quinta-feira, 6 de agosto de 2020

TEXTO: OS ESPELHOS DE PHANUEL - HARDY GUEDES - COM GABARITO

        Texto: Os espelhos de Phanuel

                    Hardy Guedes

        Conheci um dia, vivendo na mais profunda miséria, o melhor fabricante de espelhos que já houve em todo o mundo.

        Chamava-se Phanuel e era perfeito em seu ofício; um artesão inigualável.

        Dava gosto vê-lo em sua oficina. Os seus olhos experientes, especialistas, não permitiam qualquer imperfeição, nem riscos, nem manchas. Por isso, emprestava à escolha do cristal uma atenção redobrada.

        O mesmo se dava como aço, em cujo polimento gastava horas e horas de paciência e dedicação.

        É desnecessário dizer que o resultado era simplesmente fantástico.

        As imagens refletidas nos espelhos de Phanuel não deixavam escapar os detalhes mais sutis do original, além de não apresentarem quaisquer distorções.

        Mas, apesar de toda a perfeição e cuidado, Phanuel mal conseguia ganhar o suficiente para a sua sobrevivência. As encomendas que recebia eram poucas; pouquíssimas por sinal.

        Nessa ocasião, eu trabalhava como mercador e, por onde passava, procurava apregoar a excelência dos seus espelhos, na esperança de lhe conseguir algumas encomendas a mais.

        A minha ajuda pouco adiantava. Eu não sabia o quê, nem por quê, mas havia algo nos espelhos que, mesmo com toda a arte empregada no seu fabrico, não lhes conferia o sucesso merecido.

        Certa vez, fiz uma longa viagem a um porto distante. Aguardava a chegada de um navio com uma remessa de tecidos e tapetes orientais. Pra meu azar, houve um atraso inesperado e considerável devido ao mau tempo. Uma tempestade obrigou o capitão a desviar a nau de seu destino original.

        Além desse contratempo, fui acometido de uma febre estranha que me deixou acamado por um longo período.

        Assim, fiquei um bom tempo sem ver o meu amigo Phanuel.

        Logo que pude, voltei ao meu ofício de mercador e, ao passar pela cidade onde morava o artesão, qual não foi minha surpresa: a velha oficina não existia mais. Em seu lugar, havia uma outra, moderna, numa atividade febril.

        -- Ora, viva! – exclamei. – Até que enfim o seu talento foi reconhecido!

        -- Bons olhos o vejam, mercador! Andava preocupado, sem notícias suas.

        -- Tive alguns problemas, mas já estão sanados. E você? Conseguiu, finalmente, o sucesso com os seus espelhos?

        -- Não da forma como você está pensando.

        -- Como assim?

        -- Não fabrico mais os espelhos de antigamente.

        -- Não!?

        -- É uma longa história. Vamos combinar o seguinte: hoje à noite, você vai à minha casa. Faço questão de recebe-lo! Durante o jantar, eu lhe contarei tudo o que aconteceu comigo, desde a última vez que nos vimos.

        A minha curiosidade não deu sossego e aumentou à medida que foi se aproximando a hora de me dirigir à casa de Phanuel.

        Lá chegando, fiquei admirado. Era um verdadeiro palacete: jardins, fontes, aves ornamentais... internamente, decorada com bom gosto e requinte.

        Um empregado conduziu-me a uma das salas, onde o artesão me aguardava.

        -- Bem-vindo seja, mercador! Sinta-se, por favor, em sua própria casa!

        -- Obrigado, meu bom amigo! Quero dizer que estou imensamente feliz com a sua prosperidade. Mas, não estou conseguindo controlar a minha ansiedade em saber como você, de um pobre artesão, transformou-se em alguém tão rico.

        Phanuel ordenou que servissem o jantar preparado em minha homenagem; iguarias como jamais havia provado em toda a minha vida.

        Enquanto nos alimentávamos, ele relatou-me a transformação de sua vida.

        -- Após a sua última visita, as encomendas foram rareando, rareando, a ponto de passar dias e dias seguidos sem ter o que fazer. Isso foi me dando um desespero tamanho, em função de não conseguir mais com o meu trabalho o mínimo necessário ao meu sustento. Ao terminar a última de minhas provisões, resolvi dar cabo de minha vida. Pensei, naquela ocasião, que esta saída seria mais nobre do que misturar-me aos indigentes e mendigos da cidade.

        -- Nunca poderia imaginar que a sua situação fosse chegar a esse ponto!

        -- Esperei o dia nascer, fiz uma oração pedindo perdão a Deus pelo ato que iria cometer e caminhei até a ponte na estrada da cidade. O rio que passa debaixo dela é profundo o suficiente para que alguém como eu, que nunca soube nadar, fosse levado pela corrente e desaparecesse sem deixar rastro. Esse era o fim que planejara naqueles dias de aflição. Ao chegar à ponte, porém, notei que havia um ancião, já sentado na amurada, com uma pedra amarrada à mesma corda que estava presa ao seu pescoço. Não sei o que me deu naquela hora. Corri em sua direção, agarrei-o e impedi que ele se suicidasse. Acho que o meu instinto de sobrevivência e o meu amor ao próximo foram mais forte.

        -- “Por que não me deixas morrer, se é tudo que quero?” – perguntou-me.

        Eu lhe contei, então, o meu drama pessoal. Falei de minhas dificuldades e que estava ali, com as mesmas intenções de procurar a morte, até que o vi. Disse-lhe mais: que naquela hora, salvando a vida de um entranho, senti que ainda tinha muito a realizar e, humildemente, agradeci a sua presença naquele lugar. O velhinho, Amazarak era o seu nome, olhou-me comovido e disse: “Não há dúvida que o destino que nos aproximou, de forma tão misteriosa, deve ter lá as suas razões. Eu, também, acabo de descobrir uma nova motivação para continuar vivendo. Esta motivação é ensiná-lo a fabricar espelhos”.

        -- Fabricar espelhos!? Como, se não há ninguém no mundo capaz de superá-lo nesta arte?

        -- Eu acho que, algum dia, eu mesmo cheguei a acreditar nisso. Pura vaidade! Amazarak sabia bem o que estava dizendo. Ensinou-me, então, o principal segredo da fabricação de espelhos. Graças a ele, mudei a minha vida da água para o vinho!

        -- Que segredo é esse, Phanuel? Conte-me logo, porque se eu não tivesse lhe conhecido antes, presenciado a sua transformação; se não ouvisse esta história de sua própria voz, eu jamais acreditaria! Eu que vi a sua dedicação, o amor à arte de fabricar espelhos perfeitos, não consigo crer que alguém tivesse algo a lhe ensinar sobre este ofício!

        -- Na verdade, meu caro amigo, o segredo é bem simples. Eu, realmente, fazia espelhos perfeitos. Por isso não conseguia o sucesso almejado. Isso era o que me faltava aprender.

        -- Não estou entendendo!

        -- É que a maioria das pessoas não deseja, de fato, um espelho perfeito. Porque num espelho assim, elas se veem como realmente são e não como gostariam de se ver. Com os ensinamentos de Amazarak, aprendi a fazer espelhos adequados à vaidade humana. Este é o segredo: quem se olha nos espelhos que faço hoje, vê, apenas, o que deseja ver.

        Saí da casa de Phanuel meditando sobre sua fantástica história, com a certeza de haver aprendido uma grande lição de vida.

        Infelizmente, o segredo de Amazarak se aplica, também, a todo relacionamento humano. A verdade, a sinceridade, a franqueza, nem sempre agradam.

        Por isso não paravam de crescer as encomendas dos novos espelhos de Phanuel!

                                                 Hardy Guedes.

                                Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 78-81.

Entendendo o texto:

01 – O que significa ser um artesão inigualável? Justifique sua resposta com um exemplo.

      Ser um indivíduo que exerce, por conta própria, uma arte, um ofício manual e de valor insuperável devido à sua qualidade profissional.

02 – “Os seus olhos experientes, especialistas, não permitiam qualquer imperfeição, nem riscos, nem manchas. Por isso, emprestava à escolha do cristal uma atenção redobrada”.

a)   Identifique o sujeito da primeira e da segunda frases.

Os seus olhos experientes, especialistas / ele (Phanuel).

b)   Se a mesma personagem executou as ações das duas frases, por que cada frase apresenta um sujeito diferente?

Porque a substituição do todo pela parte foi usada para evitar a repetição do sujeito e para aumentar a relação entre o olhar da personagem e o seu ofício.

03 – Reescreva as frases a seguir sem modificar o significado original.

a)   “Não da forma como você está pensando”.

Não do jeito, da maneira como você está pensando. / Não vendendo os espelhos perfeitos de antes.

b)   Resolvi dar cabo de minha vida.

Resolvi me suicidar.

c)   Não sei o que me deu naquela hora.

Não sei o que senti / aconteceu comigo naquela hora.

04 – Reescreva as frases a seguir substituindo os termos em destaque por expressões ou frases que tornem os acontecimentos explícitos.

a)   “Isso foi me dando um desespero tamanho”.

O fracasso de venda dos espelhos foi...

b)   “Pensei, naquela ocasião, que esta saída seria mais nobre...”.

Pensei, naquela ocasião, que me suicidar seria a saída / a solução mais nobre.

05 – Você sabe o que faz um mercador? Consulte o dicionário.

      Um mercador é um comerciante.

06 – Phanuel tinha um amigo. Verdadeiro! Justifique a afirmação.

      Mesmo depois de longa ausência, não houve esquecimento no reencontro, mas o fortalecimento da amizade já existente.

07 – Se Phanuel já conhecia todas as técnicas para fabricar espelhos perfeitos, o que Amazarak ensinou para ele?

      Amazarak ensinou Phanuel a fabricar espelhos que refletissem a imagem das pessoas da maneira que elas queriam ser vistas.

08 – O amigo de Phanuel tira suas próprias conclusões a partir da lição aprendida por Phanuel.

a)   Identifique essa conclusão.

“A verdade, a sinceridade, a fraqueza nem sempre agradam”.

b)   O que você pensa sobre o assunto?

Resposta pessoal do aluno.

09 – Por que a maioria das pessoas não deseja um espelho perfeito? Justifique de acordo com o texto.

      Porque as pessoas preferem se ver no espelho como desejariam ser. Estão insatisfeitas consigo mesmas.

10 – Após a leitura do texto, que conclusões se pode tirar para o nosso cotidiano? Fale indicando o seu ponto de vista.

      Resposta pessoal do aluno.

   

 


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