quarta-feira, 5 de março de 2025

RELATO: A ARTE DE PINTAR - LUÍS DONISETE BENZI GRUPIONI - COM GABARITO

 Relato: A arte de pintar

           Luís Donisete Benzi Grupioni

        A algazarra das crianças pequenas e a voz estridente de algumas mulheres xikrin – índios que habitam o sul do Pará – indicam que o grupo que ontem tinha saído bem cedo para apanhar batata-doce, inhame, milho, mandioca e mamão, na roça, hoje está na aldeia. Pouco a pouco, um grupo de mulheres vai se reunindo na casa da mulher chefe, para fazer juntas a primeira refeição do dia e iniciarem mais uma sessão de pinturas coletivas. Mais ou menos a cada oito dias, as mulheres casadas e que têm filhos se reúnem para pintar umas às outras, organizando-se em pequenos grupos, de acordo com a idade e com a quantidade de filhos. Num canto da casa, mulheres jovens com um filho ou dois; noutro, as mais velhas com três ou quatro filhos, todas comendo frutos trazidos da roça.

FONTE: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTbJzGCeHZgW4ceoDI9EFRHXlpusPFvSeMKXvCGgQ_xBHvFJaclmWAXnNp94YHXHlnpBR_OM_C_7gg6KdORtmeeqZo3kI2fnK0HZfI_cHcuDEBWiAsg3ystu-awpqjUdLwelr8i9XFOzJcnG77KPA958aSB6k_JbgFLUY0Ef7eoP26AJbg-8bRpBw0lsU/s320/guarani-sao-paulo-pro-indio.jpg


        É a primeira vez que Irepu toma parte numa dessas sessões de pintura. Por ter um filho recém-nascido e já haver cumprido o período de resguardo – que pai e mãe devem respeitar após o nascimento dos filhos –, ela pode ingressar na categoria das jovens mulheres com filhos. Assim, Irepu vai participar da sessão, pintando uma companheira e sendo pintada por ela.

        Ao longo de toda a vida as mulheres xikrin vão se aperfeiçoando na arte e na técnica de pintar o corpo, uma atividade de grande interesse e importância na sociedade em que vivem. Crianças pequenas pintam abóboras e bonecas de plástico que são levadas para a aldeia. Quando atingem os 10 ou 12 anos, suas mães permitem que pintem seus irmãos menores. Assim, quando uma moça tem seu primeiro filho, ela já sabe pintar. Em sua casa, longe do olhar crítico das mulheres mais velhas, ela embala seu bebê ao som das cantigas de seu povo e de pinceladas de tinta. É pintando o filho e observando as mulheres mais velhas pintando outras mulheres da mesma categoria de idade que uma Xikrin vai se aperfeiçoando no domínio da técnica de pintar. Isto exige muito tempo e prática. É preciso adquirir segurança no uso do pincel e aprender noções de proporção. Pintando regularmente seus filhos, as mulheres vão “treinando a mão” e aprendendo que, para os Xikrin, gastar horas pintando o filho é uma demonstração de carinho e interesse.

        Na casa da mulher do chefe as mulheres conversam. O momento da pintura é sempre de descontração, prazer, divertimento e também de muitas fofocas, quando se colocam os assuntos em dia. Discutem sobre vários desenhos possíveis e então se decidem sobre o motivo da pintura que farão hoje. A pintura é igual para todas e o desenho é o mesmo no rosto e no corpo. Formando triângulos, quadrados ou executando linhas retas paralelas, elas elaboram os vários desenhos que representam animais e plantas. Uma amiga de Irepu começa a pintar seu rosto, usando uma pequena lasca de taquara que lhe serve como pincel. Com traços firmes, fazendo o desenho do jabuti, que foi escolhido. O deslizar do pincel no rosto produz uma agradável sensação de frescor. Numa pequena cuia de cabaça está a tinta, preparada por algumas mulheres com a mistura de jenipapo mascado, carvão e um pouco de água.

        Depois de pintar o rosto de Irepu, sua companheira cobre-lhe o corpo todo com tinta aplicada com a mão e em seguida passa um pente para formar as listas. Enquanto espera a pintura secar e a volta da companheira que tinha ido em casa buscar um abano de palha, Irepu pega o filho, que estava com sua irmã, para amamentá-lo. Ele rapidamente adormece em seu colo e ela pode então retribuir a pintura na amiga, que já tinha voltado.

        Terminada a sessão de pintura, as mulheres voltam para suas casas. Algumas continuam tomando conta das crianças, enquanto outras vão preparar comida. Com o entardecer, elas se juntam novamente, agora na frente da casa da mulher do chefe. Dali observam os jovens trazerem folhas de palmeira-buriti bem verdes, que são colocadas no meio da praça, onde se sentam os rapazes e os mais velhos, formando o conselho dos homens da aldeia. Hoje, Irepu não está prestando atenção ao que é dito no centro da aldeia, mas admirando o filho, todo pintado, que dorme docemente nos seus braços, escutando os comentários que outras mulheres fazem sobre a pintura que ela realizou em sua amiga. Irepu se sente diferente, pois hoje se iniciou numa nova fase de uma das artes mais apreciadas pelas mulheres xikrin: a arte de pintar-se.

GRUPIONI, Luís D. B. Viagem ao mundo indígena. São Paulo, Berlendis & Vertecchia, 1997. p. 15-20. (Coleção Pawana).

Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. 5ª série – 17ª ed. 3ª impressão – São Paulo – Editora Ática – 2003. p. 90-92.

Entendendo o relato:

01 – Quem são os Xikrin e onde eles habitam?

      Os Xikrin são índios que habitam o sul do Pará.

02 – Com que frequência as mulheres Xikrin casadas se reúnem para pintar?

      As mulheres casadas e que têm filhos se reúnem aproximadamente a cada oito dias para pintar umas às outras.

03 – Qual é o período de resguardo mencionado no relato?

      O período de resguardo é o tempo que pai e mãe devem respeitar após o nascimento dos filhos, durante o qual eles evitam certas atividades.

04 – Como as mulheres Xikrin aprendem a arte de pintar o corpo?

      As mulheres Xikrin começam a aprender a arte de pintar o corpo desde pequenas, pintando abóboras e bonecas. Quando atingem os 10 ou 12 anos, podem pintar seus irmãos menores, e continuam praticando ao longo da vida.

05 – Qual é o significado de pintar os filhos para as mulheres Xikrin?

      Para os Xikrin, gastar horas pintando o filho é uma demonstração de carinho e interesse. É também uma forma de treinar a técnica de pintura.

06 – Que tipos de desenhos as mulheres Xikrin fazem em suas pinturas?

      As mulheres Xikrin fazem desenhos que representam animais e plantas, como triângulos, quadrados e linhas retas paralelas.

07 – Como é a sessão de pintura na casa da mulher do chefe descrita no relato?

      A sessão de pintura é um momento de descontração, prazer e divertimento, com muitas conversas e fofocas. As mulheres discutem sobre os desenhos possíveis e escolhem o motivo da pintura que farão. A pintura é igual para todas.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário