quinta-feira, 6 de março de 2025

CONTO: MITOS DO COMBATE À POBREZA - ODED GRAJEW - COM GABARITO

 Conto: Mitos do combate à pobreza

            ODED GRAJEW

        Elenco a seguir alguns mitos que circulam sobre a pobreza.

        Primeiro mito: A erradicação da pobreza é um processo lento.

        A maioria das pessoas, mesmo aquelas que têm uma real preocupação com a pobreza, suspiram diante dos terríveis indicadores brasileiros e se confortam (e/ou se alienam) afirmando: "Mudar esta situação é um lento processo".

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEju7F00dxZ4eV85wKG6GuiYSDpxUVVyx9IBOBDeGZhJJr-I8lNB52YnsY-Ek-6JhBo20wQ6uxBrALtcLErfjYqhIEGUaIke3Ysmv6chDrTPT10A-RYK_cgNtUAQbwMKZLyjpVZpAugdCgfTovb-4ZsDsosT_2TBSOMRN_Zv1hpDsEZKkLIxpjVFCrpior4/s320/POBREZA.png


        Imaginemos uma pessoa pobre que venha a mim pedindo para deixar de ser pobre. Eu poderia lhe dizer que isso é, infelizmente, um processo lento e complicado, que depende de muitas variáveis e que o Brasil não conseguiu resolver esse drama em 500 anos e não vai ser agora, num minuto, que o solucionará.

        Mas também eu poderia pesquisar qual a renda mensal de que essa pessoa necessitaria para deixar de ser pobre e, dependendo de minhas possibilidades financeiras, garantiria a ela essa renda, desembolsando imediatamente a primeira parcela. Instantaneamente essa pessoa deixaria de ser pobre.

        Se isso fosse feito com todos os pobres brasileiros, teríamos uma rápida erradicação da pobreza em nosso país. Trata-se, portanto, de mapear os pobres e miseráveis deste país (o IBGE acaba de fazer esse levantamento) e assegurar a cada um uma renda mínima (um direito que cada cidadão possui, pela Constituição brasileira), que os tire imediatamente da pobreza.

        Segundo mito: Não se deve dar o peixe aos pobres, mas ensiná-los a pescar.

        As duas posturas – dar o peixe e ensinar a pescar – são tidas como mutuamente excludentes, o que conforta (e/ou aliena) todos que se sentem impotentes diante da miséria brasileira. Deve-se "dar o peixe" e, concomitantemente, ensinar a pescar! Quem tem fome não consegue levantar a vara nem entender as instruções para a pesca.

        Tenho certeza de que a maioria dos leitores deste artigo chegou aonde chegou porque seus pais assim agiram com eles. A todos foi assegurado o peixe nos primeiros (e a muitos privilegiados nem os tão primeiros) anos de suas vidas, enquanto lhes foi ensinada a pesca.

        Portanto cada beneficiário da renda mínima deveria assinar inicialmente um "contrato de cidadania", que, dependendo de cada caso, comprometesse-o com uma ou mais das seguintes atividades: formação educacional e profissional, manutenção dos filhos na escola, prestação de serviços à comunidade, etc.

        Ao governo caberá oferecer as condições para a concretização dessas atividades, estimular as empresas a contratar as pessoas como aprendizes de uma profissão, emprego definitivo, apoio aos projetos filantrópicos etc.; empregar essas pessoas nos programas de obras de serviços essenciais, estimular empreendimentos através da reforma agrária, do crédito rural, do microcrédito etc. O beneficiário da renda mínima sairá do programa no momento em que não cumprir as suas obrigações ou conseguir auferir por conta própria uma renda equivalente ou maior.

        Terceiro mito: Não há recursos para erradicar a pobreza no Brasil.

        Todos os estudos mostram que há recursos de sobra para acabar com a pobreza. O que falta é vontade política. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas informa que R$ 15 mensais arrecadados dos não-pobres seriam suficientes para acabar com a fome dos 50 milhões de pobres brasileiros. O ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque avalia que o custo bruto de um programa de erradicação da pobreza no Brasil seria de, no máximo, R$ 44,4 bilhões por ano. Isso equivale a apenas 10,5% da receita prevista para o setor público e a apenas 4% da renda nacional (riqueza gerada anualmente).

        Uma pesquisa do Banco Mundial revela que, excluindo a Previdência Social (de cujos recursos apenas 8% beneficiam os 20 % mais pobres!), só 19% do gasto social federal atinge os 20% mais pobres! Quem analisar nossos orçamentos públicos ficará horrorizado com o desperdício de recursos causado por corrupção, corporativismo, incompetência e clientelismo.

        Nossos governantes e legisladores não usam os serviços públicos pelos quais têm a responsabilidade de zelar. No momento em que nossas elites políticas fizessem uso da educação primária e secundária, saúde, segurança e transporte públicos, tenho a certeza de que haveria muito mais vontade política para direcionar recursos a fim de melhorar esses serviços. A maioria usa o orçamento para políticas clientelistas, devolver favores ou formar fundos de campanha.

        Os mitos que sustentam a ideia de que o combate à pobreza no Brasil é lento, complicado e inviável financeiramente reforçam a posição dos mal-intencionados, insensíveis e incompetentes. Servem de consolo, mas também de alienação aos que estão com a consciência pesada ou mal informados. Jogam no desespero e na marginalidade milhões de cidadãos brasileiros.

        Aproximadamente 500 crianças abaixo de 5 anos morrem diariamente no Brasil, de pobreza. Essas crianças não podem esperar e aguardam que as pessoas de bem deste país terminem rapidamente com essa vergonha.

Oded Grajew, 57, diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, é presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil.

“Mitos do combate à pobreza”, de Oded Grajew. Editoria Opinião, pág. A3. Folha de S. Paulo, 26/3/2002.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 584-586.

Entendendo o conto:

01 – Qual o primeiro mito sobre a pobreza que o autor aborda?

      O primeiro mito é a crença de que a erradicação da pobreza é um processo lento e demorado.

02 – Como o autor ilustra a possibilidade de erradicar a pobreza de forma rápida?

      O autor usa o exemplo de garantir uma renda mínima para uma pessoa pobre, mostrando que isso a tiraria da pobreza instantaneamente. Se feito em larga escala, erradicaria a pobreza no país.

03 – Qual o segundo mito apresentado no texto e como ele é desconstruído?

     O segundo mito é a ideia de que se deve "ensinar a pescar" em vez de "dar o peixe". O autor argumenta que ambas as ações são necessárias simultaneamente, pois quem tem fome não tem condições de aprender.

04 – O que o autor propõe como "contrato de cidadania" para os beneficiários da renda mínima?

      O contrato incluiria compromissos como formação educacional e profissional, manutenção dos filhos na escola e prestação de serviços à comunidade.

05 – Qual o terceiro mito abordado pelo autor e como ele o refuta?

      O terceiro mito é a alegação de que não há recursos suficientes para erradicar a pobreza no Brasil. O autor apresenta dados que mostram que há recursos de sobra, mas falta vontade política.

06 – Que dados o autor apresenta para comprovar a viabilidade financeira do combate à pobreza?

      O autor menciona estudos da Fundação Getúlio Vargas e do ex-governador Cristovam Buarque, além de dados do Banco Mundial, que evidenciam a disponibilidade de recursos.

07 – Qual a crítica do autor em relação ao uso dos recursos públicos?

      O autor critica o desperdício de recursos devido à corrupção, corporativismo, incompetência e clientelismo, além da falta de uso dos serviços públicos pelas elites políticas.

08 – Como os mitos sobre a pobreza influenciam a sociedade, segundo o autor?

      Os mitos reforçam a inação dos mal-intencionados e servem de consolo para os desinformados, perpetuando a pobreza e o sofrimento de milhões de brasileiros.

09 – Qual a urgência do combate à pobreza destacada pelo autor?

      O autor ressalta que cerca de 500 crianças abaixo de 5 anos morrem diariamente de pobreza no Brasil, evidenciando a necessidade de ação imediata.

10 – Qual a principal mensagem do autor sobre o combate à pobreza?

      A mensagem principal é que a erradicação da pobreza é possível e urgente, dependendo da vontade política e da ação conjunta da sociedade.

 

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