terça-feira, 28 de setembro de 2021

CRÔNICA: ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE - RACHEL DE QUEIROZ - COM GABARITO

 Crônica: Assim caminha a humanidade

            Rachel de Queiroz 

        Há muito que penso nisso e muitas pessoas devem ter pensado a mesma coisa. Mas ninguém fala, ninguém diz nada. Por que, não o sei. Trata-se do automóvel. Essa maravilha mecânica, o veículo revolucionário que acabou com os carros de tração animal e expulsou o trem urbano para os longos percursos.

        E agora esse totem da nossa era, o AUTOMÓVEL, também chega ao seu fim, transforma-se num veículo obsoleto. Não serve mais. A finalidade a que se destinava, nas áreas urbanas: transporte individual, rápido, seletivo, perdeu o sentido.

        Você, hoje, para transpor alguns poucos mil metros, da sua casa para o centro, leva o mesmo tempo que gastaria se fosse caminhando a pé. As ruas de todas as cidades do mundo [...] vivem atravancadas por essas tartarugas ninjas, andando a passo de – sim, de tartaruga mesmo, cada uma ocupando um espaço que vai de 10 a 12 metros quadrados e transporta na sua grande maioria só uma ou duas pessoas, no máximo três, se houver o motorista.

        Arrogante. Nas suas janelas de cristal, na pintura luzidia, nos metais polidos, o automóvel é, acima de tudo, um monstro de egoísmo. A área que ele exige para si, na via pública, em vez de dois personagens lhe ocupando os assentos, daria para, no mínimo, três bancos de três pessoas, folgadamente instaladas. [...]

        É, temos de livrar as ruas disso que Macunaíma chamava "a máquina veículo automóvel". O carro puxado a cavalos também não desapareceu, por obsoleto? Hoje nem a rainha da Inglaterra o emprega, prefere os seus reluzentes Rolls Royces. Tal como não se podia mais suportar o atropelo e sujeira dos cavalos, das lerdas carruagens do fim do século 19, assim também o automóvel acabou.

        Há que substituí-lo por um transporte coletivo de qualidade, rápido, limpo, confortável. Metrôs, ou mesmo grandes veículos de superfície, sei lá. A cabeça dos técnicos já deve estar trabalhando, a dos urbanistas, a dos chamados cientistas sociais.

        [...]

         Quem sabe vai-se recorrer ao transporte aéreo, grandes helicópteros que seriam como ônibus voadores, pousando em heliportos arranjados nos tetos dos grandes edifícios? Não sei… Porque logo apareceriam helicópteros particulares, cada executivo teria o seu, de luxo, importado. O que, aliás, já está acontecendo. Eu mesma já viajei num desses, a convite de um amigo.

        Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os sequestros, os meninos de rua, as favelas e demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então a solução seria acabar mesmo com os próprios grandes ajuntamentos urbanos. Voltar todo mundo a se espalhar pelo campo, só procurando os centros quando a natureza do seu trabalho o exigisse.

        Até que o campo se deteriorasse também – já que esse é o destino do homem sobre a terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou.

 QUEIROZ, Rachel. Deixa que eu conto. São Paulo: Global, 2003.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 4ª edição São Paulo 2015 p. 108-10.

Entendendo a crônica:

01 – O título do texto é “Assim caminha a humanidade”. A que se refere o texto?

      Provavelmente a alguma coisa que faz parte do dia a dia dos seres humanos, mas em direção ao futuro.

02 – Lendo apenas os trechos destacados no texto e associando-os à leitura do título, pense e responda:

a)   Provavelmente, o texto é predominantemente descritivo, narrativo ou argumentativo? Como você chegou a essa resposta?

Predominantemente argumentativo, pois se desenvolve defendendo uma ideia.

b)   O tom do texto em relação às atitudes humanas deve ser mais otimista ou pessimista? O que o fez pensar assim?

Pessimista. Sugestão: Foi escrito nos trechos destacados, por exemplo: “Mas ninguém fala, ninguém diz nada”.

03 – A cronista afirma que o automóvel não serve mais à finalidade a que se destinava. Por quê? Qual era a finalidade original do automóvel?

      Porque ele devia ser um transporte prático e rápido para distâncias maiores, urbanas. Como as ruas estão cheias demais, congestionadas, o automóvel não consegue mais se deslocar com rapidez.

04 – Observe que o texto tem dez parágrafos:

·        No primeiro parágrafo, apresenta-se o assunto da crônica: o automóvel e o trânsito caótico dos centros urbanos.

·        No segundo parágrafo, a crônica apresenta uma opinião: o automóvel vai acabar.

·        No terceiro e no quarto parágrafos, comenta-se o que é o carro, hoje, e o enorme problema do trânsito urbano.  

            a)   De que tratam os parágrafos quinto ao oitavo? Explique resumidamente.

Nesses parágrafos, a cronista discute alternativas e possibilidades, em contraste com a situação atual, para que se escape ao caos que os carros trouxeram aos grandes centros urbanos.

b)   A que conclusão a cronista chega nos dois últimos parágrafos?

Ela constata o que pode acontecer se não se fizer nada a respeito desse problema, assim como se não se fizer nada com relação aos estragos que os seres humanos provocam no mundo em que vivem.

05 – Releia o último parágrafo e identifique qual é a opinião da cronista sobre as ações humanas, de maneira geral.

      Ela acha que o ser humano não sabe conservar o que é bom e viver bem, porque cada um pensa apenas em si mesmo e não no planeta, no seu ambiente.

06 – Você concorda com a opinião da cronista? Justifique sua resposta de maneira convincente, dando pelo menos dois argumentos que confirmem sua opinião.

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Qual é a ideia central do texto? Resuma, em apenas um parágrafo, a mensagem principal da crônica.

      A ideia central é a situação incoerente em que se encontra o ser humano: o desenvolvimento tecnológico, que deveria beneficiar a todos, traz prejuízos à natureza e às pessoas. Como é o caso do automóvel, que veio para facilitar o transporte, por ser mais rápido e mais confortável para longas distâncias, mas se tornou um empecilho urbano, pois ocupa muito espaço, leva poucas pessoas e, em vez de facilitar, dificulta a locomoção dentro dos grandes centros urbanos.

08 – Que sentimentos a crônica desperta no leitor? Em seu caderno, copie dois trechos que justifiquem sua resposta.

      Possibilidades: amargura, decepção, pessimismo. “[...] este é o destino do homem sobre a Terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou”; “Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os sequestros, os meninos de rua, as favelas e demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então a solução seria acabar mesmo com os próprios grandes ajuntamentos urbanos.”

09 – Justifique o título da crônica, explicando que sentidos podemos atribuir a ele.

      O título exprime ironicamente certo conformismo ao constatar que o destino da humanidade é caminhar para uma situação pior que a que tinha antes, porque destrói seu ambiente. O título também se refere ao modo como “se caminha” nas grandes cidades: os carros, que deveriam agilizar a locomoção das pessoas, congestionam as ruas e por isso todos andam muito devagar.

 

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