Crônica: A MENSAGEM NA GARRAFA
Moacyr Scliar. Como outros escritores veteranos recebo
muitas obras de estreantes. Livros de contos, de poesia, crônicas, um ou outro
romance; edições modestas, precárias até, várias delas obviamente pagas pelos
próprios autores ─ é difícil arranjar editora quando se está começando. Sempre
que posso mando algumas linhas para o remetente, ao menos para dizer que o
livro chegou e que, se possível, vou lê-lo. Faço isso porque lembro o jovem
escritor que fui, a ansiedade com que procurava fazer chegar meus textos às
mãos de pessoas que conhecia e admirava. Esses dias recebi de um contista do
Nordeste uma carta em que ele me agradece o fato de lhe ter respondido. E diz:
“O difícil não é a gente escrever; difícil, mesmo, é encontrar alguém que leia
o que a gente escreve. Pior do que não ter a quem contar o que a gente sente é
contar o que a gente sente a quem não sente o que a gente conta.” ***
Nestas frases está todo o drama da
incomunicabilidade humana. Todos nós temos os nossos sofrimentos, as nossas
angústias; todos nós queremos expressar essas coisas sob a forma de palavras,
faladas ou, como acontece em alguns casos, escritas. Se há talento nisso, se o
desabafo se transforma em literatura, é outra questão. O ponto crucial é que
temos mensagens a transmitir, precisamos transmiti-las e não sabemos se alguém
vai recebê-las. Aí se aplica a clássica metáfora do náufrago na ilha deserta
que escreve um bilhete, e coloca-o numa garrafa e joga-a ao mar. Essa garrafa
chegará a alguém? E esse alguém fará alguma coisa pelo náufrago? Ou estará o
potencial salvador tão envolvido com seus próprios problemas que jogará fora
garrafa e bilhete?
Nós temos, sim, a capacidade de
entender o outro, de corresponder a seu anseio. Chama-se empatia isso. Mas a
capacidade de ser empático varia de pessoa a pessoa, e numa mesma pessoa varia
com sua disposição momentânea. Há momentos em que estamos dispostos a recolher
a garrafa da areia da praia e ler a mensagem que ali está. E, em outros
momentos, passamos pela mesma garrafa e a vemos como prova de que as pessoas
jogam lixo em qualquer lugar. ***
Os escritores não estão imunes a essas
dúvidas e ansiedades. Ninguém escreve para a gaveta; todo mundo escreve para ser
lido. Não necessariamente por multidões; cem leitores já me bastariam, dizia o
grande Flaubert, que hoje é lido por milhões. Franz Kafka, um dos escritores
mais revolucionários do século XX, tinha um público muito reduzido; conta-se
que, quando foi publicada uma de suas obras, ele perguntou numa livraria
próxima à sua casa quantos exemplares haviam sido vendidos. Onze, foi a
resposta do livreiro. “Dez fui eu que comprei”, replicou Kafka, acrescentando:
“Eu só queria saber quem foi o décimo primeiro.” Ao morrer (ainda jovem, de
tuberculose), Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais ainda
inéditos: era coisa que não valia a pena. Brod não atendeu a esse pedido e a
humanidade lhe agradece: graças a ele, temos acesso a uma obra extraordinária.
[...] Só vivemos realmente se
contraímos laços com outras pessoas, e para estabelecer esses laços usamos a
palavra falada ou escrita. É a nossa mensagem na garrafa. Só resta esperar que
as mensagens cheguem a seu destino.
SCLIAR, Moacyr.
Contos e crônicas para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
Entendendo a crônica:
01 – Transcreva do primeiro
parágrafo uma frase em que há:
a)
Uma comparação.
“Como outros escritores veteranos recebo muitas obras de
estreantes”.
b)
Uma opinião.
“— É difícil arranjar editora quando se está começando.”
c)
Uma condição.
“Sempre que posso mando algumas linhas para o remetente...”.
02 – Segundo o cronista, o
que todos nós desejamos? (Segundo parágrafo)
Todos nós
queremos expressar essas coisas sob a forma de palavras, faladas ou, como
acontece em alguns casos, escritas.
03 – Qual a definição de
empatia presente no texto?
É a capacidade de
entender o outro, de corresponder a seus anseio.
04 – A que se refere o termo
destacado em “E, em outros momentos, passamos pela mesma garrafa e a vemos como prova de que as
pessoas jogam lixo em qualquer lugar”?
Refere-se a
garrafa, que a vemos como uma garrafa qualquer, não damos importância. Que isto
depende de nosso estado de espírito.
05 – No trecho que se segue,
marque a causa: “Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais
ainda inéditos: era coisa que não valia a pena”.
A causa foi ter
ido numa livraria próxima à sua casa e perguntado quantos exemplares de seu
livro havia sido vendido; o livreiro disse onze, sendo que dez foi o próprio
Kafka que comprou.
06 – Retire do texto um
trecho que explicita o diálogo com o leitor.
“Só vivemos
realmente se contraímos laços com outras pessoas, e para estabelecer esses
laços usamos a palavra falada ou escrita.”
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