quarta-feira, 29 de setembro de 2021

TEXTO: OS PSICO-HISTORIADORES 4 (FRAGMENTO) - ISAAC ASIMOV - FUNDAÇÃO - COM GABARITO

 Texto: Os psico-historiadores 4 (Fragmento)


Capitulo 4.

        – Boa tarde, senhor – disse Gaal. – Eu... Eu...

        – Você não achava que fôssemos nos ver antes de amanhã? Normalmente, não mesmo.  É que, se formos utilizar seus serviços, precisamos trabalhar rápido. Está ficando cada vez mais difícil obter recrutas.

        – Não estou entendendo, senhor.

        – Você estava conversando com um homem na torre de observação, não estava?

        – Sim. O primeiro nome dele é Jerril. Não sei mais nada sobre ele.

        – O nome dele não é nada. Ele é agente da Comissão de Segurança Pública. Ele o seguiu desde o aeroporto.

        – Mas por quê? Sinto muito, mas estou muito confuso.

        – O homem da torre não disse nada a meu respeito?

        Gaal hesitou.

        – Ele se referiu ao senhor como Corvo Seldon.

        – Ele disse por quê?

        – Disse que o senhor prevê desastres.

        – E prevejo. O que Trantor significa para você?

        Todos pareciam estar perguntando sua opinião sobre Trantor. Gaal se sentia incapaz de responder outra coisa além da palavra “glorioso”.

        – Você disse isso sem pensar. E se usar a psico-história?

        – Não pensei em aplicá-la ao problema.

        – Antes de acabar seu trabalho comigo, jovem, aprenderá a aplicar a psico-história a todos os problemas de forma natural; observe – Seldon tirou sua calculadora do bolso do cinto. Diziam que ele guardava uma dessas debaixo do travesseiro, para usar em momentos de insônia. Seu acabamento cinza brilhante estava ligeiramente desgastado pelo uso. Os dedos ágeis de Seldon, cheios de manchas da idade, brincavam com arquivos e teclas que preenchiam sua superfície. Símbolos vermelhos despontavam na parte superior.

        – Isto representa a condição do Império atualmente – ele afirmou.

        Ficou esperando.

        Por fim, Gaal disse:

        – Certamente, isso não é uma representação completa.

        – Não, não é completa – disse Seldon. – Fico feliz por você não ter aceito minha palavra cegamente. Entretanto, é uma aproximação que servirá para demonstrar a proposição. Você aceita isso?

        – Se for submetida à minha verificação posterior da derivação da função, sim. – Gaal estava evitando, cuidadosamente, uma possível armadilha.

        – Ótimo. Adicione a isso a conhecida probabilidade de assassinato imperial, revoltas de vice-reis, a recorrência contemporânea de períodos de depressão econômica, a taxa cada vez menor de explorações planetárias, a...

        E continuou.  À medida que cada item era mencionado, novos símbolos ganhavam vida a seu toque, e se fundiam à função básica que se expandia e se modificava.

        Gaal só o interrompeu uma vez.

        – Não vejo a validade dessa transformação de conjunto.

        Seldon a repetiu mais devagar.

        – Mas isso – disse Gaal – é feito por meio de uma sócio-operação proibida.

        – Ótimo. Você é rápido, mas ainda não é rápido o bastante. Ela não é proibida nesta conexão. Deixe-me fazer isso por expansões.

        O procedimento demorou muito mais e, no final, Gaal disse, humildemente:

        – Agora percebi.

        Finalmente, Seldon parou.

        – Isto é Trantor daqui a três séculos. Como você interpreta isso? Hein? – inclinou a cabeça para o lado e ficou esperando.

        Gaal disse, sem acreditar:

        – Destruição total! Mas... Mas isso é impossível. Trantor nunca foi...

        Seldon estava repleto da intensa empolgação de um homem que só havia envelhecido no corpo.

        – Vamos, vamos. Você viu como se chegou ao resultado. Coloque isso em palavras. Esqueça o simbolismo por um momento.

        – À medida que Trantor se tornar mais especializado, vai se tornar mais vulnerável, menos capaz de se defender – disse Gaal. – Além disso, à medida que ele se torna, cada vez mais, o centro administrativo do Império, também se torna um prêmio maior. À medida que a sucessão imperial se tornar cada vez mais incerta e as rixas entre as grandes famílias crescerem mais, a responsabilidade social desaparece.

        – Chega. E a probabilidade numérica de destruição total em três séculos?

        – Não saberia dizer.

        – Mas certamente você sabe realizar uma diferenciação de campo?

        Gaal se sentiu sob pressão. Seldon não lhe ofereceu a calculadora. Ela estava sendo mostrada a uns trinta centímetros de seus olhos. Calculou furiosamente e sentiu a testa molhada de suor.

        – Cerca de 85%? – ele perguntou.

        – Não está mal ¾ disse Seldon, projetando o lábio inferior –, mas não está bom. A cifra correta é 92,5%.

        – E por isso o senhor é chamado Corvo Seldon? – disse Gaal. – Nunca vi nada disso nas publicações acadêmicas.

        – Mas é claro que não. Esse tipo de coisa não se publica. Você supõe que o Império poderia expor sua fragilidade dessa maneira? Esta é uma demonstração muito simples de psico-história. Mas alguns dos nossos resultados vazaram para a aristocracia.

        – Isso é ruim.

        – Não necessariamente. Tudo é levado em conta.

        -- Mas é por isso que estou sendo investigado?

        – Sim. Tudo a respeito do meu projeto está sendo investigado.

        – O senhor está em perigo?

        – Ah, sim. Há uma probabilidade de 1,7% de que eu seja executado, mas naturalmente isso não deterá o projeto. Também já levamos isso em consideração. Bem, não importa. Você me encontrará, suponho, na Universidade amanhã?

        – Sim – disse Gaal.

ASIMOV, Isaac. Fundação. Tradução Fabio Fernandes. São Paulo: Aleph, 2009, p. 26-28.

Fonte: Língua Portuguesa – Programa mais MT – Ensino fundamental anos finais – 9° ano – Moderna – Thaís Ginícolo Cabral. p. 19-22.

Entendendo o texto:

01 – O diálogo que você acabou de ler se inicia por uma fala aparentemente apreensiva de Gaal. Por que ele parece nervoso? Como o texto sinaliza esse sentimento?

      Gaal parece nervoso por estar finalmente conhecendo Hari Seldon e sua polêmica teoria. Para marcar essa hesitação e o sentimento apreensivo do personagem, são usadas repetições e reticências. Há também outro momento da narrativa em que o narrador sinaliza que ele parece responder às perguntas com cuidado por sentir que está prestes a cair em uma armadilha.

02 – Mesmo sem ler os dois capítulos que antecedem esse, sabemos, pelo diálogo entre os dois personagens, o que aconteceu com Gaal antes de conversar com Hari Seldon. De que modo?

      Para retomar os eventos anteriores, há uma parte da conversa em que Gaal responde a Hari que o nome do homem com o qual estava conversando é Jerril, e Hari afirma que aquele nome não é verdadeiro e que o homem, é na verdade, um agente da comissão de Segurança Pública que o estava seguindo.

03 – Podemos dizer que o conflito é uma parte da história em que surge uma tensão que obriga os personagens a modificarem seu trajeto e o modo como percebem a realidade. Um dos primeiros conflitos da história se anuncia nesse diálogo entre os personagens. Qual é esse conflito?

      Hari Seldon convida Gaal a fazer um cálculo matemático usando uma técnica chamada por ele de psico-história. Quando o jovem pesquisador começa a completar o cálculo, ele percebe que as contas parecem indicar que o império humano que colonizou quase toda a galáxia será destruído em poucos anos.

04 – Por que Hari Seldon foi apelidado de “Corvo Seldon”?

      Por desenvolver uma teoria que prevê catástrofes que culminarão na destruição do Império Galáctico construído pela humanidade (o corvo é considerado uma ave de mau agouro).

05 – Gaal aponta um aspecto como a principal causa dos problemas que farão com que o Império seja destruído. Qual fala nos ajuda a localizar essa informação?

      Essa informação encontra-se na seguinte fala de Gaal: “– À medida que Trantor se tornar mais especializado, vai se tornar mais vulnerável, menos capaz de se defender – disse Gaal. – Além disso, à medida que ele se torna, cada vez mais, o centro administrativo do Império, também se torna um prêmio maior. À medida que a sucessão imperial se tornar cada vez mais incerta e as rixas entre as grandes famílias crescerem mais, a responsabilidade social desaparece.” Gaal afirma que, entre as principais causas da ruína iminente do Império, estão o fato de a raça humana, de modo ganancioso, preocupar-se com a ampliação dos territórios colonizados sem considerar a responsabilidade social pelas pessoas que habitam esses lugares e a ganância das famílias dos imperadores, que farão de tudo para tomar o poder sem medir as consequências éticas de suas ações.

 

 

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