Texto: A língua na literatura brasileira
Machado de Assis
Entre os muitos méritos dos nossos
livros nem sempre figura o da pureza da língua. Não é raro ver intercalados, em
bom estilo, os solecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o
da excessiva frequência da língua francesa. Este ponto é objeto da divergência
entre os nossos escritores.
Divergência digo, porque, se alguns
caem naqueles defeitos por ignorância ou preguiça, outros há que os adaptam por
princípio, ou antes por uma exageração de princípio.
Não há dúvida que as línguas se
aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer
que a nossa pare no século de Quinhentos é um erro igual ao de afirmar que a
sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este
respeito a influência do povo é decisiva. Há portanto certos modos de dizer,
locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham o direito de
cidade.
Mas se isto é um fato incontestável, e
se é verdadeiro o princípio que dele se deduz, não me parece aceitável a
opinião que admite todas as alterações da linguagem, ainda aquelas que destroem
as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma. A influência popular tem um
limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o
abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce
também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do
povo e aperfeiçoando-lhe a razão.
Feitas as exceções devidas, não se leem
muito os clássicos no Brasil.
Entre as exceções poderia eu citar até
alguns escritores cuja opinião é diversa da minha neste ponto, mas que sabem
perfeitamente os Clássicos. Em geral, porém, não se leem, o que é um mal.
Escrever como Azurara ou Fernão Mendes seria hoje um anacronismo insuportável.
Cada tempo tem o seu estilo. Mas estudar-lhes as formas mais apuradas da
linguagem, desentranhar deles mil riquezas que, à força de velhas, se fazem
novas – não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem
tudo temos os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o
pecúlio comum.
Outra coisa de que eu quisera persuadir
a mocidade é que a precipitação não lhe afiança muita vida aos seus escritos.
Há um prurido de escrever muito e depressa; tira-se disso glória, e não posso
negar que é caminho de aplausos. Há intenção de igualar as criações do espírito
com as da matéria, como se elas não fossem neste caso inconciliáveis. Faça
muito embora um homem a volta do mundo em oitenta dias; para uma obra-prima do
espírito são precisos alguns mais.
Machado
de Assis.
Entendendo o texto:
01 – Julgue os itens abaixo,
em relação à compreensão e à interpretação do texto com V (verdadeiro) F
(falso).
(V) Machado de Assis, em seu texto,
propõe a mediação, por intermédio dos escritores, entre a tradição e a
modernidade.
(V) Conquanto reconheça a necessidade
de atualização da língua, o autor se opõe à tácita aceitação de modismos,
principalmente por parte dos escritores.
(F) Machado, apesar de defender a
preservação da essência linguística do Português, não imputa aos literatos tal
responsabilidade.
(F) Ele é de opinião que se pode
muito bem prescindir do conhecimento dos clássicos para se saber corretamente a
língua culta.
(F) É notória a sua preferência pelo
aristocrático e o tradicional e o seu desprezo pelo popular e o moderno.
02 – Julgue os itens que
seguem, em relação à teoria e aos estilos de época na Literatura Brasileira.
(V) De roupagem metalinguística, o
texto lido pode ser classificado como crônica.
(V) Nele, Machado de Assis faz um
ensaio crítico em que, após apresentação de uma tese, expõe os elementos que a
compõem.
(V) Evitando o estilo fácil e
superficial, o autor leva constantemente o leitor à reflexão, com sua dialética
irresistível.
(F) Toda a fundamentação linguística
de Machado é profundamente influenciada pelas premissas saussurianas, que então
vigoravam no Brasil do século XIX.
03 – Segundo o autor, o que
causa divergências entre os escritores?
Os solecismos da
linguagem comum, defeito grave a que se junta o da excessiva influência da
língua francesa.
04 – Por que a influência do
povo é decisiva em sua língua?
Porque há certos
modos de dizer, locuções novas, entram no domínio do estilo e ganham direito de
cidade.
05 – Que influência o
escritor exerce sobre a linguagem?
Ele vai depurando
a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão.
06 – Que vem a ser
anacronismo?
Aquilo que está
fora do tempo normal, antiquado.
07 – De acordo com Machado
de Assis, o que se enriquece o pecúlio comum?
Nem tudo tinha os
antigos, nem tudo temos os modernos com os haveres de uns e outros é que se
enriquece o pecúlio comum.
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