Crônica: Preto e branco
Fernando Sabino
Perdera emprego, chegara a passar fome,
sem que ninguém soubesse; por constrangimento, afastara-se da roda boêmia que
antes costumava frequentar: escritores, jornalistas, um sambista de cor que
vinha a ser seu mais velho companheiro de noitadas.
De repente, a salvação lhe apareceu na
forma de um americano, que lhe oferecia emprego numa agência. Agarrou-se com
unhas e dentes à oportunidade, vale dizer, ao americano, para garantir na sua
nova função uma relativa estabilidade.
E um belo dia vai seguindo com o chefe
pela Rua México, já distraídos de seus passados tropeços, mas, tropeçando
obstinadamente no inglês com que se entendiam -- quando vê do outro lado da rua
um preto agitar a mão para ele.
Era o sambista seu amigo.
Ocorreu-lhe desde logo que ao americano
poderia parecer estranha tal amizade, e mais tarde incompatível com a ética
ianque a ser mantida nas funções que passara a exercer. Lembrou-se num átimo que
o americano em geral tem uma coisa muito séria chamada preconceito racial e seu
critério de julgamento da capacidade funcional dos subordinados talvez se
deixasse influir por essa odiosa deformação. Por via das dúvidas,
correspondeu ao cumprimento de seu amigo de maneira mais discreta que lhe foi
possível, mas viu em pânico que ele atravessava a rua e vinha em sua direção,
sorriso aberto e braços prontos para um abraço.
Pensou rapidamente em se esquivar --
não dava tempo: o americano também se detivera, vendo o preto aproximar-se. Era
seu amigo, velho companheiro, um bom sujeito, dos melhores mesmo que já
conhecera -- acaso jamais chegara sequer a se lembrar de que se tratava de um
preto! Agora, com o gringo ali ao seu lado, todo branco e sardento, é que
percebia pela primeira vez: não podia ser mais preto. Sendo assim, tivesse
paciência: mais tarde lhe explicava tudo, haveria de compreender. Passar fome
era muito bonito nos romances de Knut Hamsun, lidos depois do jantar, e sem
credores à porta. Não teve mais dúvidas: virou a cara quando o outro se
aproximou e fingiu que não o via, que não era com ele.
E não era mesmo com ele.
Porque antes de cumprimentá-lo, talvez
ainda sem tê-lo visto, o sambista abriu os braços para acolher o americano,
também seu amigo.
(Fernando Sabino)
Entendendo a crônica:
01 – Identifique as
personagens protagonistas dessa narrativa e aponte suas características, de
acordo com suas ações no texto.
O homem que
procurava emprego: no momento estava inseguro, fragilizado por sua difícil
situação, mostrou-se preconceituoso e equivocado; – o sambista negro, seu
amigo: bom sujeito, espontâneo, afetuoso.
02 – A vida da personagem
principal passa por várias modificações, durante o texto. Indique-as.
Primeiramente,
ele perde um emprego, chega a passar fome, e afasta-se dos amigos. Depois,
quando ele consegue um emprego, agarra-se tanto a ele, que, por medo, finge não
conhecer seu amigo negro.
03 – Por que ele acredita
que cumprimentando o amigo negro, seu emprego correria risco?
Porque ele pensou
que todo americano era preconceituoso e como ele estava com seu chefe
americano, ficou com medo que aquela relação de amizade o prejudicasse.
“Lembrou-se num átimo que o americano em geral tem uma coisa muito séria
chamada preconceito racial e seu critério de julgamento da capacidade funcional
dos subordinados talvez se deixasse influir por essa odiosa deformação”.
04 – Sendo inevitável, como
o personagem cumprimentou o amigo sambista? O que aconteceu em seguida?
Ele cumprimentou da maneira mais discreta
possível, mas não adiantou, pois o sambista atravessou a rua em sua direção,
deixando-o em estado de pânico.
05 – Relate o que passou
pela cabeça do personagem que justifique seu pânico.
Primeiramente,
ele pensou em se esquivar, não deu certo, pois o chefe já se detivera também,
ao ver o preto se aproximar. Depois ele, pela primeira vez, reparou o quanto o
amigo era preto, e por último, ele se justifica afirmando que passar fome, só
era bonito nos romances, e que o amigo iria compreender suas razões.
06 – Explique por que a
frase “E não era mesmo com ele”, é importante para a narrativa.
Porque é essa
frase que demarca a mudança total dos acontecimentos. Pois, a partir dela,
ficamos sabendo que o negro se aproximara para cumprimentar o americano e não o
personagem central.
07 – Justifique, com uma
passagem do texto, o fato de que o sambista pode nem ter visto o personagem
central, pois dirigira seu olhar para o americano.
“Porque antes de
cumprimenta-lo, talvez ainda sem tê-lo visto, o sambista abriu os braços...”
08 – O que indica o verbo
“acolher” no último parágrafo?
Que o americano
se adiantou para abraçar o sambista e que este “recebeu de maneira afetuosa” o
abraço.
09 – Então, não há registro
de comportamento preconceituoso no texto?
Há sim, mas não
como se supunha: do americano para com o negro, mas sim do personagem central
para com o americano.
10 – Explique o jogo de
palavras que aparece na frase: “... já distraído de seus passados tropeços, mas
tropeçando obstinadamente o inglês...”
Nos dois casos a
palavra “tropeço” está no sentido conotativo, indicado dificuldades.
Dificuldades passadas, quando estava desempregado e dificuldades em falar
inglês.
11 – Qual seria essa “ética
ianque”, citada pela personagem central?
A ética
americana, que ao seu ver, consideraria desaconselhável a amizade entre pessoas
de etnias diferentes, principalmente, devido ao cargo que o personagem exercia.
obrigadaaaaaa
ResponderExcluirPor que o homem branco não se revelou amigo do homem negro durante a história?
ResponderExcluirporque acreditava que o americano teria preconceito contra o homen negro
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