Crônica: Vida em manchetes
-- Viu só? Caiu outro avião.
-- É. Desta vez foram 85 mortos.
-- Já tomei uma decisão: nunca mais
entro em avião.
-- Bobagem.
-- Bobagem é morrer.
-- Então não entra mais em carro,
também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de...
-- Mas não entrar em automóvel eu já
tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de
tanto caminhar.
-- Você caminha por onde?
-- Como, por onde? Pela calçada, ué.
-- Dá todo dia no jornal. “Ônibus
desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais
entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.
-- Quer dizer que calçada...
-- É perigosíssimo...
-- O negócio é não sair de casa.
-- E, é claro, mandar cortar a luz.
-- Por que cortar a luz?
-- Pensa num dedo molhado e distraído
na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando trocava lâmpada. Fratura na base
do crânio.”
-- Está certo. Corto a luz.
-- “Tropeça no escuro e bate com a
têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?
-- Gás.
-- Escapamento. “Vizinhos sentiram
cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: "Explosão de botijão
arrasa apartamento.”
-- Fogareiro a querosene.
-- “Tocha humana! Morreu antes que...”
-- Comida enlatada fria.
-- Botulismo.
-- Mando comprar comida fora.
-- Espinha de peixe na garganta.
Ossinho de galinha na traqueia. “Comida estragada, diarreia fatal!”
-- Não preciso de comida. Vivo de
injeções de vitamina...
-- Hepatite...
-- ... e oxigênio
-- Poluição. “Autópsia revela: pulmão
tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.
-- Vou viver no campo, longe da
poluição, do trânsito...
-- Picada de cobra. Coice de Mula.
Médico não chega a tempo.
-- Não saio mais da cama!
-- Está provado: 82 por cento das
pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.
-- Mas eu escapo. A mim eles não pegam.
Tenho um jeito infalível de escapar da morte.
-- Qual é?
-- Eu vou me suicidar.
VERÍSSIMO, Luís Fernando.
“Vida em Manchetes”. In: A grande Mulher Nua. 2ª ed. Rio de Janeiro. Liv. José
Olympio. Ed. 1976. P. 73-4.
Entendendo a crônica:
01 – Com a leitura do texto,
podemos concluir, sobretudo, que:
a)
A morte deve ser encarada com algo natural.
Sendo assim, não devemos ser tão cuidadosos com os perigos oferecidos à vida.
b)
Aviões caem, literalmente, todo dia.
c)
Morre-se mais de acidente aéreo que de
acidente rodoviário.
d)
Todos os que morrem viram manchetes. O que
justifica o título do texto.
e)
O texto, como um todo, ironiza o
medo que uma das personagens tem de morrer.
02 – A respeito do vocábulo eles, presente em: “A mim eles
não pegam”, pode-se inferir que:
a)
Nega uma ideia anteriormente expressa.
b)
É um pronome que substitui, no
texto, os fatores causadores da morte de um indivíduo.
c)
Desorganiza o texto, pois sua utilização não
se refere a nenhum termo propriamente dito.
d)
Contradiz a fala da personagem, pois não
retoma o que havia sido mencionado.
e)
Altera o sentido do texto, provocando efeitos
e humor.
03 – A frase inicial “Viu
só? Caiu outro Avião”:
I – É uma forma de o autor
situar o leitor do tema a ser tratado no texto.
II – A chamada ironia do
destino de que trata o autor é saber que a morte é inevitável.
III – O verbo colher (em: “Ônibus desgovernado
sobe na calçada e colhe pedestre”), pode ser substituído por atropelar, pois se infere que,
no texto, possui esta significação.
IV - Em: “Comida estragada, diarreia fatal!”, a
vírgula pode ser substituída pelo vocábulo porém,
sem alteração de sentido.
Sobre os itens acima, estão
corretos apenas:
a)
I e II.
b)
II e III.
c)
I e III.
d)
II e IV.
e)
III e IV.
04 – Sobre a relação entre
as frases: “Bobagem é morrer” e “Eu vou me suicidar.”, proferidas por
uma das personagens do texto, NÃO
podemos dizer que:
a)
Apresentam um tom profético quanto
à vida do ser humano.
b)
Denotam mudança do pensamento inicial da
personagem em vista dos argumentos apresentados sobre os riscos de se morrer de
qualquer coisa e em qualquer lugar.
c)
Contradizem o pensamento inicial da
personagem.
d)
Reproduzem uma medida extrema quanto a
situações cotidianas que oferecem perigo à vida.
e)
Apresentam uma gradação na sequência lógica
do texto.
05 – Analise as afirmativas
que dizem respeito ao vocábulo ando,
empregado em “Você não notou que eu ando
mais magro?”
I – Pode ser substituído por
caminho.
II – Serve como elo entre o
vocábulo eu, que representa
uma das personagens, e a expressão mais
magro.
III – Neste contesto, é
considerado verbo nocional ou de ação.
IV – Ao ser substituído pelo
vocábulo estou, não altera a
estrutura sintática do fragmento.
Estão corretas apenas as
afirmações:
a)
I e II.
b)
II, III e IV.
c)
I, III e IV.
d)
II e IV.
e)
II e III.
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