Crônica: O amor deixa muito a desejar
Arnaldo Jabor
[...]
Eu devia ter uns 6 anos, no máximo. Foi meu primeiro dia de aula no colégio, lá no Meier, onde minha mãe me levou, pela Rua 24 de Maio, coberta de folhas de mangueira que o vento derrubava. Fiquei sozinho, desamparado, sem pai nem mãe no colégio desconhecido. No pátio do recreio, crianças corriam. Uma bola de borracha voou em minha direção e bateu em meu peito.
Olhei e vi uma menina
morena, de tranças, com olhos negros, bem perto, me pedindo a bola e, nesse
segundo, eu me apaixonei. Lembro-me de que seu queixo tinha um pequeno
machucado, como um arranhão com mercúrio-cromo, lembro-me que ela tinha um
nariz arrebitado, insolente e que, num lampejo, eu senti um tremor
desconhecido, logo interrompido pelo jogo, pela bola que eu devolvi, pelos
gritos e correria do recreio. Ela deve ter me olhado no fundo dos olhos por uns
três segundos mas, até hoje, eu me lembro exatamente de sua expressão afogueada
e vi que ela sentira também algum sinal no corpo, alguma informação do seu destino
sexual de fêmea, alguma manifestação da matéria, alguma mensagem do DNA.
Recordando minha impressão de menino, tenho certeza de que nossos olhos viram a
mesma coisa, um no outro. Senti que eu fazia parte de um magnetismo da natureza
que me envolvia, que envolvia a menina, que alguma coisa vibrava entre nós e
senti que eu tinha um destino ligado àquele tipo de ser, gente que usava
trança, que ria com dentes brancos e lábios vermelhos, que era diferente de mim e entendi vagamente que, sem
aquela diferença, eu não me completaria. Ela voltou correndo para o jogo, vi
suas pernas correndo e ela se virando com uma última olhada.
Misteriosamente,
nunca mais a encontrei naquela escola. Lembro-me que me lembrei dela quando vi
aquele filme Love Story, não pelo medíocre filme, mas pelo rosto de Ali McGraw,
que era exatamente o rosto que vivia na minha memória. Recordo também, com
estranheza, que meu sentimento infantil foi de “impossibilidade”; aquele rosto
me pareceu maravilhoso e impossível de ser atingido inteiramente, foi um
instante mágico ao mesmo tempo de descoberta e de perda. Escrevendo agora,
percebo que aquela sensação de profundo “sentido” que tive aos 6 anos pode ter
marcado minha maneira de ser e de amar pelos tempos que viriam. Senti a
presença de algo belíssimo e inapreensível que, hoje, velho de guerra, arrisco
dizer que talvez seja essa a marca do amor: ser impossível. [...]
(Disponível em:
http://pensador.uol.com.br/cronica_do_amor_arnaldo_jabor/. Acesso em:
20/11/2015.)
Entendendo o texto
01. Qual a idade do narrador no
primeiro dia de aula no colégio descrito na crônica?
A) 10 anos.
B) 6 anos.
C) 12 anos.
D) 8 anos.
02. Como o narrador se sentiu ao ser atingido pela bola de borracha?
A) Assustado.
B) feliz.
C)
Apaixonado.
D) Desinteressado.
03. O que chamou a atenção do narrador na menina
que ele pediu a bola?
A) Cabelos loiros.
B) Olhos azuis.
C) Tranças.
D) Roupas coloridas.
04. Qual é a lembrança
específica do narrador do rosto da menina?
A) Um pequeno
machucado no queixo.
B) Olhos verdes.
C) Nariz pequeno.
D) Lábios finos.
05. Como o narrador descreveu a sensação que teve
ao olhar nos olhos da menina?
A) Desinteresse.
B) Medo.
C) Tremor desconhecido.
D) Raiva.
06. O que o narrador sentiu ao
ver a menina pela primeira vez?
A) Amor à primeira vista.
B) Curiosidade.
C) Indiferença.
D) Nostalgia.
07. Qual foi o fato da menina ao olhar nos olhos
do narrador?
A) Sorriu.
B) Ficou assustado.
C) Ficou indiferente.
D) Correu para longe.
08. Como o narrador descreve a
sensação ao gravar da menina ao assistir ao filme Love Story?
A) Tristeza.
B) Alegria.
C) Desprezo.
D) Estranheza.
09. Qual é a conclusão do
narrador sobre o amor ao longo da crônica?
A) O amor é fácil de compreender.
B) O amor é belo, mas alcançá-lo é
impossível.
C) O amor é passageiro.
D) O amor é uma ilusão.
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