Artigo de opinião: É índio ou não é índio?
Daniel Munduruku
Certa feita tomei o metrô até a praça
da Sé. Eram os primeiros dias que estava em São Paulo e gostava de andar de
metrô e ônibus. Tinha um gosto especial em mostrar-me para sentir a reação das
pessoas quando me viam passar. Queria poder ter a certeza de que as pessoas me
identificavam como índio a fim formar minha autoimagem.

Nessa ocasião a que me refiro, ouvi o
seguinte diálogo entre duas senhoras que me olharam de cima a baixo quando
entrei no metrô:
-- Você viu aquele moço que entrou no
metrô? Parece que é índio – disse a primeira senhora.
-- É, parece. Mas eu não tenho tanta
certeza assim. Viu que ele usa calça jeans? Não é possível que ele seja índio
usando de branco. Acho que não é índio de verdade – retrucou a outra senhora.
-- É poder ser. Mas você viu o cabelo
dele? É lisinho, lisinho. Só índio tem cabelo assim, desse jeito. Acho que ele
é índio, sim – defendeu-me a primeira.
-- Sei não. Você viu que ele usa
relógio? Índio vê a hora olhando para o tempo. O relógio do índio é o sol, a
lua, as estrelas… Não é possível que ele seja índio – argumentou a outra.
-- Mas ele tem o olho puxado – disse a
primeira senhora.
-- E também usa sapatos e camisa –
ironizou a segunda.
-- Mas tem as maçãs do rosto muito
salientes. Só os índios tem rosto desse jeito. Não, ele não nega. Só pode ser
um índio, e parece ser dos puros.
-- Não acredito. Não existem mais
índios puros – afirmou cheia de sabedoria a segunda senhora. – Afinal, o que um
índio estaria fazendo andando de metrô? Índio de verdade mora na floresta,
carrega arco, flecha, caça, pesca, planta mandioca. Acho que não é índio coisa
nenhuma…
-- Você viu o colar que ele está
usando? Parece que é de dentes. Será que é de dentes de gente?
-- De repente até é. Ouvi dizer que
ainda existem índios que comem gente medrou a segunda senhora.
-- Você não disse que achava que ele
era índio? Por que está com medo?
-- Por via das dúvidas...
-- O que você acha de falarmos com ele?
-- E se ele não gostar?
-- Paciência… Ao menos nós teremos as
informações mais precisas, você não acha?
-- É, eu acho, mas confesso que não
tenho muita coragem de iniciar um diálogo com ele. Você pergunta? – Isto dito
pela segunda senhora que, a esta altura, já se mostrava um tanto constrangida.
-- Eu pergunto.
Eu estava ouvindo a conversa de costas
para as duas e de vez em quando ria com vontade. De repente, senti um leve
toque de dedos. Virei-me. Infelizmente, elas demoraram a chamar-me. Meu ponto
de desembarque estava chegando. Olhei para elas, sorri e disse:
-- Sim!
MUNDURUKU, Daniel.
Histórias de índio. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997, p. 34.
Fonte: Linguagem Nova.
Faraco & Moura. 5ª série – 17ª ed. 3ª impressão – São Paulo – Editora Ática
– 2003. p. 95-96.
Entendendo o artigo:
01
– Por que Daniel Munduruku gostava de andar de metrô e ônibus em São Paulo?
Ele gostava de
andar de metrô e ônibus para sentir a reação das pessoas ao vê-lo e para formar
sua autoimagem.
02
– O que as duas senhoras discutiam sobre Daniel no metrô?
Elas discutiam se
Daniel era ou não índio, baseando-se em sua aparência e nas roupas que ele
usava.
03
– Quais características físicas de Daniel foram mencionadas pelas senhoras como
indicativas de que ele poderia ser índio?
Elas mencionaram
seu cabelo liso, olhos puxados e maçãs do rosto salientes.
04
– Por que uma das senhoras duvidava que Daniel fosse índio?
Ela duvidava
porque ele usava calça jeans, relógio, sapatos e camisa, itens que ela não
associava com a imagem de um índio.
05
– O que uma das senhoras sugeriu fazer para confirmar se Daniel era índio?
Ela sugeriu falar
com ele para obter informações mais precisas.
06
– Qual foi a reação de Daniel ao ouvir a conversa das senhoras?
Ele ria com vontade enquanto
ouvia a conversa de costas para as duas senhoras.
07
– Como Daniel respondeu quando as senhoras finalmente o abordaram?
Ele sorriu e disse
"Sim" quando elas o chamaram, pouco antes de seu ponto de desembarque
chegar.
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