Poema: Vida
menor
Carlos Drummond de Andrade
A fuga do real,
ainda mais longe a fuga do
feérico,
mais longe de tudo, a fuga
de si mesmo,
a fuga da fuga, o exílio
sem água e palavra, a perda
voluntária de amor e
memória,
o eco
já não correspondendo ao
apelo, e este fundindo-se,
a mão tornando-se enorme e
desaparecendo
desfigurada, todos os gestos
afinal impossíveis,
senão inúteis, a
desnecessidade do canto, a limpeza
da cor, nem braço a mover-se
nem unha crescendo.
Não a morte, contudo.
Mas a vida: captada em sua
forma irredutível,
já sem ornato ou comentário
melódico,
vida a que aspiramos como
paz no cansaço
(não a morte)
vida mínima, essencial; um
início; um sono;
menos que terra, sem calor;
sem ciência nem ironia;
o que se possa desejar de menos
cruel: vida
em que o ar, não respirando,
mais envolva;
nenhum gasto de tecidos;
ausência deles;
confusão entre manhã e
tarde, já sem dor,
porque o tempo não mais se
divide em sessões; o tempo
elidido, domado.
Não o morto nem o eterno ou
o divino,
apenas o vivo, o pequenino,
calado, indiferente
e solitário vivo.
Isso eu procuro.
ANDRADE,
Carlos Drummond de. In: Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 1993, p.
234-5.
Entendendo o poema:
01 – De acordo com o ideal
de vida do sujeito poético, a existência humana:
(V) Deve ser simples e desapegada de
valores materiais.
(F) Constitui-se um breve espaço da
vida humana marcada pela vulgaridade.
(F) Tem seu verdadeiro sentido quando
associada à realidade sobrenatural e divina.
(V) Deve estar isenta da preocupação
com a passagem do tempo, eliminando, assim, as angústias do homem.
(V) Deve ser desvinculada de
envolvimentos com a realidade social.
02 – O poema apresenta:
(V) Enumeração e reiteração de
ideias, visando à expressividade.
(V) Funções emotiva e poética da
linguagem.
(V) Liberdade formal.
(F) Temática de caráter social,
representando bem uma arte engajada.
(F) Uma linguagem referencial, daí a
objetividade no enfoque do tema.
03 – O título do poema pode
ser usado como uma categoria antropológica, para quê?
Para pensar as
condições da subjetividade, em um ambiente de elevada representação histórica.
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