseiro passou dias de pavor tentando impedir os instintos
selvagens do cão. A ovelhinha tremia, e nada de comer a grama! Para sobreviver,
teve de dormir presa na cama do caseiro. Está sendo devolvida. Foi um prejuízo,
que espero recuperar na conta de luz!
Parei
de ouvir música. Para me distrair, canto em voz alta. Assim, além de evitar o
meu consumo, evito o dos vizinhos. Ouvi falar em um abaixo-assinado, mas nada
ainda chegou até mim.
Já
ouvi um zunzunzum falando em camisa-de-força. Nem sempre uma atitude cívica é
bem compreendida. O bom cidadão é, antes de tudo, um mártir!
Entendendo o texto
01. Por que o narrador proíbe a empregada de tomar
banho em sua casa?
O narrador proíbe a empregada de tomar
banho em sua casa para economizar energia elétrica, argumentando que o banho
seria inútil, já que ela teria que tomar outro ao chegar em casa.
02. Como o narrador decide economizar energia ao
utilizar a esteira?
O narrador decide economizar energia
eliminando o uso do elevador e subindo os 122 andares do prédio a pé,
substituindo assim o exercício da esteira.
03. Qual é a solução encontrada para justificar o uso
do fogão a gás em vez do microondas?
O narrador decide usar o
fogão a gás para preparar refeições, abandonando a dieta de alimentos
dietéticos adquiridos em supermercados.
04. Por que o narrador propõe um encontro no escuro a
uma amiga que o visita?
O narrador
sugere um encontro no escuro para economizar energia elétrica, justificando que
podem ter uma conversa agradável sem precisar olhar um para o outro.
05. Qual é a ideia inicial do narrador para o antigo
freezer e como isso se transforma em um problema?
Inicialmente,
o narrador pensa em transformar o antigo freezer em uma colmeia para abelhas e
produção de mel. No entanto, o resultado é a invasão do freezer por morcegos,
tornando a ideia um problema.
06. Por que o narrador proíbe a limpeza da piscina em
sua chácara?
O narrador proíbe a
limpeza da piscina alegando que não pretende nadar no frio. Ele está mais
preocupado em evitar a dengue, procurando uma alternativa para lidar com a água
parada.
07. Como o narrador tenta resolver o problema do
cortador de grama em sua casa?
O narrador
decide comprar uma ovelha para pastar a grama, fornecendo leite e lã como
benefícios adicionais. No entanto, isso se transforma em um problema quando o
cachorro da casa tenta atacar a ovelha.
08. Por que o narrador para de ouvir música?
O narrador para de ouvir
música para reduzir o consumo de energia. Em vez disso, ele escolhe cantar em
voz alta como forma de distração, evitando assim o uso de dispositivos
musicais.
09. O que o narrador faz para evitar o consumo de
energia dos vizinhos enquanto se distrai?
O narrador canta em voz
alta para se distrair, evitando assim o consumo de energia dos vizinhos e
optando por uma forma mais econômica de entretenimento.
10. Como o narrador caracteriza a atitude cívica ao
final da crônica?
O narrador
sugere que uma atitude cívica nem sempre é bem compreendida e que o bom
cidadão, muitas vezes, é um mártir. Ele menciona ter ouvido falar em um
abaixo-assinado e até mesmo em uma possível camisa-de-força, destacando a
incompreensão social das suas ações em prol do racionamento de energia.
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