Texto: A palavra como ferramenta
(...) os filmes geralmente contam histórias, mas às vezes apenas apresentam uma situação específica (por exemplo, um drama interior, em que as personagens se debatem entre sentimentos opostos). Nos dois casos o cinema usa imagens visuais e sonoras – nós vemos e ouvimos um filme.
A literatura faz a mesma coisa, só que
usa exclusivamente palavras. E tem duas formas de contar uma história ou de
apresentar uma situação específica: a prosa e a poesia.
(...)
Existem duas formas tradicionais de
poesia: a lírica e a épica. Vamos começar pela primeira.
O Predomínio dos sentimentos
A poesia lírica é a que mais costuma
apresentar situações específicas, sem contar uma história com começo, meio e
fim. Ele expressa mais sentimentos, estado de espírito, emoções. Veja, por
exemplo, o “Soneto de separação”, do poeta brasileiro Vinícius de Moraes
(1913-1980).
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco
como a bruma
E das bocas unidas
fez-se a espuma
E das mãos espalmadas
fez-se o espanto.
De repente da calma
fez-se o vento
Que dos olhos desfez
a última chama
E da paixão fez-se o
pressentimento
E do momento imóvel
fez-se o drama.
De repente, não mais
que de repente
Fez-se de triste o
que se fez amante
E de sozinho o que se
fez contente.
Fez-se do amigo
próximo o distante
Fez-se da vida uma
aventura errante
De repente, não mais
que de repente.
Nesses versos o poeta está descrevendo
uma separação e principalmente expressando seus sentimentos em relação a ela:
espanto, tristeza, solidão. Leia-os de novo. Observe, por exemplo, que a
repetição da locação adverbial “de repente” reforça a ideia de que o autor
absolutamente não esperava essa separação.
Os
feitos dos heróis
Já a poesia épica é especialista em
contar histórias, histórias grandiosas de heróis e de lutas, das quais os
deuses às vezes também participam.
Antigamente se escrevia muita poesia
épica, ou seja, epopeia. A mais famosa epopeia da língua portuguesa é Os
Lusíadas, do grande poeta português Luís Vaz de Camões (1524? – 1580),
publicada em 1572. O herói desse poema épico é Vasco da Gama (c. 1460 – 1524),
o navegador igualmente português que descobriu o caminho das Índias.
Mas, ao contar a aventura de Vasco da
Gama, Camões conta também outras histórias – reais, como as que se referem à
História de Portugal, ou inventadas, como as que envolvem gigantes e ninfas.
Uma das histórias mais bonitas de Os
Lusíadas é a de Inês de Castro e Pedro I, rei de Portugal, que viveram no
século XIV.
(...)
Atualmente já não se escreve tanta
poesia épica como nos tempos de Camões. Mas ainda se escreve.
Cecília Meireles (1901 – 1964), um dos maiores
nomes de nossa literatura, publicou em 1952 uma epopeia intitulada Romanceiro
da Inconfidência. A história central desse poema é a de Tiradentes e seus
companheiros, que queriam libertar o Brasil do domínio de Portugal. Veja como a
autora descreve uma reunião secreta dos inconfidentes:
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Não é difícil perceber que esses
inconfidentes eram padres, fidalgos, militares, escritores, trabalhadores
braçais. Repare como a autora os define usando elementos que sugerem essas
pessoas: a farda, a casaca, a batina, as mãos finas, as mãos grossas.
Vasco da Gama, Inês de Castro,
Tiradentes e muitas outras personagens de Os Lusíadas e do Romanceiro da
Inconfidência existiram na vida real. Mas, quando contaram a história dessas
pessoas, tanto Camões quanto Cecília acrescentaram diversos detalhes,
sentimentos, emoções que só existiam em sua própria imaginação.
Realidade
e invenção
Já no romance o escritor inventa
personagens, história, cenários e até época (quando decide situar a ação no
futuro, por exemplo). Mas não tira tudo isso do nada.
Para descrever um ambiente, por
exemplo, o romancista mistura vários dados da realidade que ele conhece e
inventa outras.
Uma sala de aula normalmente se compõe
de quadro-negro, carteiras, bancos, mesa e cadeira do professor. Mas de repente
o escritor resolve incluir um elemento que não faz parte integrante da sala de
aula. Foi o que fez o brasileiro Manuel Antônio de Almeida (1830-1861), em seu
romance Memórias de um sargento de milícias (1855):
Foi o barbeiro recebido na sala, que
era mobiliada por quatro ou cinco longos bancos de pinho, sujos já pelo uso,
uma mesa pequena que pertencia ao mestre, e outra maior, onde escreviam os
discípulos, toda cheia de pequenos buracos para os tinteiros; nas paredes e no
teto havia penduradas uma porção enorme de gaiolas de todos os tamanhos e
feitios, dentro das quais pulavam e cantavam passarinhos de diversas
qualidades: era a paixão predileta do pedagogo.
Gaiolas de passarinho numa sala de
aula? É uma coisa bem esquisita, mas está aí para mostrar uma característica
importante do “pedagogo”, ou seja, do professor.
Quando cria suas personagens, o
romancista também aproveita muitos elementos reais de pessoas que ele conhece
ou apenas viu passar na rua. E acrescenta detalhes essenciais para marcar bem
os aspectos mais relevantes da história que deseja contar:
No romance Dom Casmurro (1900), uma das
maiores obras-primas de nossa literatura, Machado de Assis descreve Capitu, uma
de suas criações mais extraordinárias. Ele nos diz que na adolescência Capitu
era uma menina “alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio
desbotado”. Que tinha “cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas
atadas uma à outra, à moda do tempo”. Que era “morena”, de “olhos claros e
grandes, nariz reto e comprido”, “a boca fina e o queixo largo”.
Até aí nada nos sugere a personalidade
de Capitu. Porém, mais adiante, no mesmo romance, Machado nos diz que sua
personagem tinha “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. E com isso nos faz
esperar que, ao longo da história, Capitu faça alguma coisa deia e se finja de
inocente.
Esses olhos são um detalhe fundamental
na caracterização da personagem. E não são olhos que Machado de Assis andou
encontrando na rua a todo instante. Ele os imaginou para com pouquíssimas
palavras definir o caráter de Capitu.
Um romancista também inventa grande
parte da história, reformulando fatos da vida real, selecionando e “cruzando”
histórias de várias pessoas que ele conhece ou sobre as quais leu ou ouviu
falar.
Você também pode escrever histórias.
Basta observar o que acontece a sua volta, dar asas à imaginação e à
sensibilidade. Repare, por exemplo, naquele mendigo que todo dia você vê
sentado na calçada quando vai para a escola. Não fique encarando o coitado do
homem, mas olhe para ele discretamente, procure registrar na memória alguns
traços marcantes de seu rosto, alguns detalhes de sua roupa. Será que o jeito
dele sugere um sujeito bondoso e inteligente, ou um brutamontes? E como será
que ele caiu na miséria? Perdeu o emprego, não achou outro, começou a beber,
foi abandonado pela mulher...? Invente uma história para ele.
Pequena viagem pelo mundo da
arte, Hildegard Feist.
Fonte: Livro –
Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed.
Moderna, 2005 – p. 167/70.
Entendendo o texto:
01 – O que contam os filmes?
O que são imagens visuais e sonoras?
Contam histórias,
drama interior. Imagens visuais e sonoras são aquelas que podemos ver e ouvir.
02 – Qual é a diferença
entre literatura e o cinema?
A diferença é que
a literatura usa exclusivamente palavras.
03 – Quais são as formas
usadas na literatura para apresentar uma situação específica? Comente-as.
As formas são a
prosa e a poesia.
04 – O que é um poema lírico e o que pretende?
O poema lírico
expressa mais sentimentos, estado de espírito e emoções. Suas situações são específicas,
sem contar uma história com começo, meio e fim.
05 – Traga para a sala
alguns poemas líricos e comprove o que acabamos de afirmar.
Resposta pessoal
do aluno.
06 – Faça uma pesquisa, em
pequenos grupos, sobre Vinícius de Moras: sua vida, sua arte, suas
características pessoais. Procure fazer um jornal mural juntamente com os
demais grupos da sala.
Resposta pessoal
do aluno.
07 – Analisando o poema de
Vinícius, pergunto: você concorda que a expressão de repente tem grande força no poema? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal d aluno.
08 – O que é poesia épica?
Como também é chamada a poesia épica?
A poesia épica
conta histórias grandiosas de heróis e de lutas. Ela também é chamada de
epopeia.
09 – Qual é a mais famosa
poesia épica da língua portuguesa?
Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.
10 – Qual o herói desse
poema tão famoso e universal?
Vasco da Gama.
11 – No Brasil tivemos uma
grande poesia que também escreveu poemas épicos. Quem foi ela?
Cecília Meireles.
12 – Todos os poemas épicos
são verdadeiros em sua totalidade? converse a respeito com seus colegas.
Não. O poema épico pode apresentar fatos
verídicos ou imaginados.
13 – Passando para o
romance, responda às questões abaixo: As respostas são conclusivas a partir da
leitura do texto Realidade e invenção.
a)
O que faz o romancista ao compor seus
trabalhos?
Parágrafos 1 a 3.
b)
Comente o que fez Manuel Antônio de Almeida
ao descrever uma sala de aula. O que o romancista faz é usar criatividade?
Justifique sua resposta à segunda parte desta questão.
Parágrafos 3 a 5.
c)
Falando das personagens, como age o
romancista em relação a elas? Por quê?
Parágrafo 6.
d)
Temos como exemplo citado no texto
informativo a personagem Capitu – uma das mais famosas de Machado de Assis.
Descreve suas características físicas e psicológicas que terão grande
importância no desenrolar dos fatos.
Parágrafos 7 a 9.
e)
Os acontecimentos num romance são todos
voltados a um determinado fato ou são o fruto final da imaginação do autor? Por
que isso acontece?
Há muita imaginação misturada com a realidade. A ficção se faz
presente.
f)
Realize a atividade descrita no último
parágrafo do texto.
Resposta pessoal do aluno. Professor, organize e apresentação do
pequeno romance narrativo que os alunos comporão nesta atividade.
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