Poema: O Ferrageiro de Carmona
João Cabral de Melo NetoUm ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
«Aquilo? É de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não a mão.
Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.
O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele a queda-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.
Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.
Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?
Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.
Dou-lhe aqui humilde receita,
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarreia.
Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga.
João
Cabral de Melo Neto, in 'Serial e Antes, A Educação pela Pedra e Depois, Rio de
Janeiro, 1997'
Entendendo o poema:
01 – O poema mostra:
(F) O fazer poético como um processo
racional, fundamentado em modelos preexistentes.
(F) A relação criador-criatura
enfocada sob uma perspectiva irônica.
(V) Uma analogia entre o ofício do
ferrageiro e o do poeta.
(V) A “flor” forjada como exemplo de
obra de arte criativa.
(F) A criação da poesia como um
processo cuja marca é a fluência das palavras, sem controle seletivo.
(V) A verossimilhança, o efeito de
verdade na obra de arte, ligada à ação persuasiva do artefato sobre objeto
natural.
(V) A ação de forjar ligada à marca da pessoalidade no processo criativo,
contrapondo-se ao plano do fundir,
cuja marca é a ausência do sujeito.
02 – João Cabral de Melo
Neto, mais conhecido como o “poeta das simetrias”, apresenta um texto exato e
extremamente racionalizado. Em seus poemas, rompe com o mito da poesia de
inspiração, pois prega que a poesia não está no sentimento do poeta ou mesmo na
beleza dos fatos, mas na organização do texto, no rigor de sua construção. Com
base no poema, analise as afirmativas a seguir:
I – O poema é construído a
partir de oposições semânticas, como a que existe entre “ferro forjado” e
“ferro fundido”.
II – O eu lírico valoriza o
trabalho com ferro fundido e desqualifica o com ferro forjado.
III – O poema se utiliza da
metáfora do trabalho do ferreiro para falar do fazer poético.
É correto o que se afirma
em:
a)
Apenas I.
b)
Apenas II.
c)
I e III.
d)
Apenas a III.
03 – De que se trata o
poema?
Fala do ato de
criação do fazer poético.
04 – O poeta recorre a que
comparação para ilustrar sua fala?
Ele recorre à
comparação do ato de forjar o metal e o ato de engendrar as palavras.
05 – Que palavras o eu
lírico usa que revela-se como autoritário, firme e austero o ato de escrever?
Ferro, forjado,
fundido.
06 – Para reproduzir a
labuta do ato criativo o eu lírico recorre a quê advérbios?
Corpo a corpo,
cara a cara, a gritos, a mão.
Muito bom. Leitura agradável de palavras bem colocadas.
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