domingo, 12 de setembro de 2021

ENTREVISTA: CRISE POLÍTICA E FRAGILIDADE DAS INSTITUIÇÕES AGRAVAM A VIOLÊNCIA - RICARDO MACHADO - COM GABARITO

 Entrevista: Crise política e fragilidade das instituições agravam a violência. Entrevista especial com Sérgio Adorno

 Por: Ricardo Machado | Edição: Vitor Necchi | 10 Março 2018

         Não há respostas simples para explicar a gênese da violência no Brasil, entende o cientista social Sérgio Adorno. “As raízes devem ser buscadas na colonização e em seus modos cruéis e rudes de dominação. No entanto, convém lembrar que a condenação da violência, em suas múltiplas formas, é um fenômeno moderno”, afirma.

        [...]

        Ainda não há consenso entre pesquisadores acerca do que sejam sociedades seguras. “Muitos de nós sustentam que, naquelas sociedades onde são menores as desigualdades sociais e há maior solidez institucional e reconhecimento das autoridades encarregadas de aplicar lei e ordem, as taxas de crimes, especialmente os violentos, são menores e não constituem uma preocupação exacerbada na agenda pública”, explica Adorno em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

        Confira a entrevista.

        IHU On-Line – Quais são as raízes da violência no Brasil?

        Sérgio Adorno – Não há respostas simples. As raízes devem ser buscadas na colonização e em seus modos cruéis e rudes de dominação. No entanto, convém lembrar que a condenação da violência, em suas múltiplas formas, é um fenômeno moderno. No passado, seu emprego não era objeto de censura. Na era colonial, a propriedade da terra, fonte de poder e mando, se estendia a tudo o que gravitava em torno do patrimônio e de sua organização social – o patrimonialismo, inclusive o corpo das mulheres, dos escravos e das crianças. Tudo era concebido como uma espécie de extensão do poder senhorial.

        No mesmo sentido, empregar violência desmedida para extinguir inimigos, opositores políticos ou movimentos de protesto coletivo era recurso de poder legítimo. Ainda que saibamos que o presente não é mera repetição do passado, traços dessa cultura que associa violência – como se legítima fosse – ao poder social e político se atualizaram na cultura política brasileira, ao longo da história, concorrendo com a cultura política democrática que justamente apela para a tolerância, para o respeito às diferenças.

        IHU On-Line – Como compreender o signo da violência na sociedade contemporânea? Que dimensões – sutis e grotescas – estão em jogo?

        Sérgio Adorno – [...] No curso histórico, o Estado moderno é justamente a comunidade política que detém o monopólio legítimo do poder coercitivo, o que significa deter o monopólio das forças armadas e policiais, o monopólio da aplicação das leis – em especial as penais – e o monopólio fiscal. Pois bem, mais recentemente historiadores e sociólogos estão identificando, nas sociedades contemporâneas, um processo descivilizatório, marcado pela ruptura das regras de cortesia nas relações interpessoais – de que os xingamentos públicos de uns em relação aos outros e as agressões às identidades coletivas e pessoais são alguns dos sintomas mais notórios – e pelo enfraquecimento do Estado-nação por força do processo de globalização.

        [...]

        IHU On-Line – Por que a violência é algo que divide as pessoas? Como essa dinâmica reforça os processos de desigualdade?

        Sérgio Adorno – Ainda não há um consenso, entre pesquisadores e especialistas, em que de fato consistem sociedades seguras. Muitos de nós sustentam que, naquelas sociedades onde são menores as desigualdades sociais e há maior solidez institucional e reconhecimento das autoridades encarregadas de aplicar lei e ordem, as taxas de crimes, especialmente os violentos, são menores e não constituem uma preocupação exacerbada na agenda pública.

        [...] Quando alguns grupos sociais se sentem mais seguros do que outros porque são preferencialmente beneficiários da proteção estatal, temos um cenário de divisão.

        Exemplos são muitos. Por exemplo, veja a distribuição das taxas de homicídios entre os bairros de um município determinado. Nos bairros onde habitam preferencialmente cidadãos e cidadãs procedentes dos estratos médios e altos das hierarquias sociais, as taxas estão quase sempre abaixo da média local, regional ou nacional. O mesmo não ocorre nos bairros onde se concentram aqueles procedentes dos estratos socioeconômicos de baixa renda. Paradoxalmente, naqueles bairros de classes médias e altas, o medo do crime é exacerbado, e frequentemente os pobres são acusados de responsáveis pelos crimes e pela insegurança em geral. Nos bairros onde os pobres predominam, é comum observarmos a naturalização das mortes, como se fossem uma espécie de destino a ser cumprido.

        [...]

        IHU On-Line – A crise política e a fragilidade das instituições políticas agravam o problema da violência?

        Sérgio Adorno – Sim, seguramente. Principalmente quando desorganizam os serviços públicos, geram incertezas entre profissionais competentes e responsáveis e impedem alocação de recursos, modernização de equipamentos e de infraestrutura em geral. O resultado é sempre o enfraquecimento do poder institucional e o apelo, mais e mais, a medidas extralegais, à violência abusiva e a precipitação de medidas como a intervenção federal no Rio de Janeiro.

        IHU On-Line – Como a defesa intransigente da vida, como direito fundamental a todos os seres, independentemente da condição socioeconômica, conforma um paradigma capaz de reorganizar as dinâmicas da violência?

        Sérgio Adorno – Infelizmente, não se logrou ainda um consenso, mínimo que seja, a respeito de valores que não podem ser transgredidos, não importa em nome do quê. A vida, por exemplo. Temos visto, não apenas no campo da segurança pública, uma certa atitude de desprezo pela vida dos mais pobres, daqueles não alcançados pelas políticas públicas sociais distributivas. É como se aceitássemos, de bom grado, que uns devem morrer para que os “mais competentes” possam sobreviver. Questão indicativa de uma espécie de anestesia moral que se manifesta em alguns grupos socialmente privilegiados e que não revelam empatia e sequer compaixão com a vida e o destino social de milhares de famílias com seus filhos que, lamentavelmente, repetirão a trajetória trágica de seus pais.

        É preciso mudar esse cenário, transformar mentalidades, reconstruir princípios de vida associativa e cooperativa que ultrapassam as clivagens socioeconômicas, as desigualdades de poder. Trata-se de uma tarefa confiada às escolas e às universidades, aos formadores de opinião, aos gestores de redes sociais, aos governantes e políticos profissionais identificados com o bem comum, capazes de oferecer às próximas gerações uma qualidade de vida e de democracia superior.

MACHADO, Ricardo. Crise política e fragilidade das instituições agravam a violência. Entrevista especial com Sérgio Adorno. Revista Humanitas Unisinos On-line, Rio Grande do Sul, 10 mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2ScFJXu. Acesso em: 24 set. 2018.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 131-4.

Entendendo a entrevista:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Alocação: destinação (referente à economia); uso para tratar de destinação de dinheiro.

·        Clivagem: Divisão ou oposição existente entre grupos sociais ou étnicos (Sociologia).

·        Coercitivo: que reprime.

·        Descivilizatório: tornando(-se) bárbaro, bruto, selvagem.

·        Estrato: cada uma das camadas sociais mais ou menos segregadas entre si em decorrência de suas diferenças.

·        Extralegal: tudo que não é disciplinado por lei.

·        Gênese: origem.

·        Instituição política: estrutura política, estabelecida por lei, que rege os poderes Executivo e Legislativo.

·        Monopólio: controle exclusivo de toda ou de quase toda atividade.

·        Paradoxalmente: contraditoriamente.

02 – Releia o título da reportagem:

        Crise política e fragilidade das instituições agravam a violência. Entrevista especial com Sérgio Adorno.”

a)   Como o título da reportagem foi produzido?

Foi produzido com uma paráfrase de uma fala do entrevistado.

b)   O que o título antecipa em relação à entrevista?

Duas das causas que agravaram a violência.

03 – No primeiro parágrafo da reportagem, é feita a apresentação e a contextualização do entrevistado. Responda:

a)   Quem é o entrevistado?

O professor Sérgio Adorno.

b)   Por que ele foi convidado pela Revista Instituto Humanitas Unisinos On-line para ser entrevistado?

Porque é especialista em estudos sobre violência.

c)   Qual a relevância da análise do entrevistado sobre a violência no Brasil? Que fatos originaram essa entrevista?

A relevância da entrevista é compreender como se origina a violência, tendo em vista que há uma escalada em todo o país, com o agravante no Rio de Janeiro, que culminou na intervenção militar.

04 – Durante a entrevista, o pesquisador apresentou uma tese sobre a origem da violência no Brasil. Responda:

a)   Segundo o entrevistado, quais são as raízes da violência no Brasil? Explique.

As raízes vem desde a colonização e em seus modos cruéis e rudes de dominação, incorporando valores à cultura até os dias de hoje, embora o mundo não valide mais a violência para tomar o poder de terras.

b)   O que o contexto histórico da criação da nação brasileira revela sobre a herança cultural da violência no Brasil?

Os colonizadores, quando chegaram ao Brasil, usaram métodos cruéis de dominação. Na era colonial, a propriedade da terra era conseguida extinguindo inimigos, opositores políticos ou movimentos de protesto coletivo. Tudo isso era visto como um recurso de poder legítimo. Esses traços de violência se arraigaram na cultura brasileira.

05 – Por que o autor e outros pesquisadores defendem que estamos vivendo um processo descivilizatótio? O que isso significa na prática?

      O processo descivilizatório é marcado pela ruptura das regras de cortesia nas relações interpessoais. Na prática, isso se revela com as ofensas nas redes sociais, por exemplo, a intolerância no trânsito ou a agressão física porque a pessoa pensa diferente ou é de outra etnia ou orientação sexual.

06 – De acordo com o entrevistador, a dinâmica da violência reforça desigualdades sociais. Responda:

a)   Como são as sociedades mais seguras de acordo com muitos pesquisadores?

São aquelas em que há menos desigualdades sociais e há maior solidez institucional e reconhecimento das autoridades encarregadas de aplicar a lei e a ordem. Nesses países, as taxas de homicídio são menores ou quase inexistentes.

b)   Qual exemplo é dado para mostrar que a desigualdade social e os números de violência caminham lado a lado?

Nos bairros em que habitam pessoas de classes alta e média-alta, as taxas de violência estão sempre abaixo da média local, regional ou nacional. Em contrapartida, nos bairros em que se concentram as classes mais pobres, o índice de violência é quase sempre mais alto que a média.

c)   Por que há maior percepção da violência entre pessoas que vivem em bairros menos violentos que aquelas de lugares com as taxas mais altas?

Nos bairros de classes média e alta, o medo do crime é exacerbado e frequentemente os pobres são acusados de serem responsáveis pelos crimes e pela insegurança em geral. Nos bairros mais pobres, há uma naturalização das mortes, e a percepção da violência é menor.

07 – A entrevista é um gênero textual do campo jornalístico/midiático cuja composição é apresentação, contextualização do entrevistado e do tema, pergunta e resposta. Responda:

a)   Releia o primeiro parágrafo. É feita a apresentação do tema ou do entrevistado? O que essa escolha revela sobre o enfoque dado pela Revista IHU nessa entrevista?

Sim, é feita a apresentação do tema e do entrevistado. Essa escolha revela o enfoque da Revista IHU em discutir temas, não o currículo das pessoas, e apresentar a posição assumida sobre determinadas questões.

b)   Na contextualização do entrevistado, qual enfoque é dado à sua biografia?

É dado o enfoque sobre o trabalho feito pelo entrevistado no Núcleo de estudos da Violência (NEV).

c)   Como o tema é apresentado? No texto, estabelece-se relação com o currículo do entrevistado?

O tema é apresentado com trechos da fala de Sérgio Adorno sobre violência. Além disso, o texto estabelece relação com o currículo do entrevistado, que é referência em estudos sobre violência.

d)   Na parte da entrevista, o enfoque encontra-se mais na pergunta ou na resposta? Que papéis são alternados entre entrevistador e entrevistado? Explique.

O enfoque encontra-se mais na resposta. Isso porque o papel do entrevistador é perguntar o que for pertinente para informar o leitor, e o do entrevistado, fornecer resposta integral àquilo que foi perguntado.

08 – Releia a entrevista, observando a distribuição dos tempos verbais no texto. Responda:

a)   Em quais situações do texto os verbos são apresentados no presente do indicativo? Que efeito de sentido é produzido com esse uso?

O texto apresenta-se predominantemente no presente do indicativo. Esse uso produz efeito de atualidade às informações e aos argumentos apresentados.

b)   Em quais situações do texto os verbos são apresentados no pretérito perfeito? Que efeito de sentido é produzido com esse uso?

Na parte da entrevista, em que o entrevistado aborda o contexto histórico que ele trata sobre a gênese da violência. O efeito produzido foi retomar ações passadas e relacioná-las com o presente, tendo em vista que, em seguida, volta-se a usar o presente do indicativo.

 

 

 

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