ARTIGO DE OPINIÃO: Nossa fome
José Fernandes de Oliveira
Que pequenos ou grandes países em
guerra ou vítimas de catástrofes impossíveis de contornar tenham conhecido e
ainda conheçam a fome é compreensível, ainda que não se explique.
Que países vítimas de clima ingrato e
solo ainda mais ingrato tenham que dosar a ração alimentar de seus filhos,
entende-se.
Que um país da extensão do nosso, com
um oceano a lhe banhar as costas, com terras cultiváveis, inclusive as do
ressequido Nordeste, conheça o triste espetáculo da fome no campo e nos
pequenos e grandes centros é mais do que triste e lamentável: é revoltante.
O país apontado como o futuro celeiro
do mundo está vendo seus filhos remexer monturos e latas de lixo, saquear depósitos
e armazéns, minguar de fome, e, no desespero de não saber onde encontrar a
próxima ração dos filhos, cair na tentação da violência.
Até agora o fenômeno, que já existia há
muitos anos no campo e na periferia das cidades, não sensibilizava a imprensa
porque parecia pequeno e contido. Agora, porém, explode na casa do vizinho
desempregado e vem para pertinho de todos. Perto demais para deixar o
brasileiro indiferente. Não é possível disfarçar a fome de agora com
consumismo, sexo, futebol e palavras de esperança. A fome está doendo demais.
O Zé e a Maria começam a cair nas filas
e no emprego, de noite o estomago dói e o dia inteiro as crianças choram de
fome, enquanto pai esmurra a parede com ódio do governo e dos que deixaram o
país chegar a esse estado de coisas.
Aumentam os assaltos, a violência, o
medo e o desespero. E as explicações já não explicam por que um país como o
nosso se endividou tanto, planejou tão mal e plantou de maneira tão errada,
permitindo preços extorsivos que dificultam o plantio e a colheita e tornam
impossível a compra do que o solo produziu.
Na terra que, segundo Pero Vaz de
Caminha, “é boa e dá de tudo”, o povo passa fome.
Em 1980, o Papa repetiu isso em
Teresina. A Igreja vive dizendo isto. Os brasileiros mais conscientes previam
isto. E nada foi feito. E o governo, a oposição e as lideranças precisam achar
a resposta antes da anarquia. Um povo com fome devora tudo, inclusive seus
líderes.
No momento, o Brasil tem muitos
problemas, e graves, mas um que não pode esperar é a comida. Matar a fome do
povo é uma urgência. E não adianta explicar. A fome do brasileiro não pode ser
explicada nem justificada. Não é acaso, é desgoverno mesmo.
OLIVEIRA
scj, José Fernandes de. “O recado”. Revista Mensal de Problemas
Humano-Cristãos, abr. 1984.
Fonte: Livro – Encontro
e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna,
2005 – p. 110/2.
Entendendo o texto:
01 – Identifique o significado,
no texto, das palavras em destaque:
a)
“... ou vítimas de catástrofes impossíveis de contornar...”
Pessoas que sofrem infortúnios / grandes desgraças / solucionar.
b)
“Que países de clima ingrato e solo ainda mais ingrato tenham
que dosar a ração alimentar, entende-se”.
Inconstante, improdutivo.
c)
“Que um país da expansão do nosso, com um
oceano a banhar-lhe a costa, com terras cultiváveis,
inclusive as do ressequido Nordeste, conheça o triste espetáculo da fome no
campo...”
Que podem ser cultivadas: terras onde se pode plantar e colher.
02 – Substitua as locuções
adjetivas pelo adjetivo equivalente. Escolha quatro e forme frases. Faça tudo
em seu caderno.
a)
Com
fome
– Faminto.
b)
Fome que
não se explica – inexplicável.
c)
Nordeste com
seca – ressequido.
d)
Brasileiro com indiferença – indiferente.
03 – “A fome do brasileiro
não pode ser explicada nem justificada”. Qual é a diferença entre explicar e justificar a fome do brasileiro?
Explicar: é identificar as
causas.
Justificar:
é legitimar as causas.
04 – “... enquanto o pai
esmurra a parede com ódio do governo e dos que deixaram o país chegar a esse estado de coisas”.
Substitua a expressão em destaque sem alterar o sentido do texto.
Essa situação / a
esse ponto.
05 – Identifique a diferença
de sentido entre:
·
“A
igreja vive dizendo isso”.
·
O
padre vive dizendo isso.
A 1ª frase, a
posição da instituição está sendo apresentada e, a 2ª frase, a opinião de
apenas um dos membros da instituição.
06 – “Que pequenos ou
grandes países em guerra ou vítimas de catástrofes impossíveis de contornar
tenham conhecido e ainda conheçam a fome é compreensível, ainda que não se
explique.”
a)
Que catástrofes poderiam ser impossíveis de
contornar?
Aquelas causadas pela própria natureza, independentemente da ação
humana.
b)
No Brasil, inúmeras pessoas ainda atravessam
dificuldades devido ao excesso ou à falta de chuva. Milhares de pessoas que
vivem em encostas de morros, por exemplo, ficam desabrigadas e desamparadas
após grandes enchentes. Nesses casos, você acha que as catástrofes são também
compreensíveis? Por quê?
Em casos como esse, a ausência de condições adequadas de habitação
provocou a tragédia e não a natureza.
07 – “O país apontado como
futuro celeiro do mundo está vendo seus filhos remexer monturos e lata de lixo,
saquear depósitos e armazéns...”
a)
Qual o sujeito do verbo estar?
O país apontado como futuro celeiro do mundo.
b)
Que país é apontado como futuro celeiro do
mundo?
O Brasil, devido às grandes áreas potencialmente cultiváveis.
c)
No lugar do nome do país, foi empregada uma
expressão. Ela oferece informações a respeito do país. Qual a relação entre a
informação oferecida e a ideia apresentada no terceiro parágrafo.
A expressão futuro celeiro do mundo reforça a ideia defendida no
terceiro parágrafo.
d)
Conclua: qual o efeito de usarmos uma
expressão no lugar de um nome para indicarmos o sujeito de uma ação?
Oferecer informações a respeito do sujeito relevantes em relação à
tese apresentada.
08 – Quem são o Zé e a Maria
a que o autor se refere?
Os nomes
utilizados não são indivíduos, o autor usou nomes comuns na sociedade
brasileira para representar todo o povo.
09 – De acordo com o texto,
quem teria deixado o país chegar a “esse estado de coisas”?
O governo, a
oposição, as lideranças.
10 – “Na terra que, segundo
Caminha, ‘é boa e dá tudo’, o povo passa fome”. Pero Vaz de Caminha, na época
do descobrimento do Brasil, escrevia cartas ao governo português. Muitas vezes,
exaltava as belezas e os recursos do país. Qual a importância, para o texto, de
se mencionar as palavras de Caminha?
É uma referência
ao início da história da colonização do Brasil e ao fato de que o país sempre
contou com recursos naturais suficientes para que não houvesse fome.
11 – “Em 1980 o papa repetiu
isso em Teresina. A igreja vive dizendo isso. Os brasileiros mais conscientes
previam isso.” Explique a ideia que está sendo substituída pelo pronome isso.
A ideia de que em uma terra em que há
tantos recursos o povo passa fome.
12 – “E o governo, a
oposição e as lideranças precisam achar a resposta antes da anarquia. Um povo
com fome devora tudo. Inclusive seus líderes”.
a)
O verbo devorar está sendo utilizado
no sentido denotativo ou conotativo?
Conotativo. Porque não possui somente o significado de comer “com
fúria” mas de “engolir” os causadores de sua fome, miséria, estado de
calamidade.
b)
Explique de que maneira a escolha dessa
palavra está relacionada ao tema abordado pelo autor.
Devorar está relacionado à fome.
13 – “É desgoverno mesmo!”
a)
Considerando a afirmação em destaque, responda:
para o autor, quem é o responsável pela fome no Brasil? Por quê?
O governo, pois ele considera que os governantes e os demais
políticos não têm feito a sua parte.
b)
A escolha de uma palavra que é a negação de
governo tem um significado. Que significado é esse?
Para o autor, o governo é omisso.
c)
De acordo com o texto, a fome provocada pela
omissão dos governantes pode levar à anarquia. Veja mais uma vez o significado
de anarquia e de desgoverno no dicionário e procure explicar qual seria a
diferença entre a anarquia e o desgoverno mencionado pelo autor.
Anarquia – seria a ausência de uma autoridade estabelecida ou o
estabelecimento de uma ordem em que o povo faz valer os seus direitos.
Desgoverno – é também a ausência de uma autoridade estabelecida, mas
por omissão e não por não haver governantes oficiais.
14 – Por que, segundo o
autor, é revoltante o fato de haver fome no Brasil?
Porque a fome no
Brasil não é fruto da falta de recursos, mas de administração inadequada dos
recursos.
15 – Você concorda com a
opinião do autor? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
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