terça-feira, 18 de março de 2025

CONTO: O VERGALHO - CAPÍTULO LXVIII - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Conto: O VergalhoCapítulo LXVIII

           Machado de Assis

        Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por aquele Valongo fora, logo depois de ver e ajustar a casa. Interrompeu mas um ajuntamento; era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras:

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        – “Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova.

        – Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado!

        – Meu senhor! gemia o outro.

        – Cala a boca, besta! replicava o vergalho.

        Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, – o que meu pai libertara alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.

        – É, sim, nhonhô.

        – Fez-te alguma coisa?

        – É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.

        – Está bom, perdoa-lhe, disse eu.

        – Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado!

        Saí do grupo, que me olhava espantado e cochichava as suas conjeturas. Segui caminho, a desfiar uma infinidade de reflexões, que sinto haver inteiramente perdido; aliás, seria matéria para um bom capítulo, e talvez alegre. Eu gosto dos capítulos alegres; é o meu fraco. Exteriormente, era torvo o episódio do Valongo; mas só exteriormente. Logo que meti mais dentro a faca do raciocínio achei-lhe um miolo gaiato, fino, e até profundo. Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, – transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as sutilezas do maroto!

Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática, 1995. p. 100-101.

Fonte: Lições de texto. Leitura e redação. José Luiz Fiorin / Francisco Platão Savioli. Editora Ática – 4ª edição – 3ª impressão – 2001 – São Paulo. p. 21.

Entendendo o conto:

01 – Qual a situação presenciada pelo narrador no início do capítulo?

      O narrador se depara com um homem negro chicoteando outro em plena praça pública. O homem chicoteado implora por perdão, mas o agressor ignora seus apelos e continua a castigá-lo.

02 – Quem é o agressor e qual a sua relação com o narrador?

      O agressor é Prudêncio, um ex-escravo que pertenceu ao pai do narrador. Prudêncio foi libertado anos antes e agora possui seu próprio escravo.

03 – Qual o motivo da agressão?

      Prudêncio explica que o escravo é um vadio e bêbado. Ele o havia deixado na quitanda enquanto foi à cidade, mas o escravo desobedeceu e foi beber em uma venda.

04 – Qual a reação do narrador diante da cena?

      O narrador, inicialmente, sente-se chocado com a violência da cena. No entanto, logo em seguida, ele começa a refletir sobre a ironia da situação e a natureza humana.

05 – Qual a interpretação do narrador sobre o comportamento de Prudêncio?

      O narrador percebe que Prudêncio está apenas repetindo o ciclo de violência que sofreu quando era escravo. Ele está, de certa forma, "descontando" no seu escravo as humilhações e os maus-tratos que sofreu no passado.

06 – Qual o significado do título do capítulo: "O Vergalho"?

      O título faz referência ao instrumento de tortura utilizado por Prudêncio para castigar seu escravo. O vergalho simboliza a violência e a opressão presentes na sociedade escravocrata.

07 – Qual a crítica social presente no conto?

      Machado de Assis utiliza a figura de Prudêncio para criticar a perpetuação da violência e da opressão. O conto revela como as vítimas de um sistema opressor podem se tornar opressoras quando alcançam o poder. Além disso, o autor critica a falsa ideia de liberdade concedida aos escravos, mostrando que, mesmo libertos, eles continuam presos a um ciclo de violência e exploração.

 

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