domingo, 26 de junho de 2022

ARTIGO DE OPINIÃO: VIOLÊNCIA NA TV E COMPORTAMENTO AGRESSIVO - DRAUZIO VARELLA - COM GABARITO

 Artigo de opinião: VIOLÊNCIA NA TV E COMPORTAMENTO AGRESSIVO

                  Drauzio Varella

        Nunca se assistiu a tanta violência na televisão como nos dias atuais. Dada a enormidade de tempo que crianças e adolescentes das várias classes sociais passam diante da TV, é lógico o interesse pelas consequências dessa exposição. Até que ponto a banalização de atos violentos, exibidos nas salas de visita pelo País afora, diariamente, dos desenhos animados aos programas de “mundo-cão”, contribui para a escalada da violência urbana?

        Essa questão é mais antiga do que se imagina. Surgiu no final dos anos 1940, assim que a televisão entrou nas casas de família. Nos Estados Unidos, país com o maior número de aparelhos por habitante, a autoridade máxima de saúde pública do país (Surgeon General) já afirmava em comunicado à nação, no ano de 1972: “A violência na televisão realmente tem efeitos adversos em certos membros de nossa sociedade”.

        Desde então, a literatura médica já publicou sobre o tema 160 estudos de campo que envolveram 44.292 participantes, e 124 estudos laboratoriais com 7.305 participantes. Absolutamente todos demonstraram a existência de relações claras entre a exposição de crianças à violência exibida pela mídia e o desenvolvimento de comportamento agressivo.

        Ao lado deles, em 2001, foi publicado um estudo interessantíssimo numa das mais importantes revistas de psicologia, que evidenciou efeitos semelhantes em crianças expostas a videogames de conteúdo violento. Em fevereiro de 2002, Jeffrey Johnson e colaboradores da Universidade de Columbia publicaram na revista Science os resultados de uma pesquisa abrangente que estende as mesmas conclusões para adolescentes e adultos jovens expostos diariamente às cenas de violência na TV.

        A partir de 1975, os pesquisadores passaram a acompanhar um grupo de 707 famílias, com filhos entre um e dez anos de idade. No início do estudo, as crianças tinham em média 5,8 anos e foram seguidas até 2000, quando atingiram a média de 30 anos.

        Nesse intervalo de tempo, periodicamente, todos os participantes e seus pais eram entrevistados para saber quanto tempo passavam na frente da televisão. Além disso, respondiam a perguntas para avaliar a renda familiar, a possível existência de desinteresse paterno pela sorte dos filhos, os níveis de violência na comunidade em que viviam, a escolaridade dos pais e a presença de transtornos psiquiátricos nas crianças, fatores de risco sabidamente associados ao comportamento agressivo.

        A prática de atos agressivos pelos jovens foi avaliada por meio de sucessivas aplicações de um questionário especializado e de consulta aos arquivos policiais. Depois de cuidadoso tratamento estatístico, os autores verificaram que, independentemente dos fatores de risco citados acima, o número de horas que um adolescente com idade média de 14 anos fica diante da televisão, por si só, está significativamente associado à prática de assaltos e à participação em brigas com vítimas e em crimes de morte mais tarde, quando atinge a faixa etária dos 16 aos 22 anos. Essa conclusão vale para homens ou mulheres, mas não vale para os crimes contra a propriedade, como furtos e vandalismo, que aparentemente parecem não guardar relação com a violência presenciada na TV.

        Conclusões idênticas foram tiradas analisando-se o número de horas que um jovem de idade média igual a 22 anos (homem ou mulher) dedica a assistir à televisão: quanto maior o número de horas diárias, mais frequente a prática de crimes violentos. Entre adolescentes e adultos jovens expostos à TV por mais de três horas por dia, a probabilidade de praticar atos violentos contra terceiros aumentou cinco vezes em relação aos que assistiam durante menos de uma hora.

        O estudo do grupo de Nova York é importante não só pela abrangência (707 famílias acompanhadas de 1975 a 2000) ou pela metodologia criteriosa, mas por ser o primeiro a contradizer de forma veemente que a exposição à violência da mídia afeta apenas crianças pequenas. Demonstra que ela exerce efeito deletério sobre o comportamento de um universo de pessoas muito maior do que aquele que imaginávamos.

        Apesar do consenso existente entre os especialistas de que há muito está caracterizada a relação de causa e efeito entre a violência exibida pelos meios de comunicação de massa e a futura prática de atos violentos pelos espectadores, o tema costuma ser abordado com superficialidade irresponsável pela mídia, como se essa associação ainda não estivesse claramente estabelecida.

        Em longo comentário ao artigo citado, na revista Science, Craig Anderson, da Universidade de Iowa, responsabiliza a imprensa por apresentar até hoje como controverso um debate que deveria ter sido encerrado anos atrás. Segundo o especialista, esse comportamento é comparável ao mantido por décadas diante da discussão sobre as relações entre o cigarro e o câncer de pulmão, quando a comunidade científica estava cansada de saber e de alertar a população para isso.

        Seis das mais respeitadas associações médicas americanas (entre as quais as de pediatria, psiquiatria, psicologia e a influente American Medical Association) publicaram, em 2001, um relatório com a seguinte conclusão sobre o assunto: “Os dados apontam de forma impressionante para uma conexão causal entre a violência na mídia e o comportamento agressivo de certas crianças”.

        As associações médicas e a imprensa brasileira dariam importante contribuição ao combate à violência urbana se trouxessem esse tema a debate.

Drauzio Varella. In: Folha de S. Paulo, 4 maio 2002. p. E – 10. Folha ilustrada.

Fonte: Português em outras palavras – 8ª série – Maria Sílvia Gonçalves – ed. Scipione – São Paulo, 2002. 4ª edição. p. 174-5.

Entendendo o artigo de opinião:

01 – Como você percebeu, esse texto jornalístico tem estrutura dissertativa. Em três parágrafos, reescreva as ideias principais de cada parte do texto em questão: faça um resumo da introdução, explique como o autor desenvolve o texto e a que conclusão ele chega.

      Introdução: o autor expõe claramente o que vai falar. A violência, mais do que nunca, invade os lares pela tela da tevê, vista principalmente por crianças por um longo período diário. Até que ponto a banalização da violência pode ter efeitos negativos sobre a sociedade.

      Desenvolvimento: cita dados numéricos de pesquisas realizadas sobre o assunto. Muitos estudos já provaram que existe uma relação direta entre a violência virtual e o desenvolvimento do comportamento agressivo nas crianças. A publicação em 2002 de um estudo recente, realizado a partir de 1975, num grupo de 707 famílias, com filhos entre um e dez anos (que, ao final do estudo, atingiram a média de 30 anos), vem comprovar essa relação, estendendo-a aos jovens. Excetuando-se crime contra a propriedade, tanto para adolescente como para jovens adultos, a pesquisa, a partir de criteriosa metodologia, comprovou que, quanto maior o número de horas diante da tevê, maior a ocorrência, na vida dessas pessoas, de brigas com vítima e crimes de morte.

      Conclusão: critica imprensa e associações médicas do consenso sobre a existência da conexão causal entre a violência na mídia e o comportamento agressivo das pessoas, a imprensa apresenta o assunto como controverso, omite-se ou não dá a ele o devido destaque.

02 – Que estratégia o autor usou para conseguir provar o que queria?

      O autor usa dados numéricos irrefutáveis, descrevendo pesquisa realizada por estudiosos da universidade de Colúmbia, por mais de vinte anos.

03 – O autor afirma que, mesmo havendo consenso sobre os efeitos negativos da programação violenta da tevê sobre os jovens, o “tema costuma ser abordado com superficialidade irresponsável pela mídia, como se essa associação ainda não estivesse claramente estabelecida”. A que poderia ser atribuída essa omissão?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Considerar os interesses que estão em jogo: das empresas anunciantes e das empresas jornalísticas que muitas vezes mantêm canais de televisão, sem contar os interesses inconfessáveis de alguns que se beneficiam com a manutenção dessa situação.

04 – De acordo com o texto de Varella, as cenas de programas de tevê citadas no texto anterior seriam prejudiciais ao telespectador? Por quê?

      Sim. Segundo ele, a sequência de cenas apresentadas interferiria no comportamento da personagem.

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