Crônica: Das Vantagens de Ser Bobo
Clarice Lispector
O bobo, por não se ocupar com ambições,
tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado
quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa,
responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de
saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo
tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas
que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas
alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples
pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece
ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba,
por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar
refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem
uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho
sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste
era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais
valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter
boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não
dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no
estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros.
Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das
tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase:
"Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como
exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas,
devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na
cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há
espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como
toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por
bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida.
Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se
importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as
pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas
Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em
Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço,
voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo
provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Clarice
Lispector.
Entendendo a crônica:
01 – “O bobo é sempre tão
simpático que há espertos que se fazem passar por bobos”. A assertiva que
apresenta análise correta em relação ao parágrafo transcrito é:
a)
Há três adjetivos em função predicativa.
b)
Fazer foi usado como verbo impessoal.
c)
O verbo haver está na terceira
pessoa do singular porque é impessoal.
d)
A forma verbal fazem concorda com o pronome
relativo que.
e)
A oração que se fazem passar por bobos
deveria estar precedida de vírgula porque explica o termo espertos.
02 – Considere as seguintes
definições do “bobo” em comparação ao “esperto”, apontadas no texto.
I – Ser bobo às vezes
oferece um mundo de saída (linha 5).
II – O bobo é um Dostoievski
(linha 13).
III – Ser bobo é uma
criatividade e, como toda criação, é difícil (linhas 33 e 34).
IV – Os espertos ganham dos
outros. Em compensação os bobos ganham a vida (linhas 35 e 36).
V – Bem-aventurados os bobos
porque sabem sem que ninguém desconfie (linha 36 e 37).
Dentre os pares de adjetivos
abaixo listados, qual está em acordo com as definições do “bobo” elencadas
acima?
a)
Sagaz – atento.
b)
Rápido – vigilante.
c)
Perspicaz – astuto.
d)
Ágil – enérgico.
e)
Sábio – engenhoso.
03 – Observe os conectivos
destacados no trecho abaixo, retirado do texto. Assinale a opção em que a
análise semântica está de acordo com a que foi estabelecida no texto.
“(...) ele disse que o aparelho era novo,
praticamente sem uso porque
se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona.
Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo:
mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter
boa-fé, não desconfiar, e portanto
estar tranquilo. Enquanto o
esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com
úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.” (Linhas 16 a 24).
a)
O conectivo porque estabelece uma relação de consequência.
b)
O advérbio sequer introduz uma ideia de exceção.
c)
A expressão tão... que
estabelece uma relação de causa.
d)
O conectivo portanto, estabelece uma ideia de finalidade.
e)
O conectivo enquanto, estabelece ideia de comparação.
04 – Considere o trecho
abaixo, retirado do texto:
“Bem-aventurados
os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que
saibam que eles sabem.” (Linhas 36 a 38).
A autora discorre sobre a
posse de uma saber. A
respeito desse saber, podemos
afirmar que:
a)
Os bobos que se fazem de bobos
estão praticando, na verdade, a sabedoria que os espertos deveriam ter.
b)
Os bobos que aparentemente se fazem de bobos
estão praticando, na verdade, a sabedoria dos espertos.
c)
Os bobos, por serem naturalmente criativos,
comprovam possuir a sabedoria necessária para vencer.
d)
Os bobos, por serem naturalmente criativos,
não permitem que ninguém desconfie de sua dissimulada esperteza, que nada mais
é do que produto de sua criatividade; assim definimos sua estratégia para
vencer na vida.
e)
Os bobos acabam por se tornar espertos e, por
isso, ganham as lutas da vida, já que não se importam que “saibam que eles
sabem”.
05 – Sobre as considerações
a respeito de ser esperto vs.
Ser bobo encontradas no
texto, assinale o par de análises que destoa
das considerações feitas pela autora.
a)
Os espertos pretendem conquistar o mundo pela
sagacidade; o bobo ganha o mundo por sua espontaneidade.
b)
Os espertos muitas vezes atingem seus
objetivos; os bobos podem ser facilmente ludibriados.
c)
O esperto preocupa-se todo o tempo em
entender o mundo para tirar proveito desse entendimento; ser bobo é sentir o
mundo e tomar parte dele.
d)
Os sentimentos do esperto são mais
intensos que os do bobo; o coração do bobo é pouco acessível.
e)
O esperto é prevenido; o bobo muitas vezes
precisa lidar com complicações em que se mete por ser bobo.
06 – Pode-se deduzir do
texto que os “bobos”:
a)
São mais felizes.
b)
São religiosos.
c)
Têm uma vida sedentária.
d)
Vivem levando desvantagem.
07 – Em se perguntado por
que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando”, as aspas
marcam:
a)
A intertextualidade.
b)
A fala do enunciador.
c)
A ironia da autora.
d)
O destaque da frase.
08 – Entre os benefícios de
ser bobo que integram a visão de Clarice Lispector, o que o texto mais destaca é:
a)
A confiança.
b)
A imoralidade.
c)
A instabilidade.
d)
O amor.
09 – “Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.”
Nessa frase, a palavra ludibriado pode ser substituída por:
a)
Aborrecido.
b)
Atraiçoado.
c)
Confundido.
d)
Equivocado.
10 – “Os bobos, com todas as
suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se
Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.”. Nessa frase, o se sublinhado estabelece no
período uma relação de:
a)
Causalidade.
b)
Concessão.
c)
Condição.
d)
Conformidade.
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