Poema: Pecado Original
Álvaro de Campos
Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.
O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.
Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.
Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?
Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.
Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?
Quantos Césares fui!
Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Álvaro
de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa
Entendendo o poema:
01 – Pode-se dizer, quanto
ao sentido geral do poema, que:
a)
Sua temática é de natureza psicológica, pois
se baseia na autenticidade do ser humano.
b)
Sua temática transcende a psicologia porque
um dos elementos fundamentais do texto é o destino do homem jogado num mundo
aparente.
c)
Sua temática é moral e psicológica, pois se
refere à fuga do que se havia proposto na infância e posteriormente.
d)
Sua temática problematiza a
realidade do ser humano.
e)
O texto, por ser totalmente negativista, não
se presta a qualquer rotulação.
02 – A leitura atenta do
texto permite concluir que:
a)
A história da humanidade é inenarrável.
b)
É impossível narrar a história da humanidade,
mas, se alguém conseguisse fazê-lo, ela seria a história da própria essência do
homem.
c)
A verdadeira história da humanidade
só poderia ser contada por quem tivesse consciência de todas as possibilidades
de vida que não se realizaram.
d)
A verdadeira história da humanidade poderia
ser escrita por um só indivíduo que realizasse todas as possibilidades que se
abrissem para a sua existência.
e)
A
verdadeira história da humanidade poderia ser escrita por quem tivesse a
consciência de tudo aquilo que de fato aconteceu com todos os homens e com o
mundo exterior.
03 – No poema a afirmação de
que “a história do que poderia ter sido” será, “se alguém a escrever, a
verdadeira história da humanidade”, o que o eu lírico pretende mostrar nesses
versos?
Pretende mostrar
que os projetos de futuro são aquilo que revela a verdadeira essência das
pessoas que os fazem.
04 – No verso: “Sou quem
falhei ser” mostra, precisamente, que aquilo que o sujeito poético desejou e
não alcançou é o que o define como pessoa. Que figura de linguagem há nesse
verso?
Antítese.
05 – A confissão da falha do
sujeito poético mostra o quê?
Mostra ainda a
consciência da frustação dos seus projetos de vida.
06 – A referência à
infância, realizada no poema, corresponde a que momento da vida do sujeito
poético?
Ao tempo em que ele vivia na verdade, no
“sonho à janela...”, já que a infância era o momento em que ele poderia ser
quem quisesse e podia fazer projetos e vivenciar sonhos que pensava realizar um
dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário