sexta-feira, 24 de julho de 2020

CRÔNICA: TER OU NÃO TER NAMORADO, EIS A QUESTÃO - ARTUR DA TÁVOLA - COM GABARITO

Crônica: Ter ou não ter namorado, eis a questão

                   Artur da Távola

     Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.

    Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.

        Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.

        Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.

        Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.

        Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.

        Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.

        Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d’água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.

        Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.

        Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.

        Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.

        Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.

        Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.

        Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.

                  (Artur da Távola. In: Joaquim Ferreira dos Santos (Org.) As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 244-245.)

Entendendo a crônica:

01 – Para o autor, só sabe o que é namorar quem:

a)   Cultiva o hábito de fazer poesia.

b)   Entra em sintonia com o outro no plano das sensações.

c)   Distingue o que é concreto do que é abstrato.

d)   Vivencia as sensações do amor sem se entregar.

e)   Sabe teorizar sobre os seus sentimentos.

02 – “Enlou-cresça”. O neologismo em questão sintetiza o seguinte pensamento:

a)   Só é possível crescer se a vida não fizer nenhum sentido.

b)   O sentido da vida se constrói a partir do crescimento intelectual.

c)   O crescimento e loucura são considerados processos incompatíveis.

d)   O sentido da vida se dá pela tensão entre crescimento e loucura.

e)   O sentido da vida é construído por meio da loucura.

03 – Em: “... mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lodo dele a gente treme...”, a conjunção destacada pode ser substituída, sem alteração de sentido, por:

a)   Se, já que impõem uma condição para a relação amorosa.

b)   Pois, já que introduziu uma justificativa para a emoção do ser amoroso.

c)   Logo, já que o período demonstra a determinação do ser amoroso.

d)   Entretanto, já que o período mostra uma incoerência do ser amoroso.

e)   Como, já que introduz a descrição do comportamento do ser amoroso.

04 – “Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter namorado”. Segundo as ideias do autor, sobre os termos destacados, não se pode afirmar que:

a)   Os quatro primeiros opõem-se, em significado, ao último.

b)   São vocábulos diferentes para a mesma significação.

c)   Exercem funções sintáticas distintas, de acordo com a posição.

d)   São utilizados por grupos sociais distintos para definir “namorado”.

e)   O último relaciona-se com o verbo da segunda oração na função de sujeito.

05 – No sexto parágrafo, a sequência de formas verbais, no Imperativo, denota um(a):

a)   Treinamento.

b)   Aconselhamento.

c)   Ordem.

d)   Solicitação.

e)   Ponderação.

06 – “Se você não tem um namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário...”. Com o emprego do vocábulo destacado, neste contexto, o narrador sugere que:

a)   No momento, ele está imaturo para amar.

b)   Algumas pessoas não merecem ser amadas.

c)   Qualquer leitor(a) pode vir a ter um namorado.

d)   Todos os momentos da vida são propícios ao amor.

e)   No momento, o leitor(a) não está preparado(a) para namorar.

07 – Marque a alternativa em que a ocorrência da preposição destacada não apresenta valor gramatical.

a)   “... basta um olhar de compreensão...”.

b)   “A proteção dele não precisa...”.

c)   “... mistério do outro dentro dos olhos dele...”.

d)   “... pela lucidez do amor”.

e)   “... ruas de sonho...”.

08 – Em que alternativa um dos termos, se apresenta sintaticamente diferente dos demais?

a)   “... basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição”.

b)   “Não tem namorado quem não gosta de dormir...”.

c)   “... alguém que tirou férias não remuneradas...”.

d)   “... redescobre a criança própria...”.

e)   “... namorado de verdade é muito raro”.

09 – No trecho: “Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo”, o sentido da expressão em destaque só não se aplica a:

a)   Privar-se de férias não pagas.

b)   Abdicar gratuitamente de si mesmo.

c)   Renunciar em vão a si mesmo.

d)   Despojar-se inutilmente de si mesmo.

e)   Esvaziar-se a troco de nada.

10 – De acordo com o texto, para conseguir namorar alguém, é necessário:

a)   Pedir autorização aos pais.

b)   Fazer pactos de amor com a infelicidade.

c)   Temer o afeto e o carinho.

d)   Escovar a alma de leve fricções de esperança e abrir o coração.

e)   Esquecer-se da sua criança própria.

11 – O trecho: “Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho”, aponta um indício para dizer que ter namorado é:

a)   Em tempo algum ter lanchado na padaria.

b)   Jamais ter temido o pai.

c)   Nunca ter ido ao cinema à tarde.

d)   Não ter tomado chuva.

e)   “Decretar feriado” por conta própria.

12 – Em: “Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugida ou impossível de curar”, o conectivo em destaque expressa ideia de:

a)   Condição.

b)   Concessão.

c)   Comparação.

d)   Causa.

e)   Consequência.

13 – Em: “Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques (...)”, as palavras sublinhadas no período referem-se ao antecedente:

a)   “Mistério”.

b)   “Criança”.

c)   “Namorado”.

d)   “Amado”.

e)   “Parques”.

14 – No trecho: “Se você ainda não tem namorado, é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido”, a “loucura” é associada a:

a)   Paixão.

b)   Coragem.

c)   Esquisitice.

d)   Desequilíbrio.

e)   Alegria.

 

 


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