Reportagem: Marina: do seringal ao senado
Márcia Turcato
Aos 37 anos recém-completados, tendo
sobrevivido a cinco crises de malária, três hepatites e uma infância
desgraçadamente pobre e trabalhosa num remoto seringal no Acre, a senadora
Marina Silva (PT – AC) tinha tudo para estar no bagaço. Bagaço, aliás, era o
nome do seringal onde se criou, terceira de 12 filhos, mãos-de-obra enjeitada
numa atividade pesada e predominantemente masculina.
Mas o destino, que a pôs no mundo pelas
portas do inferno verde da Amazônia, traçou para Marina planos inesperadamente
grandes. Hoje, embelezada e fortalecida pelas surpreendentes vitórias que vem
conquistando, Marina é um ser aparentemente delicado em seus 50 quilos
distribuídos por 1,622 metro de altura. Só aparência. Ela não leva mais o peso
da borracha, mas carrega o fardo da responsabilidade de dar melhores condições
de vida aos 65 mil acreanos que votaram nela nas últimas eleições – a maior
votação da história do Acre – e a outros milhares que continuam no bagaço na
faina diária e insana dos seringais.
“Minha missão é defender todos os
excluídos e trabalhar pelo desenvolvimento sustentado da Amazônia”, diz ela,
num tom firme adquirido nos tempos de militância política ao lado do
seringueiro Chico Mendes, mas com a suavidade de quem sabe o que busca.
A saga da senadora acreana tem
proporções amazônicas. Seus relatos de infância são instantâneos de miséria
explícita, recheados de doença e morte. Marina só descobriu a existência de um
mundo além das seringueiras aos nove anos, quando seu pai foi tentar a sorte e
um emprego em Manaus. Foi uma descoberta fugaz. Devido ao insucesso da
tentativa paterna, a futura senadora acabou voltando ao Bagaço, onde passou o
resta da infância e início da adolescência convivendo com problemas
respiratórios decorrentes do desumano processo de defumação na preparação da
borracha. Foi nessa fase que teve os piores problemas de saúde, aos quais
resistiu por pura providência divina, na medida em que não havia nenhum médico
nas imediações. Do Bagaço ela só saiu aos 16 anos, quando já tinha perdido duas
irmãs para a malária e para o sarampo, além da mãe, dona Maria Augusta, vítima
de um aneurisma cerebral.
0s 20 anos que se seguiram marcaram a
grande, virada em sua vida. Trabalhando como doméstica, aprendeu a ler no
Mobral e revelou-se uma estudante acima da média ao completar o segundo grau
apenas seis anos depois de ser alfabetizada. Os novos conhecimentos fizeram com
que ela desistisse do antigo sonho de ser freira e optasse por tornar-se
estudante de História na Universidade Federal do Acre. A explosiva mistura de
um passado triste na extração do borracha com a efervescência universitária nos
estertores da ditadura militar fizeram de Marina uma militante política de
esquerda que, nos anos seguintes, liderou diversos movimentos contra a
derrubada indiscriminada da floresta amazônica, já estão ao lado do amigo e
companheiro Chico Mendes, que mais tarde seria assassinado.
“Chico e Mary [a antropóloga Mary
Allegretti, que divulgou a luta dos seringueiros no Brasil e no exterior]
conseguiram grandes avanços na demarcação das áreas para o extrativismo, que é
uma boa saída para a região Norte”, relembra Marina. E emenda: “Essa vai ser
uma das minhas principais bandeiras de luta no Senado”.
Quando fala de seus planos, o tom que
ela usa volta a ser inflamado como o dos tempos em que se tornou a vereadora
mais votada de Rio Branco e, mais tarde, deputada estadual. Sem contudo perder
a singeleza de quem cresceu no meio do povo mais sofrido da Amazônia. Ainda
ambientando-se na aridez de Brasília, onde instalou-se com o segundo marido e
as duas menores de seus quatro filhos, a senadora garante que está pronta para
enfrentar, em nome de seus ex-companheiros de Bagaço, a batalha pela preservação
da Amazônia.
“Quero legislar em defesa da mata e
criar mecanismos que defendam o seringueiro, que ainda vive quase escravizado”,
conclui sintetizando em poucas palavras suas metas para este primeiro mandato.
E, a julgar pela sua irresistível ascensão, o primeiro mandato da senadora
Marina é apenas mais um passo em direção a destinos ainda maiores. Profecia,
aliás, já feita pela revista americana Time, que incluiu Marina Silva em sua
lista de cem possíveis lideranças mundiais do futuro, uma seleta relação dos
destaques da política que estão na casa dos 30 anos. Para quem já esteve no
Bagaço, Marina definitivamente deu a volta por cima.
Márcia Turcato. Marina: do
seringal ao Senado. Os caminhos da Terra. Ano 4, n° 3. São Paulo: Azul, mar.
1995. p. 30-1.
Fonte: Português em
outras palavras – 8ª série – Maria Sílvia Gonçalves – ed. Scipione – São Paulo,
2002. 4ª edição. p. 106-8.
Entendendo a reportagem:
01 – Qual destas atividades
Marina não exerceu: senadora, deputada, vereadora, doméstica, estudante,
militante de esquerda, antropóloga, ecologista, seringueira?
Antropóloga.
02 – Esse texto é uma
biografia ou um perfil? Qual a diferença entre ambos?
Trata-se de um
perfil. A biografia costuma ser mais “comportada” limitando-se a fazer um
relato dos fatos mais importantes da vida de uma pessoa, em ordem cronológica.
03 – Observe as primeiras
linhas do texto. Por que a autora o inicia dando ao leitor essas informações?
Ela inicia o
parágrafo com a idade de Marina para realçar o fato de que ela é muito jovem
para exercer a função de senadora. Fala da infância miserável da jovem senadora
para valorizar ainda mais sua vitória.
04 – Que palavra inicia o
segundo parágrafo? Qual sua função no texto?
Mas. A função é
mostrar que, contrariando o que se poderia esperar para uma pessoa que teve a
infância de Marina, ela se tornou uma vencedora.
05 – A autora intercala às
suas afirmações algumas falas da senadora.
a) Como é possível identifica-las?
Por meio das aspas.
b) Como ela encaixou essa falas em seu texto?
Misturando-as estrategicamente com dados que mostram a vida das
pessoas que a elegeram e que esperam dela algo que possa ajuda-los.
c) Qual será a possível reação dos eleitores da senadora diante dessas falas?
Eles, provavelmente, as aprovarão; não se arrependerão do voto.
06 – A autora chega a
afirmar que Marina só não morreu por providência divina. Você concorda com ela?
Por quê?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão:
Considerar, contudo, as condições precárias da vida que levou e sua frágil
constituição física.
07 – Infância miserável +
engajamento político = político verdadeiro. Você acha que esta é a fórmula
ideal? Como explicar o desempenho de Marina, considerando que até os 16 anos
era analfabeta?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Essa foi a fórmula de que resultou Marina, mas não
significa que seja ideal. Sem dúvida sua militância deve ter influenciado sua
formação, mas há um enorme esforço pessoal em sua trajetória.
08 – É correto afirmar que a
senadora renunciou à vida pessoal para participar da política?
Não. Ela já se
casou duas vezes e tem quatro filhos.
09 – Que informação comprova
o fato de que Marina é uma pessoa realmente especial? Em que momento do texto a
autora revela essa informação e com que intenção o faz?
Marina foi
incluída numa lista da revista americana Time como uma das cem possíveis
lideranças mundiais no futuro. A autora revela isso no final do texto para
surpreender o leitor e também para mostrar que a senadora já tem reconhecimento
internacional, apesar de toda a sua simplicidade.
10 – O que mais impressionou
você na trajetória de Marina? Verifique se o perfil de Marina corresponde ao
conceito de cidadão que a classe elaborou.
Resposta pessoal
do aluno.
11 – O que há de especial no
título do texto que você estudou?
A autora escolheu
duas palavras que começam com se
e poderiam estabelecer alguma relação de semelhança, mas que, do ponto de vista
do significado, designam lugares díspares. A expressão: do seringal ao senado
mostra o salto de Marina do local onde passou sua infância ao local onde hoje
luta para concretizar seus ideais.
12 – A autora usa o nome do
local onde Marina se criou para quê? Veja especialmente o último período do
texto.
Para fazer um
trocadilho. Bagaço é o nome do seringal onde ela se criou. A própria Marina
tinha tudo para estar “no bagaço”, devido à infância que teve.
13 – Observe esta
construção:
“Mas
o destino, que a pôs no mundo pelas portas do inferno verde da Amazônia”
[...]. Sobre qual relação de semelhança é feita essa metáfora?
A Amazônia é como um inferno, devido ao
sofrimento dos que nela vivem e trabalham. A cor verde é óbvio, refere-se à
floresta.
14 – Que recurso a autora
usou em: “Ela não leva mais o peso da borracha, mas carrega o fardo da
responsabilidade”? Faça um comentário sobre a linguagem utilizada pela autora.
Opôs duas
expressões, sendo a primeira usada no sentido literal e a segunda, no sentido
figurado: peso / fardo; borracha / responsabilidade.
15 – Dê um sinônimo para as
expressões destacadas.
a) “A saga da senadora acreana tem proporções amazônicas”.
Dimensões imensas.
b) “Essa vai ser uma das minhas principais bandeiras de luta”.
Lemas.
c) “Ainda ambientando-se na aridez de Brasília...”.
Frieza.
16 - O que essas palavras têm de especial? O que têm em comum?
São palavras usadas com um sentido
diferente do que lhes é usual. São usadas metaforicamente.
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