terça-feira, 25 de agosto de 2020

POEMA: CAMPOS DE FLORES - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: Campos de Flores

           Carlos Drummond de Andrade

Deus me deu um amor no tempo de madureza,

quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.

Deus – ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro,

e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

 

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos

e outros acrescento aos que amor já criou.

Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso

e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

 

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia

e cansado de mim julgava que era o mundo

um vácuo atormentado, um sistema de erros.

Amanhecem de novo as antigas manhãs

que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

 

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra

imensa e contraída como letra no muro

e só hoje presente.

Deus me deu um amor porque o mereci.

De tantos que já tive ou tiveram em mim,

o sumo se espremeu para fazer vinho

ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

 

E o tempo que levou uma rosa indecisa

a tirar sua cor dessas chamas extintas

era o tempo mais justo. Era tempo de terra.

Onde não há jardim, as flores nascem de um

secreto investimento em formas improváveis.

 

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso

para arrecadar as alfaias de muitos

amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,

e ao vê-los amorosos e transidos em torno,

o sagrado terror converto em jubilação.

 

Seu grão de angústia amor já me oferece

na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia

os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura

e o mistério que além faz os seres preciosos

à visão extasiada.

 

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,

há que amar diferente. De uma grave paciência

ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia

tenha dilacerado a melhor doação.

Há que amar e calar.

Para fora do tempo arrasto meus despojos

e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

 ANDRADE, Carlos Drummond de. Campo de flores. In: __________. Claro enigma. Livro vira-vira 2. Rio de Janeiro, RJ: Best Bolso, 2010. p. 49-50.

Entendendo o poema:

01 – Na questão abaixo, marque com (V) verdadeiro e (F) falso. No poema, o eu lírico:

(F) Enfatiza a origem divina do amor, relativizando a força demoníaca com que ele atua.

(V) Articula sua experiência individual a outras vivências amorosas.

(V) Relata um desencanto amoroso passado que, no presente, tende a se repetir.

(F) Declara-se ansioso por recuperar o tempo perdido, na tentativa de atingir a plenitude amorosa.

(V) Esboça um projeto de vida voltado para a superação da amargura e do sofrimento que até então o haviam dominado.

(V) Passa de um estado contemplativo e melancólico para outro de renovação e de redescoberta.

(F) Insere a sua realidade amorosa na realidade preexistente, dando-lhe contudo, dimensão nova.

02 – Marque com (V) verdadeiro e (F) falso. Constitui declaração comprovável no texto:

(F) A racionalidade bloqueia a expectativa de eternizar o presente.

(V) O tempo atual é de crescimento pessoal do sujeito poético, em relação ao tempo em que o sentimento amoroso estava hibernando em seu interior.

(V) O sentimento amoroso submete o indivíduo a situações de caráter paradoxal.

(V) O jogo do amor está ligado a questão essencialmente culturais.

(F) A experiência do amor é diferenciada em função do momento da vida em que ela ocorre.

(V) O título alegoriza um momento em que a vida pode brotar rejuvenescida pelo amor.

03 – Marque com (V) verdadeiro e (F) falso. Há uma explicação correta em:

(V) “Ou” e “ou” ligam ideias indicativas de situações contrastantes, decorrentes da ação do tempo.

(V) “Pois” introduz um enunciado de valor argumentativo.

(F) “Um amor” e “amor” referem-se, respectivamente, ao amor vivenciado pelo eu lírico e ao sentimento amoroso sem objeto determinado.

(F) “Sou cada vez mais” conota um redimensionamento da capacidade de perceber o mundo.

(V) “Tive” expressa a indeterminação do sujeito, o que é um recurso do poeta para não se revelar amador.

(V) “desgovernados” e “triunfantes” expressam estados de espírito experimentados pelos que amam.

(F) “Há que” indica possibilidade com relação à declaração anterior.

04 – Com referência ao texto, é correto afirmar:

a)   O período constituído pelos versos 5 e 6 é constituído pelo processo de coordenação e subordinação.

b)   O pensamento que se expõe do verso 9 ao verso 11 tem como declaração principal: “Sou cada vez mais”.

c)   O enunciado do verso 18 está constituído de ideias que se excluem.

d)   “Onde não há jardim” determina o período em que as flores nascem.

e)   “E”, no verso 26, relaciona enunciados sintaticamente equivalentes.

f)    “Ao vê-los amorosos e transidos em torno” indica circunstância de tempo.

g)   “Que baixa e me confunde” refere-se a “tempo”, servindo para especificá-lo.

05 – Nesse poema qual é a representação da flor?

      A flor é a representação do amor na maturidade do eu lírico, nascida em “Um secreto investimento de formas improváveis”.

 

 

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