sexta-feira, 24 de julho de 2020

POEMA: O FERRAGEIRO DE CARMONA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: O Ferrageiro de Carmona    

                 João Cabral de Melo Neto

Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
«Aquilo? É de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.

O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele a queda-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.

Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.

Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita,
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarreia.

Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga.

                           João Cabral de Melo Neto, in 'Serial e Antes, A Educação pela Pedra e Depois, Rio de Janeiro, 1997'

Entendendo o poema:

01 – O poema mostra:

(F) O fazer poético como um processo racional, fundamentado em modelos preexistentes.

(F) A relação criador-criatura enfocada sob uma perspectiva irônica.

(V) Uma analogia entre o ofício do ferrageiro e o do poeta.

(V) A “flor” forjada como exemplo de obra de arte criativa.

(F) A criação da poesia como um processo cuja marca é a fluência das palavras, sem controle seletivo.

(V) A verossimilhança, o efeito de verdade na obra de arte, ligada à ação persuasiva do artefato sobre objeto natural.

(V) A ação de forjar ligada à marca da pessoalidade no processo criativo, contrapondo-se ao plano do fundir, cuja marca é a ausência do sujeito.

02 – João Cabral de Melo Neto, mais conhecido como o “poeta das simetrias”, apresenta um texto exato e extremamente racionalizado. Em seus poemas, rompe com o mito da poesia de inspiração, pois prega que a poesia não está no sentimento do poeta ou mesmo na beleza dos fatos, mas na organização do texto, no rigor de sua construção. Com base no poema, analise as afirmativas a seguir:

I – O poema é construído a partir de oposições semânticas, como a que existe entre “ferro forjado” e “ferro fundido”.

II – O eu lírico valoriza o trabalho com ferro fundido e desqualifica o com ferro forjado.

III – O poema se utiliza da metáfora do trabalho do ferreiro para falar do fazer poético.

É correto o que se afirma em:

a)   Apenas I.

b)   Apenas II.

c)   I e III.

d)   Apenas a III.

03 – De que se trata o poema?

      Fala do ato de criação do fazer poético.

04 – O poeta recorre a que comparação para ilustrar sua fala?

      Ele recorre à comparação do ato de forjar o metal e o ato de engendrar as palavras.

05 – Que palavras o eu lírico usa que revela-se como autoritário, firme e austero o ato de escrever?

      Ferro, forjado, fundido.

06 – Para reproduzir a labuta do ato criativo o eu lírico recorre a quê advérbios?

      Corpo a corpo, cara a cara, a gritos, a mão.

 


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